quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Lição 8 – Nascido de mulher – Expiação e Encarnação.

O Gnosticismo1 é fundado no princípio grego de uma existência dualista que separa a matéria do espírito, o primeiro sendo inerentemente mal, e o último divino. Supõe que todas coisas materiais vieram à existência por um semi-deus caído (demiurge), que regia o mundo imperfeito, que, por sua própria existência, é antagônica ao espírito divino. No entanto, de acordo com esta crença, ocasionalmente entra na constituição de alguns homens uma centelha divina que pode ser desenvolvida por gnosis e prática de ritos especiais. Por gnosis, este indivíduo especial podia escapar do mundo material e torna-se inteiramente "espiritual".

O tal conceito circulava entre as primeiras congregações na Ásia, desafiando a verdade da natureza que Cristo assumiu na Sua encarnação. Para o cristão gnostico, a função de Cristo não era vir como Salvador para fazer uma expiação pela humanidade caída, e a redimir do pecado, mas era entrar neste mundo de mal e trazer gnosis à humanidade. Por aprender este "conhecimento" místico e seguindo Seu exemplo, uma "unidade" com Deus podia ser obtida. A idéia inteira estava no "relacionamento" ao invés do problema do pecado e sua repugnância a um Deus santo.

Na sua primeira carta, João falou às congregações, "ouvistes que vem o anticristo" e este "ouvir" veio pela segunda carta de Paulo aos Tess. (2:1-12), que largamente circulava entre as primeiras congregações. Depois da libertação do João de Patmos, ele viajou entre as igrejas de Ásia, sem dúvida testemunhando pessoalmente da introdução de filosofias gnósticas nas verdades pregadas pelos apóstolos. Uma das verdades que foi desafiada por ensino gnóstico, foi a natureza que Cristo assumiu na Sua encarnação. Negar a realidade da encarnação gerou um libertinismo entre os primeiros crentes que discutiam a verdade de vencer o pecado nesta vida, o que resultou em perda comum de religiosidade. Assim a verdade da santificação e vitória sobre o pecado caía em descrédito. Por tal ensino, a expiação de Cristo foi tornada de nenhum efeito.

João explicitamente abordou este problema nas suas cartas quando declarou que os enganadores circulando entre as igrejas negavam que Jesus veio "na carne" (sarx no grego). Ele escreveu: "Amados, não creiais a todo espírito [isto é, pessoa, ou "alma vivente"], mas provai se os espíritos são de Deus: porque muitos falsos profetas têm se levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne [sarx] é de Deus: e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne [sarx] não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes [pelo ensino de Paulo] que deve vir e eis que já está no mundo" (I João 4:1-3). Qualquer um que ensinou que Jesus não assumiu a real natureza caída do Seu antepassado Adão era "anticristo," (*isto é assim) claro e simples.

Antes da pregação de Cristo e Sua justiça numa mais plena medida, como A. T. Jones e E. J. Waggoner apresentaram na sessão (*da assembléia) da conferência geral de 1888, em Minneapolis, a natureza que Cristo assumiu era somente um assunto teológico secundário. Entretanto, desde que o ponto central do Evangelho é trazer à humanidade a verdade do poder de Deus sobre Satanás e o pecado, a natureza que Cristo assumiu tomou uma nova dimensão importante na pregação do Evangelho. Na edição de 1888 de The Bible Readings for the Home Circle, Leituras Bíblicas para o Lar (*o antigo Estudos Bíblicos em inglês) não havia nenhuma menção da natureza de Cristo, mas, na edição 1914 E. J. Waggoner deu uma contribuição significativa ao assunto no novo capítulo "Uma Vida Sem Pecado”:

"A idéia de que Cristo nasceu de uma mãe imaculada ou sem pecado, não herdando nenhuma tendência para pecar, e por esta razão não pecou, O retira da esfera de um mundo caído, e do exato lugar onde ajuda é necessária. No Seu lado humano, Cristo herdou exatamente o que cada filho de Adão herda—uma natureza pecaminosa. No lado divino, desde Sua exata concepção, Ele foi gerado e nascido do Espírito. E tudo isto foi feito para colocar a humanidade em um terreno vantajoso, e demonstrar que, da mesma maneira, cada um que é 'nascido do Espírito' pode ganhar iguais vitórias sobre o pecado em sua própria carne. ... Deus, em Cristo, condenou o pecado, não meramente sentenciando contra ele, como um juiz sentado no tribunal, mas por vir e viver na carne, em carne pecaminosa, entretanto sem pecar. Em Cristo, Ele demonstrou que é possível, por Sua graça e poder, resistir à tentação, vencer o pecado, e viver uma vida sem pecado em carne pecaminosa" (pagina 174; ênfase no original)2.

A. T. Jones, no seu livro O Caminho Consagrado para a Perfeição Cristã, concordou (*com a idéia acima de Waggoner) dizendo: "Somente por submete-Se à lei de hereditariedade3 podia Ele vencer o pecado na plena e verdadeira medida como o pecado verdadeiramente é. ... Assim defrontou o pecado na carne que Ele tomou, e triunfou sobre ele, como está escrito: 'Deus enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado, condenou o pecado na carne'" (*Romanos 8:3). Abordando o ponto inteiro da expiação, Jones declara: "Se Ele não fosse da mesma carne como são os que Ele veio redimir, então não haveria nenhuma utilidade de Ele ter sido feito carne de modo algum" (págs. 48, 41, e veja também a pág. 42; ênfase em original).

O Guia de Estudos deste Trimestre, (*edição do) Professor (*pág. 101) faz uma pergunta bem pertinente: "Quais são as implicações de ser Cristo o segundo Adão"? Esta pergunta nos traz à mente a verdade da natureza que Cristo assumiu pelos pecadores atolados no lamaçal de pecado e rebelião. Porque Cristo tomou sobre Ele a natureza caída de Adão e "em tudo foi tentado, mas sem pecado" temos a garantia de vencer "assim como Ele venceu". Este é o ponto crucial das boas-novas do Evangelho! Nós não temos um "salvador" que mora em algum lugar alto e grandioso, longe, fora do problema de pecado, mas antes temos um sumo sacerdote que “pode compadecer-Se de nossas fraquezas” (*na KJV se lê:"tocado com o sentimento de nossas enfermidades") que sabe como "socorrer aos que são tentados". Assim quando tentados, não importa por quê, nós podemos “vir com confiança ao trono de graça" e "em tempo oportuno” (*ou “em tempo de necessidade”, KJV) podemos achar graça, misericórdia, e poder sobre o pecado (Heb. 4:15-16; Apoc. 3:21; Heb. 2:18) (*e Heb. 4: 15 e 16).

Porque Jesus tomou sobre Si a natureza do Adão depois da queda, e nessa natureza "condenou o pecado na carne" (Rom. 8:3), Ele provou que as reivindicações de Satanás contra a lei de Deus são falsas. Então, em conformidade com o concerto que Ele tinha feito com Seu Pai “antes da fundação do mundo” (Apoc. 13:8), Cristo, como a humanidade corporativa, levou aquela natureza caída à cruz e pagou o preço final pela redenção do pecado, crucificando “o nosso velho homem" de pecado, e pondo a humanidade livre de condenação (Rom. 8:1-4; 6:5-17; Gal. 2:20).

Como poderiam as "boas-novas" ser melhor que isto?

Ann Walper

Tradução e acréscimos, marcados com asteriscos, de João Soares da Silveira.

Notas do Tradutor:

1) O nome “gnosticismo” é dado a todas as diferentes teorias que professam ser cristãs mas incorporaram também elementos helenísticos (tradições filosóficas gregas), e ensinavam uma cosmovisão dualista. A alma humana é parte da divindade que caiu na escuridão e mundo mal da matéria. Cada seita gnóstica diz ter um “conhecimento” (gnosis) especial para comunicar, pelo qual a alma pode obter libertação da matéria e ganhar sua volta ao mundo superior. A maioria dos gnósticos eram fortemente anti-judeus e apresentavam o Deus do Velho Testamento como um Ser inferior, demiurgo (artesão em grego) que criou o mundo material “mau”, hostil ao Deus Supremo do Novo Testamento. Este “conhecimento” capacita a alma a escapar. O gnosticismo está na base filosófica e religiosa de muitos movimentos e seitas como a Nova Era, o espiritismo, o hinduísmo, etc.

2) Como a autora salientou acima, a edição de The Bible Readings for the Home Circle da qual ela colheu o texto apresentado por Ellet José Waggoner, é de 1914, sendo que na edição de 1888 não havia nenhuma menção à natureza que Cristo assumiu na encarnação.

Assim, analise a evolução desta doutrina na Igreja Adventista:

A mensagem da Justiça de Cristo nos veio em 1888 (Testemunho para Ministros, pág. 91 em diante) ano em que a primeira edição já havia aparecido.

Na edição de 1914, um dos dois mensageiros de 1888, E. J. Waggoner, deu a contribuição acima transcrita.

As edições de 1916 da Pacific Press, e a de 1944 da Soutthern Publishing House, mantiveram-se inalteradas neste capítulo. A que tenho é da Review and Herald, Washington D,C, de 1951, revisada em 1949. (Ver nestas edições em inglês as págs. 120 e 121).

À pág. 121 temos a pergunta, “Em Sua humanidade, de que natureza Cristo participou?

Resposta: “Visto como os filhos participam da carne e do sangue, também Ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo” (Hebreus 2:14).

Pergunta: Quão completamente Cristo partilhou de nossa comum humanidade?

Resposta: “Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo” (verso 17).

Na versão para o português, levou o título de “Estudos Bíblicos”. Das edições da CPB, na 3ª edição, pág. 151, e nas duas que temos, uma de 1972 e outra de diversas décadas antes (sem data), às págs. 140 e 141, temos a mesma Pergunta: Até que ponto partilhou Jesus de nossa humanidade comum?

A resposta é a mesma acima, Hebreus 2:17. e a nota diz:

“Em Sua humanidade, Cristo participou de nossa natureza pecaminosa, caída. Senão, não seria então ‘em tudo semelhante aos irmãos,’ não seria como nós em tudo ... tentado, não venceria como nós temos de vencer, e não seria, portanto, o completo e perfeito Salvador que o homem necessita e deve ter para ser salvo. A idéia de que Cristo nasceu de uma mãe imaculada ou isenta de pecado, sem herdar tendências para pecar, e por isso não pecou, põe-nO à parte do domínio de um mundo caído, e do próprio lugar onde é necessário o auxílio. De Sua parte humana, Cristo herdou exatamente o que herda todo filho de Adão—uma natureza pecaminosa. Do lado divino, desde a própria concepção, foi gerado e nascido do Espírito. E tudo isso foi feito para colocar a humanidade num plano vantajoso, e demonstrar que, da mesma maneira todo que é ‘nascido do Espírito’ pode obter idênticas vitórias sobre o pecado, mesmo em sua pecaminosa carne. Assim cada um tem de vencer como Cristo venceu. Apoc. 3:21. Sem este nascimento, não pode haver vitória sobre a tentação, nem salvação do pecado. João 3: 3-7.”

Até a década dos anos 1950 nossa igreja cria desta maneira, como os pioneiros receberam nossas doutrinas por inspirada outorga divina, isto é, Cristo, na encarnação, assumiu a nossa natureza caída. Confira isto em diversas citações do Esp. de Profecia, como O Desejado de Todas as Nações, pág. 49, e em outras publicações antigas.

No Brasil nossas edições desta obra aderiram a este erro mais de 3 décadas depois, somente na edição de 1995 o parágrafo acima, em vermelho, (nota da pergunta 6) foi omitido. Entretanto veja a pergunta 7 (pág. 152 da edição de 1995, 141 da edição de 1972:

Pergunta 7: “Onde, em Cristo, condenou Deus o pecado, e nos ganhou a vitória sobre a tentação e o pecado?

Resposta: “Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne(Rom. 8:3). E o revisor que omitiu a nota acima, em vermelho, tanvez esqueceu-se de omitir esta nota que diz:

“Deus, em Cristo, condenou o pecado, ... vindo e vivendo na carne, na pecaminosa carne, sem todavia pecar. Em Cristo Ele demonstrou que é possível, por Sua Graça e poder, resistir à tentação, vencer o pecado e viver uma vida sem pecado na pecaminosa carne.”

Temos, traduzido e gravado em CD e fita K7, e imprimido, um sermão feito pela Sra. White com o título “Cristo Tentado Como Nós”, publicado por ela. Se desejar possuir este “kit”, entre em contato conosco. Este sermão nunca foi impresso pela nossa organização. Quem me afirmou isto, foi o maior teólogo adventista em Cristologia, segundo me recomendou um dos lideres da Divisão Sul Americana ao telefone, anos atrás. Por coincidência este teólogo, que me foi recomendado para me ensinar sobre cristologia foi meu colega de sala no velho IAE, hoje UNASP I. Quando ele aqui esteve em Belo Horizonte almoçamos juntos em minha casa. Na ocasião eu exibi a ele o original impresso do sermão em inglês, e lhe fiz esta indagação e ele me respondeu com um categórico “—NÃO”, isto é, tal folheto não havia sido publicado pela organização. E ele completou: “—Mas isto é fácil de se confirmar, vou pesquisar no ‘Centro White’, e lhe informarei”. Nenhuma depreciação ou afirmação de falsidade da publicação foi expressa por ele, embora não o tenha folheado. Entendi, deste incidente, que ele o conhecia detalhadamente, pela clara e incisiva resposta ante o simples olhar que lançou ao exemplar do original sem mesmo folheá-lo; (mas posso estar enganado quanto a esta minha percepção). Até hoje estou aguardando a pesquisa prometida.
À pág. 212, de “Estudos Bíblicos”, em português, no capítulo “A Queda da Moderna Babilônia” lemos: “Pelo dogma da imaculada conceição da virgem Maria (*a igreja de Roma) nega haver Deus em Cristo assumido a mesma carne do homem caído, exatamente como o fazia Babilônia antiga” (O nosso Salvador é “Deus Conosco. Os deuses de Babilônia não habitam com os homens, Daniel 2:11).

3) a Lei da Hereditariedade é encontrada estabelecida para os seres vivos na criação pelo próprio Criador, em Gênesis 1 na expressão “... conforme a sua espécie ...”, vs. 12, 21, 24, 25, etc. “Esta expressão ocorre 10 vezes no primeiro capítulo de Gênesis, e num total de 30 vezes nos livros de Moisés, especialmente em Gênesis 1, 6 e 7; Lev.11, e Deut. 14. A referência é a tipos de animais e plantas, não a seus comportamentos reprodutivos. É, entretanto, um fato da natureza que os seres vivos reproduzem outros seres que se assemelham a seus pais. Variações com certos limites são possíveis, mas estes limites estão longe de criar novos tipos de animais e plantas. Veja Gen. 6:20; 7:14; Lev. 11:14-16, 29; Deut. 14:13-15.” Comentário Bíblico, vol. 1 da série SDABC, pág. 212, 2ª Coluna.

À pág. 214, 1ª Coluna, é repetida a primeira parte do que acima transcrevemos e então acrescenta: “ aqui a expressão ‘conforme a sua espécie’ explicitamente indica que os distintos tipos de animais que vemos vieram à existência na criação e não através de um processo de desenvolvimento como os evolucionistas afirmam.”

Na pág. 215, 1ª coluna, sobre a expressão ‘conforme a sua espécie’ lemos: “A declaração se refere a todas as três classes de seres vivos, cada qual tendo seus distintos tipos. Estas palavras inspiradas refutam a teoria da evolução que declara que formas superiores de vida se desenvolvem de inferiores, o que sugere que é possível produzir seres vivos de elementos terrestres inanimados. ...” [mas] “os cientistas nunca foram capazes de produzir, a partir de matéria sem vida, uma única célula que fosse capaz de viver e reproduzir sua espécie.”

À pág. 754, 2ª coluna, a expressão de Lev. 11:14, “‘segundo a sua espécie’ indica todos os membros dos tipos básicos, tendo asas pontudas e calda bifurcada.(veja vs. 15 e 16).”

À pág. 1001, 1ª coluna, a expressão de Deut. 14:14, falando sobre o corvo, ao dizer “segundo a sua espécie” diz que vem da raiz que significa “que é de cor preta”, como é a cor do corvo. Não poderia ser diferente. É a lei da hereditariedade.

Enfim, a “lei da hereditariedade” que Cristo assumiu foi assim analisada por Ellen G. White em O Desejado de Todas as Nações, pág. 49: Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio com essa hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos o exemplo de uma vida impecável.”

O que vê você na “história de Seus ancestrais terrestres”? somente erros e pecados os mais variados.

“Por conseguinte, tanto pela herança, como pela imputação, foi Ele ‘carregado com os pecados do mundo’, e, apesar de estar carregado com esta imensa desvantagem, passou triunfantemente sobre a terra, onde, não havendo qualquer sombra de desvantagem, o primeiro par caiu” (O Caminho Consagrado para a Perfeição Cristã, pág. 40 e 41).