quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Lição 6 - Origem Étnica e Discipulado

Em Burma, Adoniran Judson1 jazia numa suja cadeia, com os tornozelos presos a uma vara de bambu. Um companheiro de prisão, sarcasticamente, disse, "—Dr. Judson, quais são as perspectivas de conversão dos pagão"? Sua instantânea resposta foi, "—As possibilidades são tão brilhantes quanto as promessas de Deus". De fato Deus prometeu a Abraão, ele próprio chamado por Deus para fora de Babilônia, "em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gên. 12:3). O grupo potencial de discípulos como seguidores de Jesus é universal.

Jesus saiu de Seu caminho para entrar em território pagão, para procurar e salvar o perdido. Prometeu à mulher Samaritana, junto ao poço água viva que fluiria dEle nela como uma corrente constante de purificação do pecado; e para que ela talvez fosse uma testemunha, como discípula do Salvador (João 4:14). Jesus dá água que satisfaz cada necessidade.

Ela animadamente carregou a água para Jesus à sua aldeia. A origem judaica de Jesus foi transcendida por sua pronta percepção de que este era o Messias, o enviado de Deus (João 4:25). Desde que Jesus contou a ela todo que tinha feito, isto foi uma evidência convincente para ela de que Ele era o divinamente ungido Profeta, Sacerdote, e Rei.2 Seu testemunho aos habitantes da cidade de Sicar foi tão comovente que seu interesse foi despertado para verem Jesus por si mesmos; e sua declaração foi de que Cristo era "verdadeiramente, o Salvador do mundo" (João 4:42). Isto é simplesmente surpreendente! Eles não O viram como um Salvador de "fãs", mas "o Salvador do mundo". Qualquer preconceito étnico que possa ter existido entre judeus e samaritanos, foi totalmente sobrepujado pela cativante (*pessoa) de Jesus, e eles tornaram-se Seus discípulos. Discipulado para Jesus transcende etnicidade.

Outra vez, Jesus foi a uma viagem missionária à costa cananita de Tiro e Sidon. Havia lá uma mulher para ser chamada (*convocada) como Sua discípula. Esta mulher siro-fenícia era uma devota pagã adoradora de Baal3. Indubitavelmente isto tinha levado sua filha a ficar possessa de demônio. Um templo dedicado a Eshmun4, um deus da cura, foi localizado a três milhas noroeste de Sidon. Evidentemente todos esforços de exorcismo local tinham sido de nenhum proveito. Este amor da mãe por sua filha deve tê-la angustiado com este cativeiro demoníaco.

O amor de mãe é irreprimível. Há anos, uma jovem mãe dirigia-se através das colinas de Gales do sul5, carregando seu bebezinho nos braços, quando foi apanhada por uma tempestade ofuscante. Ela nunca alcançou seu destino. Quando a tempestade acalmou, o seu corpo foi achado embaixo de um monte de neve. Descobriram que antes de sua morte, ela tinha tirado toda sua roupa exterior e a enrolado ao redor de seu bebê. Quando eles desembrulharam a criança, para grande surpresa, a acharam viva e bem. Ela tinha moldado o seu corpo sobre o dele e dado sua vida pela sua criança, provando as profundidades de seu amor de mãe. Isso é (*um) tipo do amor de Deus—um resoluto, altruísta amor6.

Se a resposta de Jesus à petição desta mãe para curar afigura-se áspera e insensível, isto é só aparente. Seu intento em provar a fé da mulher, não era somente para fortalecer e focalizar suas percepções dEle, mas ensinar aos discípulos que verdadeiros israelitas devem ser achados entre os gentios (Mat. 15:24)7. Sua missão e a deles deve estender-se além das fronteiras da pátria.

Chamou Jesus esta mulher cananita de cão (Mat. 15:26)? Ele não disse que ela era um cão! Sua pequena parábola era somente a abertura que ela necessitava para aproveitar e tomar o raciocínio de Jesus e pressionar o argumento em seu favor. Mesmo aos cachorrinhos é permitido comerem as migalhas que caem da mesa, e isso é suficiente para curar minha filha. Nisto ela demonstrou que ela era uma "ovelha perdida da casa de Israel" (Mat. 15:24) (7). Sua fé em Jesus prevaleceu. A resposta de aprovação de Jesus a ela foi, "Ó mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito para contigo como tu desejas" (Mat. 15:28).

A fé nas promessas de Deus sempre foi testada. Abraão, Jacó, Davi, Ester, Daniel, Maria, e tantos outros, foram submetidos a intensos julgamentos para que eles fossem purificados de toda escória e preparados para entrar no reino. Tivessem os discípulos aprendido esta lição valiosa de uma seguidora cananita de Jesus, eles teriam sido melhor preparados para a crucificação de seu Mestre. Ela exercitou o que Deus a tinha dado, —fé inabalável —no "Senhor, filho de David" (Mat. 15:22). Deus tinha prometido a Davi, no Seu concerto eterno, que ele nunca deixaria de ter um filho para assentar-se sobre seu trono; e ela reconheceu em Jesus esse herdeiro legítimo. Por tal autoridade real Jesus podia exorcizar os demônios de sua filha, e Ele o fez.

Num livro sobre relacionamentos quebrados e corações partidos, há uma história sobre o vendedores de rua em Hong Kong. Entre todos os camelôs agressivos e de alta pressão tentando vender algo e tudo, um homem estava assentado silenciosamente ao lado da sua barraca ambulante. Quando lhe foi perguntado o que ele vendia, respondeu, "eu não vendo nada. Em vez disso, eu compro coisas. Compro coisas quebradas. Minha alegria é concertar o que está quebrado"8. Jesus está entre nós como um que compra coisas quebradas para fixá-las. Jesus encontra alegria em curar e salvar pessoas partidas, quebrantadas.

O Grupo de Estudos da Mensagem de 1888 encontra alegria em estudar a "mui mensagem preciosa"9 que o Senhor "em sua grande misericórdia nos enviou" há 120 anos. É a mensagem que cura todas "coisas" quebradas que tem a ver com o trabalho de Deus.

Jesus procurou Seus discípulos de todas etnias. O verdadeiro Israel, são as pessoas de cada nação, tribo, língua e povo. "E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão” (Gal.3:29). A mensagem de 1888 é um chamado de Jesus, nosso Sumo Sacerdote no Lugar Santíssimo, ao discipulado nos últimos dias da história da terra. Tais discípulos trarão a água da vida a um mundo moribundo, sedento, justo antes que Jesus venha outra vez. A mensagem preparará um povo para ser trasladado10 sem ver a morte, porque Jesus comunicou Seu amor aos seus corações. Assim haverá um povo que guarda os mandamentos de Deus e a fé de Jesus.


—Paul E. Penno11



Tradução sublinhados e negritos, e acréscimos, marcados com asteriscos, de João Soares da Silveira


Notas do tradutor, com a Biografia de Adoniran Judson ao final:


1) Este nome, Adoniran Judson (1788 - 1850) é um símbolo do cristianismo sem preconceitos étnicos, altruísta. Ele tinha o mundo em seu coração. Foi o primeiro missionário cristão na Birmânia (atual Mianmar) que, por 30 anos, perseverou em seu trabalho de evangelização, apesar das doenças e perseguições constantes que sofria por pregar o Evangelho naquele país. Após a leitura destes comentários da lição da Escola Sabatina veja a biografia de Adoniran Judson, ao final;


2) Sim, Jesus foi divinamente ungido para ser Profeta, Sacerdote, e Rei. Mas estes três ofícios não são exercidos ao mesmo tempo, embora seja verdade que Ele é chamado de Rei-Sacerdotal, e Seu ministério de Sacerdócio-Real. Isto é de grande importância e significado, e é bela e detalhadamente exposto na “mui preciosa mensagem” de 1888, e, oportunamente, voltaremos ao assunto;


3) Baal, deus das montanhas, da tempestade e da chuva, que também é, praticamente, um sinônimo de idolatria no texto bíblico. Deve-se notar que "Baal" é um nome genérico (significa "senhor"), e não se refere a uma divindade específica;

4) O principal deus de Sidon era Eshmun (um indicativo disso é o próprio nome do rei Eshmun'ezer, bem como o papel da divindade na inscrição do seu sarcófago), que presidia à saúde e à medicina, e foi compreensivelmente identificado pelos gregos com Asclépio (Os Fenícios, de Donald Harden, pág. 84, Lisboa: Editorial Verbo, 1968). Eshmun, num período posterior, superaria Melcart para tornar-se o principal deus de Cartago;

5) Gales do sul (South Wales), fica ao sudeste da Inglaterra. A exata extensão da área ali chamada de “South Wales” não é bem definida, mas é geralmente considerada ser a área em volta da rodovia M4, incluindo os condados de Glamorganshire e Monmouthshire;

6) “Deus é Ágape” (1ª João 4:8), no original grego. Ele é Amor em essência—um resoluto, altruísta amor. Quando Se “deu” (João 3:16), encarnado, nada reservou de Si. Deu-Se incondicionalmente, sem reservas, sem isenção de espécie alguma, quando “a raça estivera a decrescer em forças físicas, vigor mental e valor moral; e Cristo tomou sobre Si as fraquezas da humanidade degenerada. Unicamente assim podia salvar o homem das profundezas da sua degeneração. ... Nosso Salvador Se revestiu da humanidade com todas as vulnerabilidades (“liabilities”) da mesma. Tomou a natureza do homem com a possibilidade de ceder à tentação. Não temos que suportar coisa nenhuma que Ele não tenha sofrido.” Desejado de Todas as Nações, pág. 117, (em português, pelo menos na edição de que disponho, foi omitida a palavra valor, “worth”, acima por nós grifado). “Cristo é a escada que Jacó viu, tendo a base na Terra, e o topo chegando à porta do Céu, ao próprio limiar da glória. Se aquela escada houvesse deixado de chegar à Terra, por um único degrau que fosse, teríamos ficado perdidos. Mas Cristo vem ter conosco ... Desejado de Todas as Nações, pág. 311, grifamos. Cristo é Deus conosco, não há isenção alguma, em sua natureza humana. Ele é o segundo Adão;

7) Este é o verdadeiro sentido de Mat. 15:24. Quando Jesus disse “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas de Israel”, estava referindo-se ao Israel espiritual, os “verdadeiros israelitas”;


8) Terry Hershey, Começando Outra Vez: A vida depois de um Relacionamento Terminar, págs. 10-11;


9) Testemunhos para Ministros, pág. 91, último §. Pelo menos na edição de que disponho a palavra mui foi omitida. Esta é uma das diferentes maneiras como designamos a mensagem de 1888, a “mui preciosa mensagem”.


10) O Evangelho Eterno sempre foi eficaz para prepararem pessoas para morrerem por Cristo. As perseguições testemunharam isto. Mas a última geração, pelo poder do mesmo evangelho, será dotada de poder do Alto a fim de ser trasladada sem provar a morte. Então Deus poderá dizer: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”;


11) Paulo E. Penno Junior é um pastor adventista ordenado há trinta e seis anos. Atualmente ele é pastor da igreja de Hayward, na cidade de Hayward, na Califórnia, da Associação Norte Californiana da Igreja Adventista do 7º Dia.


Biografia de Adoniran Judson:

Era o ano de 1824. Os oficiais do rei da Birmânia (atual Mianmar), país que fica às margens do Golfo de Bengala, no Sudeste Asiático, tinham acabado de saquear o lar missionário de Adoniran e Ana Judson, levando tudo o que acharam de "valioso". No entanto, o tesouro mais precioso havia passado despercebido: o manuscrito de uma porção da Bíblia, traduzida por Adoniran Judson, que sua esposa Ana enterrara sob a casa.

Acusado de espionagem, Adoniran, um missionário magro e de corpo pequeno, ficou encarcerado por quase dois anos em uma prisão infestada por mosquitos. Ele e outros 60 condenados à morte ficaram presos em um edifício sem janelas, escuro, abafado e imundo. Durante aquele período, sua esposa conseguiu entregar-lhe um travesseiro para que ele pudesse dormir melhor no duro chão de areia da prisão, além de livros, papéis e anotações que ele usava para continuar a tradução da Bíblia para o birmanês. Dentro da cadeia, além das traduções, que ele escondia dentro de seu travesseiro, Adoniran evangelizava os presos.

Em 1819, seis anos depois de sua chegada à Birmânia, Judson conseguiu seu primeiro converso. Dois anos depois, já havia uma igreja fundada no país, com 18 membros batizados. Em 1837, havia 1144 convertidos batizados na Birmânia. Em 1880 esse número passou a sete mil, distribuídos por 63 igrejas. Em 1950, cem anos depois de sua morte, existiam mais de 200 mil cristãos na Birmânia, em sua maioria resultantes da mensagem que Judson deixara naquele país. Dizia ele: "Muitos cristãos consagrados jamais atingirão os campos missionários com seus próprios pés, mas poderão alcançá-los com os seus joelhos."

Adoniran Judson nasceu em Malden, no estado americano de Massachussetts. Filho do pastor congregacional Adoniran Judsone e de Abigail Brown Judson; o jovem Adoniran trabalhou duro em um moinho do pai. Tinha de caminhar muito até chegar à escola e tinha intensa devoção à Igreja.

Sua mãe ensinou-lhe a ler um capítulo inteiro da Bíblia quando tinha apenas quatro anos. Nos anos seguintes, freqüentou a escola “New London Academy” e depois a “Brown Univercity”, onde entrou com apenas 16 anos. Naquele período em que o ateísmo, proveniente da França, chegava com força aos Estados Unidos, o jovem Adoniran teve uma crise existencial. Recém diplomado, aos 19 anos, ele surpreendeu os pais quando disse que não mais acreditava na existência de Deus e que iria escrever peças de teatro.

Era o ano de 1807, saiu de casa, mas, quando seguia para a casa de um tio, teve uma experiência que mudou sua vida por completo. No fim de uma noite, procurou um lugar para dormir em uma pensão. O proprietário disse que só tinha um quarto que ficava ao lado de outro em que estava uma pessoa muito doente. A voz agonizante de um homem no quarto ao lado só o deixou dormir no fim da madrugada. Ao acordar, Adoniran soube que aquele homem havia morrido, e tomou um susto ao saber que se tratava de Jacob Eames, um cético e descrente que ele conhecera na faculdade; e que também abandonara o Evangelho pelos ideais ateístas.

A notícia da morte de Eames atingiu seu coração como uma flecha. Foi, então, para Plymouth, onde assistiu a dezenas de palestras de pregadores cristãos. Em 1808, decidiu estudar para o ministério e entrou no seminário teológico de Andover. No ano seguinte, fez uma profissão pública de fé na igreja do pai e sentiu o desejo de tornar-se missionário.

Os pais de Judson queriam que ele aceitasse ser pastor de uma igreja da cidade de Boston, estado de Massachussetts, mas recusou o convite. Ele tinha o mundo em seu coração. Em fevereiro de 1810, fundou, com quatro amigos pastores, a Junta Americana de Missões Estrangeiras, ligada à Associação Geral de Ministros Congregacionais de Bradford, em Massachussetts.

Casou-se com Ana em 5 de fevereiro de 1812, e apenas 12 dias depois, o casal partiu para Calcutá, na Índia, junto com os quatro pastores amigos de Judson. Ana tornou-se, então, a primeira missionária a deixar os EUA. Durante a viagem, dedicaram-se ao estudo das Escrituras. No entanto, ao chegarem a seu destino, a guerra fez com que eles deixassem o país. Como havia uma embarcação pronta para ir para Rangum, na Birmânia, o casal decidiu viajar nela. O percurso não foi fácil. Ana, que estava grávida, adoeceu no navio. Deu à luz seu primeiro filho, que morreu em seguida. Eles chegaram a Rangum exaustos, em julho de 1813. Ana, muito adoentada, desembarcou em uma padiola. Aquela experiência era uma prévia do que o casal ainda haveria de enfrentar.

A experiência na prisão, relatada no início desta biografia, não foi o único problema enfrentado pelo casal Judson na Birmânia. Depois de sair da cadeia, indultado pela Alta Corte de Justiça do reino birmanês, em novembro de 1825, viu a segunda filha do casal, Maria, morrer de febre amarela. Em outubro de 1826, Ana faleceu, também vítima da doença.

Adoniram mudou-se, então, para o interior da Birmânia, onde completaria a tradução do Antigo Testamento para o birmanês, em 1834, no mesmo ano em que se casou pela segunda vez, com Sara, com quem teve oito filhos. Em 1837, Adoniram concluiu a tradução do Novo Testamento. Em 1845, Sara faleceu, e ele retornou aos Estados Unidos 33 anos depois do início de sua viagem à Ásia.

Tanto interesse gerado por sua experiência na Birmânia rendeu a Judson uma platéia inesperada. Grandes multidões corriam para ouvi-lo pregar em solo americano, pois se tornara uma lenda.

Em junho de 1846, casou-se pela terceira vez, com a escritora Emily Chubbock, e voltou no ano seguinte para a Birmânia para revisar mais uma vez o dicionário birmanês-inglês que concluíra em 1826. Muito doente, Judson foi aconselhado a fazer uma viagem marítima para se recuperar, mas veio a falecer no navio, em 12 de abril de 1850. Emily morreu quatro anos depois. Mas a frase que ele mais repetia em suas pregações tornou-se uma realidade:

“—Eu não deixarei a Birmânia até a mensagem da cruz ser plantada aqui para sempre.” Palavras proféticas de um verdadeiro herói da fé. —Marcelo Dutra

Fonte: Revista Graça, Ano 3, n.º 33 / http://www.ongrace.com/