sexta-feira, 9 de julho de 2010

Romanos, Cap. 3, Waggoner

CARTA AOS ROMANOS, Por Ellet J. Waggoner, Um dos dois mensageiros de 1888
Tradução e Edição César L. Pagani


Capítulo 3

A Graça de Deus:Dom Gratuito
Introdução
Não nos cabe realmente dizer que completamos o estudo dos dois primeiros capítulos, posto que nunca poderemos concluir o estudo de nenhuma porção da Bíblia. Depois de termos nos dedicado à mais profunda investigação de alguma parte da Escritura, não fizemos, em realidade, nada mais que começar. Se Newton, depois de haver dedicado sua longa vida ao estudo das ciências naturais, pôde dizer que se sentia como um menino brincando na areia da praia, com todo o vasto oceano ante si para descobrir, o que nos caberá dizer do mais aplicado estudante da Bíblia?
Portanto, nunca pense que de alguma maneira haja esgotado essa parte do estudo. Quando tiver o texto bem gravado em sua mente, de modo que possa recordar com facilidade qualquer das passagens e localizar-se com referência ao seu contexto, você terá chegado justamente ao ponto de partida, desde o qual poderá começar a estudar com verdadeiro proveito. Conseguintemente, você que está ansioso por adquirir um conhecimento pessoal das Escrituras, centralize-se nas palavras como se estivesse cavando num lugar em que tivesse a certeza de encontrar um tesouro, já que uma riqueza autenticamente inesgotável o aguarda em sua busca.
O primeiro versículo é um resumo de todo o segundo capítulo. "Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas". (Rom. 2:1) Os versículos que se seguem são um desenvolvimento de tal afirmação. Assim vemos que não há exceção ao fato da manifestação da ira de Deus, desde o Céu, contra toda injustiça e impiedade dos homens. Ouvir e conhecer a verdade não substitui sua prática. Deus não faz acepção de pessoas, mas castigará o pecado onde esse existir.

Aceitos perante Deus: –Pedro fez essa afirmação na casa de Cornélio: "Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que O teme e faz o que é justo Lhe é aceitável". (Atos 10:34 e 35). Há pessoas em terras pagãs que podem não ter ouvido jamais o nome de Deus, nem ter visto uma única linha de Sua palavra escrita, e serão salvas. Deus Se revela nas obras da criação e aqueles que aceitam o que sabem d’Ele, são tão aprovados pelo Senhor como os que O conhecem em muito maior profundeza.
Perguntas respondidas: –A primeira parte do terceiro capítulo de Romanos consiste em perguntas e respostas. Se você ler com atenção as epístolas de Paulo, observará a freqüente inclusão de perguntas em meio à argumentação. São providas respostas para toda objeção possível. O apóstolo faz a pergunta que o oponente eventualmente esboçaria, para respondê-la em seguida, reforçando desse modo a argumentação. Assim, nos versos seguintes, faz-se mui evidente que as verdades expostas no segundo capítulo não deveriam ser nada agradáveis para os fariseus, e que esses as combateriam com todas as suas forças. As perguntas colocadas pelo apóstolo não são a expressão de qualquer perplexidade em sua própria mente, como bem mostra a disposição estabelecida no verso 5: "Falo como homem".
Com isso em mente, leiamos Romanos 3:1 a 18:
1 Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?
2 Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.
3 E daí? Se alguns não creram, a incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus?
4 De maneira nenhuma! Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem, segundo está escrito: Para seres justificado nas Tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado.
5 Mas, se a nossa injustiça traz a lume a justiça de Deus, que diremos? Porventura, será Deus injusto por aplicar a sua ira? (Falo como homem.)
6 Certo que não. Do contrário, como julgará Deus o mundo?
7 E, se por causa da minha mentira, fica em relevo a verdade de Deus para a sua glória, por que sou eu ainda condenado como pecador?
8 E por que não dizemos, como alguns, caluniosamente, afirmam que o fazemos: Pratiquemos males para que venham bens? A condenação destes é justa.
9 Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado;
10 como está escrito: Não há justo, nem um sequer,
11 não há quem entenda, não há quem busque a Deus;
12 todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.
13 A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios,
14 a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura;
15 são os seus pés velozes para derramar sangue,
16 nos seus caminhos, há destruição e miséria;
17 desconheceram o caminho da paz.
18 Não há temor de Deus diante de seus olhos.

A Palavra de Deus: –Uma palavra é algo que se pronuncia. Acima de tudo, o que proclamou ou pronunciou a boca de Deus, são os Dez Mandamentos (Deuteronômio 5:22). Estêvão, referindo-se ao momento em que Moisés recebeu a lei, disse: "É este Moisés quem esteve na congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com os nossos pais; o qual recebeu palavras vivas para no-las transmitir". (Atos 7:38) Os Dez Mandamentos são primariamente a Palavra de Deus, já que Sua própria voz os pronunciou aos ouvidos do povo.
Porém, as Sagradas Escrituras, como um todo, constituem a Palavra de Deus falada "muitas vezes e de muitas maneiras". (Hebreus 1:1), já que ela não é senão o desenvolvimento dos Dez Mandamentos. Os cristãos devem amoldar sua vida somente de acordo com a Bíblia. Assim atestam as palavras do apóstolo Pedro: "Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus." (I Pedro 4:11).
A Lei, uma vantagem – Muitos pensam que a Lei de Deus é uma carga e imaginam que a vantagem dos cristãos é que não têm nada a ver com ela. Porém, contrariamente, João disse: "Porque este é o amor de Deus: que guardemos os Seus mandamentos; ora, os Seus mandamentos não são penosos". (I João 5:3) E Paulo diz que a posse da Lei era uma grande vantagem para os judeus. Disse também Moisés: "E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?" Todos os que amam verdadeiramente o Senhor consideram grande bênção dispor da plena revelação da Santa Lei de Deus.

"Confiada": –A vantagem dos judeus não se fundamentava simplesmente no fato de a Palavra de Deus lhes ter sido revelada, mas que ela "lhes foi confiada". Isto é, foi-lhes dada a Lei a fim de garanti-la aos demais e não somente em seu próprio benefício. Teriam eles de ser missionários ao mundo inteiro. A vantagem e a honra concedida à nação judaica ao lhe ser confiada a Lei de Deus a fim de que fosse conhecida no mundo, é um privilégio incalculável.

Conte-o aos outros: –Quando Pedro e João foram presos e ameaçados por pregar a Cristo (que era a Lei vivida em sua perfeição), disseram: "Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos". (Atos 4:20) Aquele que aprecia o dom que Deus lhe concedeu não pode deixar de contar aos outros. Alguns acham que é inútil levar o evangelho aos pagãos, por saberem que Deus os justifica se andarem de acordo com a pequena luz que brilha sobre eles, tanto como a pessoa que caminha de acordo com a luz mais ampla da palavra escrita. Pensam que os ímpios pagãos não estão numa situação pior que a dos professos cristãos que são infiéis. Porém, ninguém que preze as bênçãos do Senhor pode pensar assim. A luz é uma bênção. O homem, quanto mais conhece a Senhor, mais pode regozijar-se n’Ele; e todo aquele que conhece verdadeiramente o Senhor estará desejoso de espalhar as "nova de grande alegria" a todos aqueles a quem são dirigidas.

A fidelidade de Deus: –"E daí? Se alguns não creram, a incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus?" (verso 3) Uma pergunta muito pertinente. Convida-nos ela a considerar a fidelidade de Deus. Desfaz o Senhor Sua promessa devido à nossa falta de fé? Será Deus infiel por causa da infidelidade do homem? Nossa vacilação fará com que Deus oscile? De maneira nenhuma! Deus será sempre verdadeiro, mesmo que todo homem seja mentiroso. "Se somos infiéis, Ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-Se a Si mesmo." (II Timóteo 2:13) "A Tua benignidade, Senhor, chega até aos céus, até às nuvens, a Tua fidelidade". (Salmo 36:5)

Poder e fidelidade – Alguém poderá concluir precipitadamente que o que foi dito agora anule a afirmação precedente, a qual da conta de que apenas aqueles que têm fé são herdeiros da promessa, já que "como pode ser apenas semente – e portanto herdeiros – de Abraão os que crêem, como Deus vai cumprir sua promessa apesar de todo homem ser incrédulo?' Facilmente! Devido às Escrituras e ao poder de Deus. Preste atenção às palavras que João Batista dirigiu aos perversos judeus, a quem somente caberia descrever como raça de víboras. “E não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.” (Romanos 3:9) Deus concederá a herança apenas aos fiéis, porém, se todo homem for infiel, Aquele que fez o homem do pó da terra pode, a partir das pedras, levantar outro povo que seja crente.
Deus será justificado – “Para seres justificado nas tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado.” (Romanos 3:4) Satanás acusa a Deus de injustiça e indiferença, e também de crueldade. Milhares fazem eco a essa acusação. Porém, o juízo declarará a justiça de Deus. Seu caráter, tanto quanto o do homem, será submetido à prova. No juízo, todo ato realizado desde a Criação, tanto de Deus como do homem, será visto por todos em seu pleno significado. E quando tudo for examinado sob essa luz perfeita, Deus será absolvido de toda acusação, inclusive por Seus inimigos.

Pondo em relevo a justiça de Deus: –Os versículos 5 e 7 não são mais que duas formas de expressar a mesma idéia. Dá-se destaque à justiça de Deus em contraste com a justiça do homem. Assim, o amante de complicações supõe que Deus não deveria condenar a injustiça humana que, por contraste, exalta a Sua justiça. Porém, isso significa destruir a justiça divina; então, “como julgaria Deus o mundo?” Se Deus fosse o que os incrédulos afirmam ser, o Senhor perderia até o seu respeito. Eles O condenariam ainda mais abertamente do que o fazem hoje.

“Falo como homem”: –(ou “em termos humanos”, conf. RV 90) Não era Paulo, por acaso, um homem? Por que emprega a expressão “falo como homem”? Porque os escritos de Paulo, como os dos antigos profetas, foram dados sob inspiração divina. O Espírito Santo falou através dele. Não estamos lendo a opinião de Paulo sobre o evangelho, mas a declaração do próprio Espírito Santo. Porém, nessas ocasiões, o Espírito se expressa em termos humanos, isto é, Ele cita as palavras dos incrédulos a fim de mostrar a insensatez de sua incredulidade.
Perguntas incrédulas: –Há perguntas com diferentes significados. Algumas delas são formuladas com o objetivo de adquirir instrução, outras, todavia, com a única finalidade de opor-se à verdade. Não é possível responder a ambas da mesma maneira. Certas questões não merecem maior atenção do que se houvessem sido feitas em positivas afirmações de incredulidade. Quando Maria disse ao anjo: “Como se fará isto?” (Lucas 1:34), com o desejo de saber mais, foi-lhe explicado como aconteceria. Porém, quando Zacarias perguntou: “Como terei certeza disso?” (Lucas 1:18), expressando assim sua descrença ante as palavras do anjo, foi castigado.
Maldade desmascarada – Quando o oponente diz: “Se minha mentira, posta em contraste com a verdade de Deus, aumenta Sua glória, por que mesmo assim sou condenado como pecador?” Paulo expõe o que essa retórica acoberta. Na verdade, o que ela quer dizer é: “Por que não praticar o mal para que venha o bem?” A intenção real dessas perguntas é pretender que o mal seja, em realidade, bom; que as pessoas são boas, a despeito do que possam fazer, já que o bem procederá do mal. Essa é a essência do espiritismo moderno bem como do universalismo, que ensinam que todos os homens serão salvos.
O mal não é o bem – Espiritualistas à parte, há muitos que dizem virtualmente: “Façamos o mal para que venha o bem”. Quem são eles? Todos os que acham que o homem é capaz de fazer o bem por si mesmo. O Senhor declara que somente Deus é bom e que o bem só pode proceder de Deus (ver Lucas 18:19 e 6:43-45). Do homem apenas provém o mal (Marcos 7:21-23). Portanto, aquele que pensa que pode por seus próprios esforços praticar o bem, está factualmente dizendo que o bem procede do mal.
O mesmo diz quem recusa confessar-se pecador. Ele está se colocando acima de Deus, já que nem mesmo Deus transforma o mal em bem. Deus torna bom o homem mau, porém, tão-somente colocando Sua própria bondade no lugar da maldade humana.
Todos sob pecado: –O oponente é silenciado diante de seus sentimentos de infidelidade. É justa a condenação de quem sustenta semelhante postura, e assim fica firmemente estabelecida a conclusão: todos os homens, judeus e gentios, estão sob pecado.
Assim está preparado o caminho para a seguinte inferência: há somente um caminho para a salvação de todos os homens. Aquele que cresceu ouvindo o bimbalhar dos sinos da igreja e que lê as Escrituras todos os dias, tem a mesma natureza pecaminosa e igual necessidade de um Salvador que um selvagem incivilizado. Absolutamente ninguém está em situação de poder depreciar os outros.

Todos se desgarraram: –Quando o apóstolo disse que judeus e gentios “todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis”, não fez outra coisa senão repetir o que Isaías escreveu centenas de anos atrás: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre Ele a iniqüidade de nós todos.” (Isaías 53:6)
“Caminho de paz” – “Caminho de paz não conheceram” porque se recusaram conhecer o Deus da paz. Por isso Ele disse: “Ah! se tivesses dado ouvidos aos Meus mandamentos! Então, seria a tua paz como um rio, e a tua justiça, como as ondas do mar”. (Isaías 48:18). “Grande paz têm os que amam a Tua lei; para eles não há tropeço”. (Salmo 119:165) Aquele que prepara o caminho do Senhor, fazendo conhecer a remissão de pecados, conduz nossos pés ao caminho da paz (Lucas 1:76-79), já que nos dirige à justiça da Lei de Deus.
O que estudamos até aqui com respeito à epístola aos Romanos, mostrou-nos que tanto judeus como gentios compartilham a mesma condição pecaminosa. Ninguém tem nada de que se gabar em relação aos outros. Aquele que, dentro ou fora da igreja, se inclina a julgar e condenar outro, não importa quão malvado esse possa ser, mostra com isso que ele mesmo é culpado das mesmas coisas que condena no semelhante. O juízo pertence somente a Deus e aquele que ousa tomar o lugar do Senhor demonstra o mais ousado espírito de usurpação. Aqueles a quem foi confiada a Lei têm um maravilhoso privilégio do qual carecem os pagãos; não obstante, devem dizer: “Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado”. (Romanos 3:9)

A Grande Conclusão – Romanos 3:19-22.
19 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus,
20 visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
21 Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas;
22 A justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção.

“Na Lei”: –Este não é o momento de considerarmos a força da expressão “debaixo da lei”, como algumas versões traduzem, pois não é essa, realmente, a tradução correta. O mesmo acontece em Romanos 2:12; a tradução correta é “na lei”. A expressão “debaixo da lei” é totalmente diferente em grego. É impossível saber por que em algumas versões foi traduzida “debaixo da lei”, quando nos textos citados – o mesmo que sucede em I Coríntios 9:21 – o original reza “na lei”. O texto diz: “Sabemos que o que a lei diz, o diz aos que estão na lei”, ou melhor, “na esfera ou jurisdição da lei”. Trata-se de um ato divino, porém, em vista do que se segue imediatamente. É muito importante ter isso presente.

“O que a lei diz...”: –A voz da Lei é a voz de Deus. A Lei é a verdade, uma vez que foi pronunciada pela própria voz divina. No pacto que Deus fez com os judeus, com respeito aos Dez Mandamentos, disse da Lei: “... Se diligentemente ouvirdes a Minha voz...” (Êxodo 19:5) “Estas palavras falou o Senhor a toda a vossa congregação no monte, do meio do fogo, da nuvem e da escuridade, com grande voz...” Por conseguinte, quando a Lei de Deus fala ao homem, é Deus mesmo quem Se pronuncia. Satanás inventou um provérbio, induzindo a muitos a crê-lo. Esse é: “A voz do povo é a voz de Deus”. Esta constitui uma parte de sua grande mentira, através da qual faz com que muitos tripudiem sobre a Lei divina. Que todo aquele que ama a verdade substitua essa falsificação de Satanás pelo fato de que “a voz da Lei divina é a voz de Deus”.
“Toda boca se cale” – A Lei fala para que toda boca se feche. Isso faria toda boca, tão-somente se apercebesse o homem de que é Deus quem fala. Se ele se desse conta de que o próprio Senhor é quem fala mediante a lei, não estaria tão pronto a questionar Suas palavras nem inventaria tantas escusas para deixar de obedecê-la.
Quando um servo do Senhor lê a lei para as pessoas, estas parecem freqüentemente pensar que são somente palavras de homem que ouvem, e sentem ser seu privilégio opinar, debater e objetar. Se dizem que embora tudo esteja certo, não se sentem na obrigação de obedecer o que não lhes parece aconselhável. Jamais lhes ocorreria proceder dessa maneira se ouvissem a voz de Deus a lhes falar.
Porém, quando hoje se lê a Lei, trata-se tão certamente da voz de Deus como em sua proclamação aos israelitas postados ao pé do Monte Sinai. As pessoas se colocam hoje contra ela, porém logo chegará o momento em que toda boca se fechará, porque: “Vem o nosso Deus e não guarda silêncio...” (Salmo 50:3)

A jurisdição da Lei: –O que a Lei diz, di-lo aos que estão em sua esfera jurisdicional. Para quê? “Para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus”. (Romanos 3:19) Até onde vai, pois, a jurisdição da Lei. Alcança toda alma no mundo. Ninguém está isento de obedecê-la. Nem uma só alma deixa de ser tida por culpável. A Lei é a norma de justiça, e “não há justo, nem um sequer”.

A Lei não justifica: –“Visto que ninguém será justificado diante dEle por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”. (Romanos 3:20) Se o homem fosse justificado pela Lei, teria de acontecer uma destas duas coisas: ou que ele não fosse culpado ou que a Lei fosse má. Porém, não acontece nenhuma delas. A Lei de Deus é perfeitamente reta e todo homem pecador. “Pela Lei vem o conhecimento do pecado”. É evidente que a própria Lei que declara o homem culpado não pode dizer que ele é justo. Portanto, a verdade de que pelas obras da Lei nenhuma carne se justificará, explica-se por si mesma.

Uma dupla razão: –Há duas razões pelas quais ninguém pode ser justificado pela Lei. A primeira é que todos pecaram; por conseguinte, a Lei deve continuar declarando-os culpados a despeito do que seja sua vida. Ninguém pode fazer mais do que sua dívida com Deus, e não existe nenhuma quantidade suficiente de boas ações que possa cancelar uma má ação.
Porém, mais ainda: os homens não somente pecaram, mas também são pecaminosos. “O pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à Lei de Deus, nem mesmo pode estar”. (Romanos 8:7) “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”. (Gálatas 5:17) Logo, não importando o quanto um homem se esforce por cumprir a justiça da Lei, nunca encontrará a justificação por seu intermédio.

Justificação própria: –Se alguém fosse justificado pelas obras da Lei, seria porque sempre fez o que a Lei requereu. Veja que nesse caso é ele quem faz e não a Lei. Não seria que a Lei fizesse algo para justificar o homem, senão que ele mesmo executaria as boas obras exigidas. Aquele que supõe poder cumprir a justiça da Lei demonstra com isso que crê ser tão bom quanto Deus, posto que a Lei requer a justiça de Deus e é uma declaração dela.
Deduz-se, pois, que o indivíduo que pensa poder justificar-se pela Lei, acha-se tão bom que não necessita de um Salvador. Todo o que se sente justo, pouco importando sua profissão, está-se exaltando acima da Lei de Deus e, conseguintemente, identifica-se em essência com o papado.
Justiça sem a Lei: –Visto que na débil condição humana e em estado decaído ninguém pode obter a justiça a partir da Lei, a justiça terá de ser conseguida a partir de outra fonte que não seja a Lei. Abandonado a si mesmo e à Lei, o homem estaria realmente numa condição deplorável. Entretanto, há esperança. “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus...” (Romanos 3:21) Isso revela ao homem o meio de salvação.

A justiça manifestada: –Onde? Precisamente onde mais falta fazia – no homem. Isto é, numa certa classe descrita pelo versículo seguinte. Porém, não tem origem nele. As Escrituras já nos mostraram que do homem não pode provir nenhuma justiça. A justiça de Deus se manifesta em Jesus Cristo. Ele mesmo disse, através de Davi: “Agrada-Me fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; dentro do Meu coração está a Tua lei”. Proclamei as boas novas de justiça na grande congregação; jamais cerrei os lábios, Tu o sabes, Senhor”. (Salmo 40:8 e 9).

“Testemunhada pela Lei”: –Nunca suponha que, com base no evangelho, você pode ignorar a Lei de Deus. A justiça de Deus que se manifesta sem a Lei, é testemunhada pela Lei. É desse tipo de justiça que a Lei dá testemunho e aprova. Tem de ser assim, já que é a justiça que Cristo manifestou, e essa provinha da Lei que estava “em Seu coração”. Assim, embora a Lei divina não possa imputar justiça a nenhum homem, não deixa de ser a norma de justiça. Não pode haver justiça alguma que resista à prova da Lei. A Lei de Deus deve pôr seu selo de aprovação sobre todo aquele que entrar no Céu.
Testemunhada pelos profetas – Quando Pedro pregou a Cornélio e sua família sobre Cristo, disse: “Todos os profetas dão testemunho d’Ele de que, por meio de Seu nome, todo aquele que n’Ele crê recebe remissão de pecados”. (Atos 10:43) Os profetas pregaram o mesmo evangelho que os apóstolos (ver I Pedro 1:12). Há somente um fundamento, o qual é “o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. (Efésios 2:20) Esse pensamento nos leva a outro conceito em relação à expressão “testemunhada pela Lei”. Não é que a Lei somente aprove a justiça que se manifesta em Cristo, senão que, além disso, ela a proclama. A parte das Escrituras genericamente conhecida como “a lei”, isto é, os escritos de Moisés prega a Cristo. Moisés foi profeta; assim sendo, testemunhou de Cristo.
“Ele escreveu a Meu respeito”. (João 5:46) O próprio ato de dar a Lei foi em si mesmo uma promessa e uma segurança de Cristo. Analisaremos esse fato no quinto capítulo.
A justiça de Deus: –Embora seja certo que ninguém pode encontrar pretexto para desprezar a Lei de Deus na frase “sem lei, se manifestou a justiça de Deus”, também é certo que aquele que ama essa Lei não deve ter qualquer temor de que a pregação da justiça pela fé possa levar a uma falsa justiça. Há uma salvaguarda contra isso na afirmação de que essa justiça deve ser testemunhada pela Lei, e, sobretudo, pela declaração de que a justiça que se manifesta à parte da Lei é a justiça divina. Ninguém que tenha essa justiça deve temer estar em erro! Buscar o reino de Deus e sua justiça é tudo quanto se requer de nós nesta vida. (Mateus 6:33).
“Pela fé em Jesus Cristo”: –Noutro lugar, Paulo expressa seu desejo de que, ao retornar o Senhor, seja ele achado “n’Ele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé”. (Filipenses 3:9). Encontramos aqui, uma vez mais, “a fé de Cristo”. Mas também é dito acerca dos santos: “Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”. (Apocalipse 14:12). Deus é fiel (I Coríntios 1:9) e Cristo é fiel; “Ele permanece fiel”. (II Timóteo 2:13). Deus dá a cada um uma medida de fé (Romanos 12:3; Efésios 2:8).
Ele nos comunica Sua própria fidelidade, e o faz dando-Se a nós. Assim, não temos de obter a justiça fabricada por nós, mas antes, para fazer o assunto duplamente seguro, o Senhor nos transmite a Si mesmo pela fé, por meio da qual nos apropriamos de Sua justiça. Assim, a fé de Cristo traz a justiça de Deus, porque a posse dessa fé é a retenção de Senhor mesmo. Essa fé é dada a todo homem da mesma forma que Cristo Se deu a Si mesmo por todo homem. Você se pergunta: “Quem sabe o que impede que todo homem seja salvo?” Nada, exceto o fato de que nem todos os homens guardarão a fé. Se cada um guardasse tudo o que Deus lhe concede, todos seriam salvos (“Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”. – II Timóteo 4:7).
Interior e exterior: –A justiça de Deus que é pela fé de Jesus Cristo, é literalmente posta em e sobre todo aquele que crê. A justiça própria do homem, que é pela lei, está somente no exterior (Mateus 23:27 e 28). Porém, Deus quer a verdade no interior (Salmo 51:6). “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração”. (Deuteronômio 6:6) Dessa forma, a promessa do novo pacto é: “Na mente, lhes imprimirei as Minhas leis, também no coração lhas inscreverei”. (Jeremias 31:33) Deus faz porque é impossível ao homem fazê-lo. O máximo que pode fazer o homem é uma exibição falaz da carne para ganhar o aplauso de seus semelhantes. Deus, contrariamente, põe Sua gloriosa justiça no coração.
Porém, Ele faz mais que isso: cobre o homem com ela. “Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça...” (Isaías 61:10) “Porque o Senhor Se agrada do Seu povo e de salvação adorna os humildes.” (Salmo 149:4) Trajados com essa gloriosa veste, que não é meramente uma fachada externa, senão a manifestação do que há no interior, a igreja de Deus pode avançar “formosa como a Lua, pura como o Sol, formidável como um exército com bandeiras...” (Cantares 6:10).

A Justiça da Misericórdia: – Romanos 3:22-26
22 justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção,
23 pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,
24 sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus,
25 a quem Deus propôs, no Seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a Sua justiça, por ter Deus, na Sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos;
26 tendo em vista a manifestação da Sua justiça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.

“Não há diferença”: –Em que não há diferença? Na maneira como os homens recebem justiça. E por que não há diferença na forma de justificar o homem? Porque “todos pecaram”. Quando Pedro referiu aos judeus sua experiência em relação à primeira pregação do evangelho aos gentios, disse: “Ora, Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, concedendo o Espírito Santo a eles, como também a nós nos concedera. E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o coração”. (Atos 15:8 e 9) “Porque de dentro do coração do homem”, e não somente de uma determinada classe de homens, mas deles todos. “Porque de dentro do coração dos homens é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem”. (Marcos 7:21-23) Deus conhece os corações dos homens e sabe que são pecadores por igual, portanto, não faz nenhuma diferença entre uns e outros no que diz respeito ao evangelho.

“De um só...”: –Essa é uma das lições mais importantes que o missionário tem de aprender, seja trabalhando em sua região ou distante dela. Posto que o evangelho se baseia no princípio de que não existe diferença entre os homens, é absolutamente essencial que o obreiro evangélico reconheça o fato e o tenha sempre presente. “De um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da Terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação”. (Atos 17: 26) Não é somente a questão de todos os homens procederem de uma só linhagem, senão que são também uma só carne (I Coríntios 15:39). O objetivo principal da carta aos Romanos, pelo que foi considerado até aqui, é mostrar que no que se refere ao pecado e à salvação, não há absolutamente diferença alguma entre os homens de qualquer raça ou condição. O mesmo evangelho deve ser pregado ao judeu e ao gentio, ao escravo e ao livre, ao príncipe e ao mendigo.

Destituídos: –Literalmente, “carentes da glória de Deus”. Muitos supõem que as faltas não são tão graves quanto os pecados. Dessa maneira, é mais fácil confessar que cometeram faltas do que declarar que pecaram e agiram impiamente. Porém, visto que Deus requer perfeição, é evidente que as “faltas” são pecados. Resulta mais apresentável dizer a um contador que foram encontradas falhas em suas contas, porém entendemos que isso significa que o profissional se apropriou daquilo que não é seu, isto é, andou roubando. Quando a norma é a perfeição, pouco importa que se tenha faltado pouco ou muito, contanto que tenha havido falta. O significado primário de pecado é “errar o alvo”. E numa competição de tiro ao alvo, aquele que não teve habilidade de acertar na “mosca”, embora sua intenção fosse correta, é um perdedor tão certamente como o que faz um lançamento com bastante desvio.

“A glória de Deus”: –O texto nos mostra que a glória de Deus é Sua justiça. Veja que a razão por que todos estão destituídos da glória de Deus é todos terem pecado. Está claro que, se não houvessem pecado, não teriam sido dela privados. Estar faltos da glória de Deus consiste no mesmo que estar em pecado. No princípio, o homem fora coroado de “glória e de honra” (Hebreus 2:7), porque era reto. Ao cair, perdeu a glória; portanto, deve agora buscar “glória, honra e imortalidade”. Cristo pôde dizer ao Pai: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado...” (João 17:22), uma vez que nEle está a justiça de Deus concedida ao homem como um dom gratuito. Receber a justiça é coisa de sábios, e “os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento”. (Daniel 12:3).

“Sendo justificados”: –Em outras palavras, feitos justos. Justificar significa tornar justo. Deus provê precisamente aquilo de que o pecador necessita. Nunca se esqueça o que a justificação simplesmente significa. Alguns supõem que o cristão pode ocupar uma posição muito mais elevada que a de ser justificado. Isto é, que alguém pode estar numa condição superior à de trajar a veste interior e exterior da justiça de Deus. Porém, isso não é possível.

“Gratuitamente”: –“E quem quiser receba de graça a água da vida.” Ou, tome-a como um dom. Assim, em Isaías 55:1, lemos: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite”.
Foi a carta aos Romanos que propiciou a reforma na Alemanha. Ensinava-se, então, as pessoas a crerem que a forma de obter justiça era comprá-la, seja mediante trabalho duro ou pagamento em dinheiro. A idéia de que a justiça poderia ser adquirida por dinheiro não é hoje tão popular como na época, porém muitos não católicos crêem mesmo ser necessário produzir alguma obra a fim de obtê-la.
Quando a oração se torna uma obra – Certo dia eu estava conversando com um homem com respeito à justiça como dom gratuito de Deus. Meu interlocutor defendia a idéia de que não podemos obter nada do Senhor sem fazer algo em troca. Quando lhe perguntei o que ele achava devíamos fazer para ganhar o perdão dos pecados, respondeu que temos de orar por ele.
Com esse conceito de oração que os [católicos] romanos e os hindus devotos “pronunciam” tantas orações diariamente, acrescentando algumas extras de vez em quando, para ficar cobertos ante possíveis omissões. Porém, aquele que profere uma oração, não ora em realidade. A oração pagã, tal como ilustra o episódio dos profetas de Baal dando saltos e se ferindo (I Reis 18:26-28), é uma obra; embora a verdadeira oração não o seja. Se alguém vem a mim e me diz que está morrendo de fome, e eu lhe dou algum alimento, o que lhe parece se ao referir posteriormente esse ato, diz-se que eu o mandei fazer algo para obter a comida? Qual foi sua obra? Pedi-la? Será que alguém poderia pensar que realmente ele obteve o alimento pelo trabalho de pedi-lo? A verdadeira oração é a aceitação agradecida dos dons gratuitos de Deus.

Redenção em Jesus Cristo: –Tornamo-nos justos “pela redenção que há em Cristo Jesus”, vale dizer, pelo poder de resgate que há em Jesus Cristo. Ou, como diz Efésios 3:8, pelas “insondáveis riquezas de Cristo”. Essa é a razão pela qual a recebemos como um dom.
Alguém poderá dizer que a vida eterna no reino de Deus é algo demasiado grande para nos ser dada assim. Mas é assim, com efeito, e como conseqüência, devemos comprá-la, porém visto que não temos como pagá-la, Cristo a adquiriu para nós e no-la dá gratuitamente em Si mesmo. No entanto, tivéssemos nós que comprá-la d’Ele, então seria o mesmo de a adquirirmos diretamente por nós mesmos, prescindindo d’Ele (poupando-Lhe o trabalho). “... Se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão”. (Gálatas 2:21) “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo.” (I Pedro 1:18 e 19) O sangue é a vida (Levíticos 17:11-17), Portanto, a redenção que há em Cristo Jesus é Sua própria vida.

Proposto por Deus: –A propiciação é um sacrifício. Declara-se com a maior clareza que Cristo foi estabelecido como sacrifício para a remissão de nossos pecados. “... Se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de Si mesmo, o pecado”. (Hebreus 9:26) Desde logo, a noção de sacrifício ou propiciação implica na necessidade de apaziguar uma ira ou inimizade existente. Nós é que necessitamos do sacrifício e não Deus. Ele o provê. A noção de que é preciso propiciar a ira de Deus a fim de sermos perdoados, não tem cabimento na Bíblia.
Constitui-se o cúmulo do absurdo supor que Deus está tão irado com os homens, que não os perdoará a menos que se proveja algo que apazigúe Sua ira, e então oferece o dom de Si mesmo (!) para atingir essa finalidade. “E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da Sua carne, mediante a Sua morte...” (Colossenses 1:21, 22).

Propiciação pagã e propiciação cristã: – A idéia cristã de propiciação é a que já temos expressado. A noção pagã, demasiado amiúde também mantida por cristãos professos, consiste fundamentalmente numa chantagem a seus deuses com a finalidade de lograr seu favor. Se os pagãos pensavam que seus deuses estavam muito enfadados deles, então ofereciam maiores sacrifícios até chegar ao extremo de imolações humanas. Pensavam o mesmo que os adoradores de Siva, na Índia, cogitam hoje, que seu deus se agradava com visões de sangue. A perseguição que teve lugar em tempos passados – e até certo ponto hoje também – em países considerados cristãos, não é mais que o fruto dessa noção pagã de propiciação. Os dirigentes eclesiásticos supõem que a salvação é pelas obras, e que mediante elas pode o homem expiar o pecado, de forma que oferecem a pessoa que eles crêem estar em rebeldia contra seu deus. Não ao verdadeiro Deus, a quem esses sacrifícios não satisfazem.

A justiça manifestada: – Manifestar ou declarar a justiça é pronunciá-la. Deus fala justiça ao homem e esse é justo. É o mesmo método empregado na criação. “Ele falou e tudo se fez”. “Pois somos feitura dEle, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2:10).

A justiça de Deus na redenção: –Cristo ficou estabelecido para declarar a justiça de Deus para remissão dos pecados, a fim de poder ser justo e ao mesmo tempo justificador daquele que crê em Jesus. Deus justifica pecadores, já que são os únicos necessitados de justificação. A justiça de declarar justo a alguém que é pecador jaz no fato de que ele é realmente feito justo. Quando Deus declara algo, assim é. É feito justo pela vida de Deus a ele é dada em Cristo.
O pecado é contrário a Deus e se Ele está disposto a perdoá-lo, tem todo o direito de fazê-lo. Nenhum incrédulo negaria a alguém o direito de não ter em conta a ofensa que outro lhe haja dirigido. Porém Deus não passa simplesmente a ofensa por alto, senão que dá a Sua própria vida como penhor. Desse modo, exalta a majestade da Lei e fica justificado ao declarar justo ao homem que antes era um pecador. Remite-se, quita-se o pecado do ofensor, já que pecado e justiça não podem coexistir, e Deus põe Sua própria vida justa no crente. Deus é, pois, misericordioso em Sua justiça, e justo em Sua misericórdia.
Salmos 97:2: “Nuvens e escuridão O rodeiam, justiça e juízo são a base do Seu trono”.
Chegamos agora ao final do terceiro capítulo de Romanos. Vemos que a justiça é um dom gratuito de Deus a todo aquele que crê. Não é que Deus confira justiça ao homem como recompensa por crer ele em certos dogmas; O evangelho é algo absolutamente distinto disso. Sucede que a verdadeira fé tem a Cristo como seu único objeto, e traz realmente a vida de Cristo ao coração; portanto, também tem de trazer Sua justiça.
Esse ato de misericórdia da parte de Deus é eminentemente justo, já que o pecado é, em primeiro lugar, dirigido contra Deus, que está em Seu pleno direito de não ter em conta as ofensas contra Si. Ademais, é justo, visto que dá Sua própria vida como expiação pelo pecado, de maneira que a majestade da Lei não é simplesmente mantida, senão magnificada. “Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram”. (Salmo 85:10). Deus é justo e justificador daquele que crê em Cristo. Toda justiça procede somente dEle.

Estabelecendo a Lei: – Romanos 3:27-31
27 Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé.
28 Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.
29 É, porventura, Deus somente dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios,
30 visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso.
31 Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei.
A jactância é excluída: –Visto que a justiça é um dom gratuito de Deus mediante Jesus Cristo, é evidente que ninguém sensato pode vangloriar-se de qualquer justiça em si mesmo. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”. (Efésios 2:8 e 9) “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (I Cor. 4:7).

A que a jactância demonstra: –“Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé”. (Habacuque 2:4) Como se vê, o orgulho é evidência de um coração pecaminoso. Suponhamos, não obstante, que alguém se orgulha de sua justiça, como por exemplo, quando diz que viveu tantos anos sem pecar. O que diz a Bíblia? “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”. (I João 1:8).
Ora, acaso a graça e o poder de Deus manifestados em Cristo não nos limpam do pecado e dele nos guardam? Efetivamente sim. Porém, somente quando em humildade nos reconhecemos pecadores. “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. (I João 1:9) Se dissermos que não temos pecado, a própria declaração mostra que o temos; porém, quando com fé na palavra do Senhor reconhecemos que somos pecadores, então o sangue de Cristo nos purifica de todo pecado. No plano da salvação não há lugar para o orgulho e a bazófia humana.

No Céu não há jactância: –O resultado da jactância no Céu é vista no caso de Satanás. Ele foi, em seus dias, um dos querubins cobridores do trono de Deus. Porém, começou a fixar sua atenção na própria glória e bondade, tendo como conseqüência a própria queda.
“Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te lançarei profanado fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura; corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor”. (Ezequiel 28:16 e 17) Se os santos, após sua transladação, começassem a orgulhar-se de sua impecabilidade, tornar-se-iam tão ímpios como anteriormente. Entretanto, isso jamais sucederá. Todos quantos forem admitidos no Céu terão aprendido plenamente a lição de que Deus é tudo em todos. Nem uma só voz, nem um coração, guardarão silencia no cântico de louvor: “Àquele que nos ama, e, pelo Seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o Seu Deus e Pai, a Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (Apocalipse 1:5 e 6).

A lei das obras: –A lei das obras não exclui a vanglória. Se o homem fosse justificado pelas obras, teria de orgulhar-se sobre outro que, tendo idêntico privilégio, não o exercesse. Nesse caso, o justo poderia gabar-se sobre o ímpio, e as pessoas estariam continuamente se comparando umas com as outras para ver quem fez melhor. A lei das obras é somente a forma dos Dez Mandamentos. A conformidade com a lei das obras permite a alguém parecer exteriormente um justo, enquanto que o interior está cheio de corrupção. Porém, aquele que se apega à lei das obras não é sempre, necessariamente, um hipócrita. Pode ele possuir o ardente desejo de guardar os mandamentos, enquanto se engana ao pensar que os pode obedecer por si mesmo.

A lei da fé: –Essa tem o mesmo objetivo da lei das obras, isto é, a obediência aos mandamentos de Deus, contudo o resultado é diferente. A lei das obras engana o homem com uma forma; a lei da fé proporciona-lhe a substância. A lei da fé é a lei “tal qual é em Jesus”. A lei das obras pode ser gerada pelo sincero desejo de guardar a lei; a lei da fé é o cumprimento real de tal anelo, mediante a redenção que há em Cristo Jesus.
Os Dez Mandamentos, tais como o Senhor os dá, são uma lei de fé, posto que nunca foi Seu desejo que fossem vistos de outro modo. Deus nunca esperou que alguém pudesse obter justiça a partir deles, de outro modo que não fosse pela fé. A lei das obras é a perversão humana da lei de Deus.
Fé sem obras: –“Concluímos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei”. Não há outra maneira de o homem ser justificado! Já vimos como todos os homens são pecadores e que ninguém tem em si mesmo poder para obedecer à lei, por mais ardentes que sejam seus desejos. “Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados”. (Romanos 2:13).
Porém, “... ninguém será justificado diante d’Ele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”. (Romanos 3:20). Portanto, todo o que é justificado ou feito justo, há de sê-lo somente pela fé, totalmente à parte das obras da lei. E isso é de aplicação universal. Significa que a justificação, no princípio e no final e durante todo o processo, é somente pela fé. O cristão não pode ser mais justificado das obras más do que o pecador. Nenhum homem há que possa chegar a ser tão bom e tão forte que suas próprias obras o justifiquem.

Fé e obras: –Porém, isso não é o mesmo que dizer que as obras nada têm a ver com a fé. Justificar significar tornar justo ou reto. A justiça é a prática do bem. A fé que justifica, por conseguinte, é a fé que torna o homem um guardador da lei, ou melhor, que coloca nele o ser um observador da lei. “Pois somos feitura d’Ele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2:10) “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade”. (Filipenses 2:13). “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras”. (Tito 3:8) O homem não é justificado pela fé e pelas obras, senão somente pela fé. Pela fé que opera.

Um Deus para todos: –“... Um só Deus e Pai de todos” (Efésios 4:6). “D um só fez toda a raça humana...” (Atos 17:26). “Porque para com Deus não há acepção de pessoas”. (Romanos 2:11). “Pelo contrário, em qualquer nação, aquele que O teme e faz o que é justo lhe é aceitável”. (Atos 10:35). “Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nEle crê não será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que O invocam”. (Romanos 10:11 e 12).

Um meio de justificação para todos: –O fato de a justificação ser somente pela fé, e de que Deus agora “notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam”. (Atos 17:30) mostra que Ele considera iguais judeus e gentios. Não há qualquer evidência de que jamais houvesse feito diferença entre eles. Um crente gentio foi sempre contado como justo, e um judeu descrente nunca foi tido pelo Senhor como nada melhor que qualquer outro incrédulo. Lembre-se de que Abraão, o pai da nação judaica, era caldeu. Os judeus eram aparentados com os caldeus que permaneceram em sua terra natal, tão certamente como com aqueles que estavam em Canaã com eles. Infelizmente o esqueceram. Porém, os judeus não são os únicos no mundo que se esqueceram de que todos os homens são seus irmãos.

Em Romanos 3:30 lemos: “...Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso”. A palavra-chave é “fé”. Por meio ou através dela, são justificados uns e outros.

Anulando a lei: –Anular ou “desfazer” a lei não significa aboli-la. Nunca se questiona a perpetuidade da lei. É ela tão evidentemente eterna que o apóstolo Paulo jamais gasta tempo em argüir a esse respeito. A questão jaz unicamente na maneira de cumprir suas exigências. O Salvador disse que os judeus invalidavam o mandamento de Deus por causa de suas tradições. No que se referia a eles, anulavam a lei. Não há homem algum que possa, mediação qualquer ação, ou falta dela, abolir ou afetar no mínimo que seja a lei de Deus. A pergunta, por conseguinte, é: Deixamos sem efeito a lei de Deus devido à nossa fé? Ou, de outra maneira: A fé leva à transgressão da Lei? A resposta é: “De modo algum”.
Estabelecendo a lei – Aqui se aplica o que foi dito a propósito de anular a lei de Deus. Isto é, o homem nada pode fazer por converter a lei em algo diferente do que ela realmente é. Ela é o fundamento do trono de Deus e, como tal, subsistirá para sempre, apesar dos demônios e dos homens.
Porém a nós cabe decidir se será rejeitada em nossos corações ou neles se estabelecerá. Se escolhermos a segunda opção. Basta aceitarmos a Cristo pela fé. A fé traz Jesus para morar no coração (Efésios 3:17). A lei de Deus está no coração de Cristo (Salmo 40:8), portanto, a fé que traz a Cristo ao coração também a estabelece aí. E uma vez que a lei de Deus é o fundamente de Seu trono, a fé que a coloca no coração firma nele o trono de Deus. Eis como Deus trabalha no homem. “... Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade”.