terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 46.

350

As Promessas Para Israel

As Tribos Perdidas de Israel

Há uma ideia popular, quase universal, de que ao tempo do cativeiro babilônico, dez das doze tribos foram inteiramente perdidas e que somente duas tribos puderam ser reunidas para retornar à terra da Palestina ao final dos setenta anos. Tão arraigada é essa noção que quase todo mundo sabe imediatamente a que se está referindo quando se emprega a expressão “as dez tribos perdidas”. Como essa ideia chegou a estabelecer-se não perderei tempo a investigar, mas nos contentaremos em assegurar o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto dos perdidos israelitas.

Judá e Israel

Primeiro, contudo, será bom observar uma errônea concepção a respeito dos termos “Judá” e “Israel”. Quando o reino foi dividido, após a morte de Salomão, a porção do sul, consistindo das tribos de Judá e Benjamim, era conhecida como o reino de Judá, com Jerusalém por sua capital; enquanto a porção do norte, consistindo das demais tribos, era conhecida como o reino de Israel, com sede em Samaria. Esse reino do norte foi que primeiro se viu levado ao cativeiro, e as tribos que o compunham são as supostamente perdidas.

(351) O mal entendido é que o termo “judeus” limita-se ao povo do sul, ou seja, às tribos de Judá e Benjamim, e que o termo “israelitas’ significa somente aquelas tribos compostas do reino do norte, supostamente as perdidas. Seguindo a linha dessa suposição, “a imaginação cálida, desgovernada,” de alguns teólogos especuladores, fantasiou até que as pessoas conhecidas como judeus são da tribo de Judá e Benjamim somente, e que a etnia anglo-saxã, ou mais especificamente, o povo da Grã-Bretanha e América do Norte são os israelitas, ou, em outras palavras, as “dez tribos” descobertas.

Caráter, Não Nacionalidade

É fácil ver como essa teoria se originou. Deriva de uma completa falha em compreender as promessas do Evangelho. Foi inventada a fim de trazer os anglo-saxões como herdeiros das promessas a Abraão, perdendo-se de vista o fato de que tais promessas abrangem o mundo inteiro, sem acepção de nacionalidade, e que Deus não faz acepção de pessoas; mas que Lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, O teme e faz o que é justo” (Atos 10:34, 35). Se os homens tivessem crido que “um verdadeiro israelita” é alguém que “não tem dolo” (João 1:47) teriam percebido a loucura da ideia que não importa quão ímpio e descrentes sejam as pessoas, devem ser israelitas simplesmente por pertencerem a certa nação. Mas a ideia de uma igreja nacional e de uma religião nacional é maravilhosamente fascinante, porque é tão mais agradável as pessoas suponhrem que serão salvas em massa, a despeito do caráter, em vez de mediante fé e justiça individuais.

Termos Bíblicos Que Suplantam Distinções Infundadas

Poucos textos das Escrituras são suficientes para mostrar que os termos “judeu” e “israelita” são usados intercambiavelmente, cada um sendo aplicável (352) à mesma pessoa. Por exemplo, em Ester 2:5 lemos que “Havia então um homem judeu na fortalezaz de Susã, cujo nome era Mardoqueu, filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis, homem benjamita”. Mas em Rom. 11:1 temos a declaração do Apóstolo Paulo, “eu também sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim”; e o mesmo apóstolo disse: “Eu sou um homem judeu, natural de Tarso” (Atos 21:39). Aqui temos um homem da tribo de Benjamim, um judeu, e outro homem da mesma tribo, um israelita e ao mesmo tempo judeu.

Novamente, Acaz foi um dos reis de Judá, e reinou em Jerusalém. Ver 2º Reis 16:1,2; Isa. 1:1. Ele era um descendente de Davi, e um dos ancestrais de Jesus segundo a carne. 2º Reis 16:2; Mat. 1:9. Contudo, em 2º Crô. 28:19 , num relato da invasão do “sul de Judá” pelos filisteus, é-nos dito que “o Senhor humilhou a Judá por causa de Acaz, rei de Israel, porque este se houve desenfreadamente em Judá, havendo prevaricado grandemente contra o Senhor”.

Quando o apóstolo Paulo retornou a Jerusalém de uma de suas viagens missionárias, “os judeus da Ásia, vendo-o no templo, alvoroçaram todo o povo e lançaram mão dele, clamando: Homens israelitas” (Atos 21:27, 28).

O leitor pode prontamente ver a lógica disso ao recordar-se que todas as doze tribos descendiam de um homem, Jacó ou Israel. O termo “Israel” é, destarte, aplicável a qualquer ou todas as tribos; enquanto, por causa da preeminência de Judá, o termo “judeu” veio a ser aplicado a qualquer dos filhos de Israel, sem importar a sua tribo. Falando dos concertos, Deus diz que Ele faria “com a casa de Israel e com a casa de Judá uma nova aliança” (Heb. 8:8), a fim de tornar inegável que o novo concerto é estabelecido com todas as pessoas indivisivelmente, tal como se dava com o velho.

Logo, vemos que o termo “judeus” é corretamente aplicado ao mesmo povo como o termo “israelitas”; mas não devemos nos esquecer que, estritamente falando, “não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu aquele que o é nointerior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Romanos 2: 28 e 29). (353) A definição das tribos foi perdida entre o povo chamado judeus, mas isso não faz diferença; eles podem ser chamados israelitas tão apropriadamente quanto judeus; mas nenhum dos termos é em seu estrito sentido aplicável a qualquer deles exceto os que têm real fé em Jesus Cristo; e ambos os termos são, no sentido estritamente escriturístico, aplicável a qualquer que tenha tal fé, conquanto seja inglês, grego ou chinês.

Nenhuma das Tribos é “Perdida”

Agora, quanto às “tribos perdidas”, que essas dez tribos não estavam mais perdidas após o fim do cativeiro babilônico do que anteriormente é tão evidente pelas Escrituras quanto o fato de que as tribos de Judá e Benjamim não estavam perdidas. Como se pode saber que essas duas tribos não foram perdidas, ou seja, perdidas de vista? — Pelo simples fato de que encontramos referência a elas após o cativeiro; indivíduos pertencentes a essas tribos são mencionados por nome. Da mesma maneira sabemos que outras tribos existiam tão distintamente após o cativeiro quanto antes.

Nem todo o povo de Israel foi levado para Babilônia; os mais pobres e mais irrelevantes foram deixados em sua própria terra. Mas a maioria de todas as tribos foi levada, e assim na proclamação real, ao final dos setenta anos, a permissão para retornar foi universal, como segue:--

“No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia (para que se cumprisse a palavra do Senhor proferida pela boca de Jeremias), despertou o Senhor o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo: Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O Senhor Deus dos céus me deu todos os reinos da terra, e me encarregou de lhe edificar uma casa em Jerusalém, que está em Judá. Quem há entre vós, de todo o Seu povo (seja Seu Deus com ele) e suba para Jerusalém, que é em Judá, e edifique a casa do Senhor, Deus de Israel; (Ele é o Deus) que está em Jerusalém”. Esdras 1:1-3.

A permissão para retornar foi universal, mas nem todos de todas as tribos tomaram vantagem disso. Todas as tribos, contudo, estavam representadas; mas (354) os que permaneceram não seriam necessariamente perdidos. Não se pode dizer que uma família está “perdida” por viver num país estrangeiro. Mais tarde Artaxerxes em sua comissão a Esdras escreveu: “Por mim se decreta que no meu reino todo aquele do povo de Israel, e dos seus sacerdotes e levitas, que quiser ir contigo a Jerusalém, vá. Porquanto és enviado da parte do rei e dos seus sete conselheiros para fazeres inquirição a respeito de Judá e de Jerusalém, conforme a lei do teu Deus, que está na tua mão” (Esd. 7:13).

“Todo Israel” Representado

Imediatamente seguindo-se à proclamação de Ciro, lemos: “Então se levantaram os chefes dos pais de Judá e Benjamim e os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo espírito Deus despertou, para subirem a edificar a casa do Senhor, que está em Jerusalém” (Esd. 1:5). Sabemos que os serviços do santuário foram restabelecidos e ninguém, a não ser os levitas, podiam ser empregados neles; e em Esdras 3:10-12 lemos que quando os alicerces do templo foram lançados, “os sacerdotes já vestidos e com trombetas, e os levitas, filhos de Asafe, com címbalos, para louvarem ao Senhor”. Mesmo depois da ressurreição e ascenção de Cristo lemos sobre Barnabé que era “levita natural de Chipre” (Atos 4:36).

Em Lucas 2:36-38 lemos sobre “Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser”, que reconheceu o bebê Jesus como o Senhor, “e falava dEle a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém”.

Aqui vemos representantes de duas das dez tribos que supostamente despareceram de forma misteriosa, expressamente mencionados por nome como habitando em Jerusalém. É por demais óbvio que uma coisa não pode se perder quando se sabe exatamente onde se encontra.

As outras tribos não são especificadas, mas em Esdras 2:70 lemos: “Ora, os sacerdotes e os levitas, e alguns do povo, tanto os cantores como os porteiros e os netinins, nas suas cidades, e todo o Israel nas suas cidades”.

Quando o apóstolo Paulo estava sob julgamento, sob risco de vida, perante o rei Agripa, ele disse: “E agora pela esperança da (355) promessa que por Deus foi feita a nossos pais, estou aqui e sou julgado. À qual as nossas doze tribos, esperam chegar, servindo a Deus continuamente, noite e dia. Por esta esperança, ó rei Agripa, eu sou acusado pelos judeus” (Atos 26:6, 7). Aqui descobrimos que as doze tribos estavam em existência nos dias de Paulo e aguardavam o cumprimento da promessa que Deus fizera a seus pais.

Novamente, o apóstolo Tiago dirigiu sua epístola “às doze tribos da dispersas” (Tiago 1:1).

Temos aqui evidência suficiente de que nenhuma tribo de Israel jamais foi mais perdida do que outra. Todas as distinções tribais estão agora perdidas e nenhum judeu pode dizer a qual das doze tribos pertence, assim nesse sentido, não meramente dez, mas todas as tribos estão perdidas agora, embora todas as doze tribos sejam representadas no povo judeu espalhado por toda a Terra. Deus, contudo, conserva a lista, e no mundo futuro colocará cada pessoa no seu lugar apropriado, pois a cidade pela qual Abraão aspirava, a capital da herança prometida a ele e à sua semente, a Nova Jerusalém, tem doze portas, e sobre as portas estão “os nomes das doze tribos dos filhos de Israel” (Apo. 21:12).

A Quem o Senhor Considera um Israelita

Os últimos dois textos sugerem outro fato, qual seja, que o reconhecimento divino das tribos não é segundo os registros humanos. “o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração” (1º Sam. 16:7), e “não é judeu o que o é exteriormente, . . . Mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração” Rom. 2:28, 29. Todos quantos se salvam entrarão “na cidade pelas portas” (Apo. 22:14), mas cada uma dessas portas tem sobre ela o nome de uma das doze tribos, mostrando que os salvos compõem as doze tribos de Israel. Isso é evidente também pelo fato de que “Israel” significa um vencedor. A epístola de Tiago é dirigida às doze tribos, contudo não há um cristão que não saiba que suas instruções e promessas são para ele.

Isso nos conduz ao fato de que na realidade todas as tribos de Israel estão perdidas, “porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rom. 3:23). (356) “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Isa. 53:6); destarte quando o Senhor Jesus veio, “o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10). Ele declarou: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mat. 15:24), no exato instante em que Ele estava para conceder uma bênção sobre uma desprezada e pobre mulher cananéia, uma descendente daqueles pagãos que habitavam a terra antes dos dias de Josué.

Aqui finalmente localizamos as perdidas tribos de Israel. Não são dez somente, mas todas as tribos estão perdidas, tão completamente perdidas que a única esperança de sua salvação está na morte e ressurreição de Cristo. Nessa condição é que nos achamos, e, portanto, podemos ler com deleite, como nos pertencendo, as promessas com respeito à reunião de Israel, o que consideraremos a seguir.

-- The Present Truth, 13 de maio de 1897.