CARTA AOS ROMANOS
Por Ellet J. Waggoner
Um dos dois mensageiros
de 1888
Tradução e Edição
César L. Pagani
Capítulo 13
O Crente e os Governos
Terrestres
1 Todo homem esteja
sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de
Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.
2 De modo que aquele que
se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão
sobre si mesmos condenação.
3 Porque os magistrados
não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu
não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
4 visto que a autoridade
é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não
é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para
castigar o que pratica o mal.
5 É necessário que lhe
estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por
dever de consciência.
6 Por esse motivo,
também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente,
a este serviço.
7 Pagai a todos o que
lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem
respeito, respeito; a quem honra, honra.
8 A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos
ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei.
9 Pois isto: Não
adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro
mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
10 O amor não pratica o
mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor.
11 E digo isto a vós
outros que conheceis o tempo: já é hora de vos despertardes do sono; porque a
nossa salvação está, agora, mais perto do que quando no princípio cremos.
12 Vai alta a noite, e
vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das
armas da luz.
13 Andemos dignamente,
como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e
dissoluções, não em contendas e ciúmes;
14 mas revesti-vos do
Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas
concupiscências.
Chegamos ao segundo dos
capítulos de caráter puramente exortativo. Ele contém material da mais alta
importância; porém, costuma ser a seção
do livro a que se costuma dar pouca atenção.
A quem se dirige?: –Quiçá seja interessante recordar aqui que a epístola é dirigida
a professos seguidores de Jesus. “Se, porém, tu, que tens por sobrenome judeu,
e repousas na lei, e te glorias em Deus; que conheces a sua vontade e aprovas
as coisas excelentes, sendo instruído na lei...” (Romanos 2:17 e 18)
“Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei)...” (Romanos
7:1). A última parte do capítulo volta a pôr a questão em destaque.
Portanto, é erro supor
que esse capítulo tenha por objetivo estabelecer obrigações dos governantes
terrenos, o que pretenderia ser um tratado sobre a forma correta de governar,
assim como tampouco é instruir quanto à relação que deviam manter a igreja e
Estado. Posto que a epístola se dirige a cristãos professos, é evidente que
tinha como objetivo dizer-lhes como se comportar em relação às autoridades
civis, sob cuja tutela viviam.
Deus, a origem de todo poder: –“Uma vez falou Deus,
duas vezes ouvi isto: Que o poder pertence a Deus”. (Salmo 62:11) “Não há
potestade que não proceda de Deus”. Isso é absolutamente certo; não há
exceções. O poder romano, inclusive nos dias do famigerado e cruel Nero,
derivava do poder de Deus, tanto como o dos judeus nos dias de Davi. Quando
Pilatos disse a Cristo que tinha poder para crucificá-Lo ou para libertá-lo,
Jesus replicou: “Nenhuma autoridade terias sobre Mim, se de cima não te fosse
dada...” (João 19:11) Não obstante, esse fato em nada implica que as ações
desse poder sejam devidas ao Senhor ou contem com a aprovação divina. Considerando os indivíduos, isso se torna
mais claro. Todo poder humano provém de Deus. É tão certo para os pagãos como
para os cristãos, que “n’Ele vivemos, e nos movemos, e existimos... porque
d’Ele também somos geração”. Pode-se dizer com veracidade que os indivíduos e
também os governos, são ordenados ou estabelecidos por Deus. Ele tem um plano
para a vida de cada um.
No entanto, isso não
torna Deus responsável pelas ações do homem, porque esse dispõe de liberdade
para agir segundo sua própria escolha. É
o homem quem se rebela contra o plano de Deus e perverte Seus dons. O poder com
que o escarnecedor blasfema de Deus procede d’Ele, tão certamente como o poder
com que o cristão O serve. Porém, ninguém suporá que Deus aprove a blasfêmia.
De igual forma, não podemos admitir que Deus aprove necessariamente os atos dos
governos terrestres, pelo simples fato de terem sido ordenados por Ele.
Instituídas (estabelecidas): –Ninguém entenda que essa expressão implique
necessariamente na concessão de algum poder espiritual. Ela significa
simplesmente estabelecida ou assinalada. Em Atos 28:23 encontramos novamente o
termo grego, a partir do qual se traduziu marcado: “Havendo-lhe eles marcado um
dia, vieram em grande número ao encontro de Paulo na sua própria residência...”
Os judeus de Roma estavam de acordo em marcar um dia determinado para que Paulo
lhes falasse do evangelho. Pode-se dizer que haviam estabelecido ou marcado um
dia para o encontro com o apóstolo.
Deus é sobre todos: –As “potestades superiores” não estão acima do Altíssimo. “Porque
dEle é a sabedoria e o poder; é Ele quem muda o tempo e as estações, remove
reis e estabelece reis...” (Dan. 2:20 e 21) Ele colocou a Nabucodonosor,
soberano de Babilônia, como rei sobre todos os domínios da Terra (Jeremias
27:5-8; Daniel 2:37 e 38). Porém, quando Nabucodonosor atribuiu-se o poder
divino, foi lançado entre os animais do campo, a fim de reconhecer que “o
Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer”. (Daniel
4:32).
Resistindo a Deus: –Visto que somente em Deus há poder, “de modo que aquele que se
opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre
si mesmos condenação”. Há aqui uma advertência contra a rebelião e a
insubordinação. Deus é quem coloca e retira os reis. Portanto, quem pretende
destronar um rei está tentando usurpar a prerrogativa que só a Deus pertence. É
como se soubesse melhor do que Deus o momento em que um governo deve ser
mudado. A menos que possa demonstrar a existência de uma revelação direta do
Céu, que o invista de uma obra tal, quem se levanta contra um governo terreno
está tomando posição contra Deus, e procurando transgredir um mandamento por
Ele dado. Está-se colocando adiante do Senhor.
Resistir ou derribar: –O ato de resistir à autoridade civil está no mesmo nível de
procurar sua queda. Quem se opõe pela força a um poder, derrotá-lo-ia se para
isso dispusesse de meios. Os seguidores de Cristo são proibidos terminantemente
de fazer tal coisa.
O exemplo de Jesus: –Cristo padeceu “deixando-vos exemplo para seguirdes os Seus
passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em Sua boca”. (I
Pedro 2:21 e 22). É bom lembrar que Jesus foi condenado sob acusação política e
por motivos políticos; porém, não ofereceu resistência apesar de dispor de
poder para fazer isso (Ver João 18:5-11; Mateus 26:51-53). Pode-se acrescentar
que Cristo sabia que havia chegado Sua hora. Tampouco em ocasiões anteriores
levantou oposição. Encomendava-Se continuamente ao cuidado do Pai. Ele é o
exemplo de Seus seguidores. Se você,
amado leitor, se colocar sob o cuidado divino,
não sofrerá opressão e indignidade que Ele não saiba ou permita; não é
possível que você sofra dano algum antes de haver chegado sua hora. É mais
fácil fazer profissão de fé em Cristo, do que demonstrar verdadeira fé seguindo
Seu exemplo.
Outro exemplo relevante: –Saul havia sido ungido rei de Israel por
ordem divina. Foi rejeitado posteriormente devido a seu curso de ação
inconseqüente. Então, Davi foi ungido em seu lugar. A ascensão de Davi
despertou ciúmes em Saul, que tentou contra sua vida. Davi não lhe ofereceu
resistência, mas fugiu de sua presença. Em mais de uma vez Saul ficou exposto a
Davi, porém, nem sequer por um momento ele levantou sua mão contra o rei. Se é
que há algum pretexto para se opor a um governante, Davi certamente o tinha.
Em primeiro lugar, se
Davi houvesse tirado partido das circunstâncias, não teria feito mais do que se
conhece como “agir em legítima defesa”. Em segundo lugar, ele já havia recebido
a unção real para substituir Saul. Contudo, quando um companheiro seu lhe pediu
autorização para matar Saul, ele replicou: “Não o mates, pois quem haverá que
estenda a mão contra o ungido do Senhor e fique inocente?... Tão certo como
vive o Senhor, Este o ferirá, ou o seu dia chegará em que morra, ou em que,
descendo à batalha, seja morto.
O Senhor me guarde de
que eu estenda a mão contra o Seu ungido...” (I Samuel 26:9-11) Mas Saul era um
homem ímpio, que havia dado de mão a toda fidelidade a Deus, e já não era mais
idôneo para governar.
Sujeitos a Deus: –As
Escrituras Sagradas nos ordenam estar sujeitos aos poderes constituídos, porém
jamais autoriza a desobediência a Deus. O Senhor jamais permitiu que poder
algum se situe acima dEle. Seria o cúmulo da loucura pretender inferir, a
partir deste capítulo, que é dever dos cristãos obedecer às leis humanas quanto
essas se achem em conflito com a lei de Deus. Ele não é indulgente com o
pecado, e muito menos nos mandaria pecar! Não devemos ser sujeitos aos poderes
porque suplantam a Deus, mas porque estamos sujeitos a Deus. “E tudo o que
fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando
por Ele graças a Deus Pai”. (Colossenses 3:17)
Sujeição e obediência: –Por
sujeição costumamos entender obediência. Quando lemos que Jesus era sujeito a
Seus pais, entendemos que os obedecia. Assim, quando somos exortados a estar
sujeitos às potestades, a conclusão natural é que devemos render obediência às
leis. Porém, jamais deveríamos nos esquecer de que Deus está acima de todos, e
que tanto o poder individual como o nacional provêm dEle, de forma que Deus
possui o direito do serviço indivisível de cada alma. Sempre é nossa obrigação
obedecer a Deus e sempre devemos estar sujeitos às potestades humanas, porém
apenas até onde essa sujeição não implique em desobediência a Deus.
Não podemos servir a dois senhores – “Ninguém pode servir a dois
senhores... não podeis servir a Deus e a Mamom”. A razão é que Deus e Mamom
apresentam requerimentos opostos. Todos sabem que com certa freqüência tem
havido leis humanas em conflito com os mandamentos de Deus. Nos dias da
escravatura, promulgou-se na América, em certa ocasião, uma lei que requeria
que todos fizessem o que estivesse ao seu alcance para devolver os escravos
fugitivos a seus senhores. Porém, a Palavra de Deus dizia: “Não entregarás ao
seu senhor o escravo que, tendo fugido dele, se acolher a ti”. (Deuteronômio
23:15) Nessa ocasião era impossível obedecer a lei terrena sem desobedecer a
Deus; e a obediência a Deus tornava absolutamente necessário desobedecer à lei
humana. As pessoas eram obrigadas a fazer sua escolha sobre quem iriam servir.
O cristão não pode vacilar um só momento em sua escolha. A lei que
contraria a lei de Deus nada é. “Não há sabedoria, nem inteligência, nem mesmo
conselho contra o Senhor”. (Provérbios 21:30).
"Toda instituição humana": -Alguém poderia mencionar
I Pedro 2:13 como evidência contra o
supracitado. Ali lemos: "Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa
do Senhor, quer seja ao rei, como soberano”. Outros dirão que deveríamos estar
sujeitos a toda instituição, exceto quando essa se opuser à lei de Deus. Porém,
não há ai nenhuma exceção, nem é necessário que haja. O texto em nenhum caso
ensina que seja obrigatório obedecer a leis humanas que contradizem a lei de
Deus.
O problema se origina na
confusão do termo "instituição". Normalmente se considera que
significa lei ou ordenança, mas uma leitura cuidadosa demonstrará o erro de tal
suposição. Leiamos cuidadosamente os versos de I Pedro 2:13 e 14:
"Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor...” Quais são
essas instituições ou ordenações a que
devemos estar sujeitos? “Quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades,
como enviadas por Ele...” É evidente que o texto nada diz com respeito a leis,
mas só com respeito a autoridades ou governadores. A exortação harmoniza-se
perfeitamente com a do capítulo 13 de Romanos.
“Sujeitos, embora
desobedientes?” - Ao continuar a leitura do capítulo 13, tem-se a comprovação
de que a sujeição para a qual somos
exortados não inclui a obediência a leis ímpias. “Tratai todos com honra, amai
os irmãos, temei a Deus, honrai o rei”. Devemos estar sujeitos à autoridade
legítima, seja ela amável ou rude, no exercício de seu mister. Continuamos
lendo: "Porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo
injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus”. (I Pedro 2:17-19).
Pois bem, ninguém pode sofrer aborrecimentos
injustamente por causa de sua
consciência perante Deus, a menos que seja forçado a desobedecer alguma ordem
contrária à ordem divina. Essa observação, feita imediatamente após a exortação
para sujeição às autoridades, mostra claramente que a desobediência é vista
como uma possibilidade, quando os que exercem autoridade não são
"bons" nem "afáveis" (no que tange à sua consciência
perante o Senhor). A idéia é reforçada ao ser apresentado o exemplo de Cristo,
que sofreu injustamente sem opor resistência. “Ele foi oprimido e humilhado,
mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha
muda perante os Seus tosquiadores, Ele não abriu a boca.” (Isaías 53:7).
Foi condenado por Sua
lealdade à verdade. Ele não comprometeu, no mínimo que fosse, essa fidelidade,
porém, sujeitou-se à autoridade dos dirigentes. Disse o apóstolo que ao agir
Ele assim, deixou-nos um exemplo para que seguíssemos Suas pegadas.
O cristão e as autoridades civis: –"Pois a nossa
pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo”.
(Filipenses 3:20). Aqueles que por meio de Cristo têm acesso por um mesmo
Espírito ao Pai, já não são “estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus”. (Efésios 2:19). Preocupe-se cada com os assuntos de seu próprio país, não
com os de outro. Se um americano fosse para a Inglaterra e pretendesse dar
aulas ao Parlamento quanto à maneira de governar, ou se um inglês achasse por
bem viajar para a América a fim de aconselhar às autoridades locais, isso seria
considerado como o cúmulo da impertinência. Se começasse a interferir ativamente na vida pública ou
nos assuntos oficiais, logo ele cientificado da impropriedade de sua atitude.
Teria que se naturalizar antes de poder
falar e agir em pleno direito. Mas se isso fizesse, no caso de regressar ao
país ao qual professou fidelidade anteriormente, deveria se abster de opinar e
ser discreto. Ninguém pode imiscuir-se de forma ativa nos assuntos de dois
governos distintos.
Essa aplicação cabe nas
questões do governo celestial em relação aos da Terra, tanto como aos governos
da terra uns para com os outros. Aquele cuja cidadania está nos céus, nada lhe
diz respeito quanto aos assuntos dos
governos terrestres. Deveria declinar em favor desses que reconhecem a Terra
como sua casa. Se os líderes terrestres tentarem regular os assuntos relativos
ao reino de Deus, tornam-se réus de presunção flagrante, para dizer o menos.
Porém, se é certo que não deveriam pretender tratar dos assuntos do reino dos
céus, muito menos os cidadãos desse reino deverão interferir nos assuntos dos
reinos deste mundo (Nota: no contexto da proeminente implicação de Waggoner em
defesa da liberdade religiosa de seus dias, o sentido aqui se prende à
atividade política por parte da igreja que, segundo sua firme convicção,
deveria permanecer separada do Estado. O autor jamais se opôs ao serviço de um
cristão como fiel colaborador, enquanto cidadão individual, no exercício do
voto, etc).
Converter a Terra no Céu
– Não poucos cristãos e também ministros do evangelho, tentam justificar seu
envolvimento na política dizendo ser seu dever transformar a Terra em Céu. Em recente campanha,
ouvimos muito com respeito à “regeneração de Londres, e fazer de Londres a
cidade de Deus”. Uma linguagem como essa denota falta de compreensão manifesta
quanto ao que é o evangelho: "O
poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. (Romanos 1:16).
A regeneração só
acontece por meio da obra do Espírito Santo nos corações individuais, e escapa
ao controle do homem. Os reinos deste mundo virão a ser de Cristo, mas só
"o zelo do Senhor dos Exércitos fará isso”. (Apocalipse 11:15; Isaías
9:7). Haverá uma nova terra na qual somente a justiça poderá habitar, porém
isso acontecerá somente depois da vinda do dia do Senhor, no qual os elementos
ardendo se desfarão e os ímpios forem destruídos pelo fogo (II Pedro 3:10-13).
Não acontecerá como fruto de qualquer ação política, a despeito de quantos ministros do evangelho detiverem cargos
políticos. O ministro do evangelho tem como única comissão pregar a Palavra.
Não há outro modo no mundo pelo qual os homens se tornam melhores. Então, o
ministro que deriva a atenção para a política, está negando sua vocação.
Mantendo a paz: –Devemos sujeitar-nos aos governos terrestres por causa da
consciência; e por essa mesma causa pagar nossos impostos e cumprir todo dever
que nos seja imposto. Os impostos podem ser pesados e até mesmo injustos, mas
isso nunca justifica a rebelião. O apóstolo Tiago se dirige aos ricos que
oprimem os pobres e sua linguagem se aplica com a mesma propriedade tanto ao
exercício de cargo público como à vida privada. Diz-lhes: “Tendes vivido
regaladamente sobre a terra; tendes vivido nos prazeres; tendes engordado o
vosso coração, em dia de matança; tendes condenado e matado o justo, sem que
ele vos faça resistência”. (Tiago 5:5 e 6).
Veja isto: o justo não
opõe resistência. E por que não? Por causa da exortação: "Se possível,
quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós
mesmos, amados, mas dai lugar à ira; {ira; de Deus, subentendido} porque está
escrito: A Mim Me pertence a vingança; Eu é que retribuirei, diz o Senhor”.
(Romanos 12:18 e 19) Como súditos do Rei da paz e cidadãos de Seu reino,
estamos obrigados a viver em paz com todos os homens. Portanto, não devemos
contender, nem sequer em defesa própria. Cristo, o Príncipe de paz, é nosso
exemplo.
Quem deve temer?: –Só os obradores da maldade temem seus governantes. Os que
procedem bem não têm qualquer temor. Não é porque todos os governantes sejam
bons, pois sabemos que muitos não o são. O vasto império romano se estendia por
todo o mundo, e quem governava os romanos nos dias de Paulo era o rei mais vil
e cruel de todos quantos se assentaram sobre o trono de Roma. Nero mandou
trucidar pessoas pelo mero prazer de ordenar sua morte. Ela infundia terror nos
corações dos homens. Porém o cristão
podia viver em calma, pois havia posto sua confiança em Deus. “Eis que
Deus é a minha salvação; confiarei e não temerei...” (Isaías 12:2)
O dever do homem: –“A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que
vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei”. “O amor
não faz mal ao próximo; de forma que o cumprimento da lei é o amor”. "...
O amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a
Deus”. “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os Seus mandamentos...” (I
João 5:3) Temer a Deus e guardar os Seus mandamentos é o dever de todo homem
(Eclesiastes 12:13).
Se ele ama de coração a
seu próximo, é porque ama também a Deus; e visto que amor é guardar os Seus
mandamentos, é evidente que o apóstolo resume nessa exortação todo o dever do
homem. Aquele que lhes dá ouvidos nunca fará algo que possa ser condenado pelas
autoridades com justiça, mesmo que desconheça suas leis. Se você cumpre a lei
de amor, nunca causará problemas às potestades estabelecidas. Mesmos que essas o oprimam, não estarão em
realidade lutando contra você, mas contra o Rei a quem você serve.
Para os cristãos; não
para as “potestades”. – Algumas pessoas supõem que os versículos 8-10 definem
os limites da autoridade civil, autorizando o homem a legislar em tudo quanto
diga respeito “à segunda tábua da lei”, porém não em relação à primeira. Há
dois fatos que mostram a falácia de tal suposição: (1) a carta não é dirigida a
governantes, mas a cristãos individuais, como um manual de conduta particular.
Se estivesse se tratando dos deveres dos governantes, ela seria destinada a
esses e não aos irmãos. (2) “A lei é espiritual”, portanto, nenhuma de suas
partes está sob o poder da legislação humana. Considere o mandamento “não
cobiçarás”. Nenhum poder humano pode obrigar seu cumprimento nem determinar
quando pode ser violado. E certamente esse mandamento não é mais espiritual que
os outros nove. A linguagem usada é mais apropriada para os irmãos e se resume
em: Vivam com amor e não prejudiquem a ninguém, nem tenham motivos para temer
autoridade alguma.
O fim se aproxima: -O restante do capítulo é dedicado a exortações que não necessitam
de comentários. Sua ênfase especial deriva do fato de que "o fim de todas
as coisas está próximo". Portanto, deveríamos ser sóbrios e vigiar em oração. Embora
vivendo na noite, quando as trevas cobrem a terra (Isaías 60:2), os cristãos
são filhos da luz e do dia, tendo abandonado as obras das trevas.
Revestidos de Cristo: –Os que estão revestidos do Senhor Jesus Cristo deixaram de se
exibir. Somente Cristo surge à vista. Fazer provisão para os desejos da carne é
a última coisa que precisamos, uma vez que a carne sempre procura satisfazer
seus maus desejos. O que o cristão precisa é vigiar melhor para que a carne não
manifeste sua própria força e assuma o controle. Só em Cristo é possível
sujeitar a carne. O que está crucificado
com Cristo pode dizer: "Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne,
vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim.”
(Gálatas 2:29 e 20) E nesse caso, ele se comportará como Cristo em relação aos
governantes e pessoas, "porque como Ele é, também nós o somos mundo”.
(Na sessão da Associação
Geral de 1891, E.J. Waggoner fez os seguintes comentários sobre o capítulo 13
de Romanos, segundo estão registrados no correspondente Bulletin. Sem dúvida,
eles promoverão melhor compreensão de sua mensagem.)
Até onde é possível ao
cristão viver em paz com todos os homens? Até onde isso dependa dele.
Certamente ele está morto para o pecado, mas vivo para Cristo. Cristo mora em seu
coração pela fé, e Ele é o Príncipe de paz. Então, não existe circunstância
alguma na qual o cristão tenha justificativa para perder o controle e declarar
guerra, seja contra uma pessoa ou contra um governo...
Em Gálatas 5:18 lemos
que "se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei”. As obras da
carne são feitas por aqueles que estão sob a lei, e entre aquelas enumeradas
nessa lista encontramos as “contendas”. Por conseguinte, visto que o cristão
não se encontra na carne, não pode envolver-se em contendas. A guerra
nunca pode ocorrer em nós, portanto, tanto quando dependa de nós, sempre haverá paz.
Mas, se aqueles com quem
nos relacionamos endurecem seu coração contra a verdade de Deus, não sendo por
ela alcançados, provocarão um conflito, porém unilateral. Naquilo que estiver
em nosso poder fazer, haverá paz em qualquer caso...
“Mas, ainda que venhais
a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis,
portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a
Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder
a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós”. (I Pedro
3:14,15).
Não tema por eles. E por
que não? Porque temos santificado ao Senhor em nossos corações, e Ele é nosso
único temor. Deus é por nós, Cristo está conosco, e quando os homens lançam
opróbrio sobre nós, fazem-no contra nosso Salvador...
O mais importante para
todos nós que temos essa verdade especial que nos porá em conflito contra “as
potestades” que existem, é santificarmos o Senhor em nossos corações pelo
Espírito de Deus e Sua Palavra. Devemos ser estudantes da Palavra de Deus e
seguidores de Cristo e de Seu evangelho… Há fazendeiros e mecânicos entre nós
que, embora nunca tenham podido reunir os textos necessários pa ra pregar um
sermão, santificaram ao Senhor em seus corações mediante o fiel estudo de Sua
Palavra. Esses comparecerão perante os tribunais por causa de sua fé e pregarão
ali o evangelho, porque Deus lhes dará, nesse dia, palavras de sabedoria que
seus adversários não poderão contradizer...
Nosso dever é pregar o
evangelho, levantarmo-nos e deixar brilhar nossa luz; e se fizermos isso, Deus
reterá os ventos tanto quanto seja necessário... A mensagem do terceiro anjo é grande em toda
a Terra. Os homens, porém, não a consideram assim; mas chegará o dia em que
será o tema da conversação de todos. Contudo, nunca será levada a essa posição
por povo que guarda silencio a seu respeito, mas por aqueles que, pondo sua
confiança em Deus, não temem pronunciar as palavras que Ele lhes confiou.
Ao proceder assim, não
estaremos pondo nossas vidas em perigo, e eu dou graças a Deus por isso. Nossas
vidas estarão escondidas com Cristo em Deus e Ele cuidará delas. A verdade será
levada às alturas por homens e mulheres
que saem a pregar o evangelho e vivem o que pregam. Que a verdade seja
conhecida do povo. Se desfrutamos um tempo de paz para podermos pregar o
evangelho, estejamos agradecidos por isso. E se os homens fizerem leis que parecem
obstruir os canais pelos quais a verdade deveria fluir, podemos estar por
adorar um Deus que faz com que até a ira dos homens concorra para o Seu louvor.
Ele certamente fará assim. Tomará
providências para que o evangelho seja difundido por meio das mesmas leis que
os homens ímpios decretarem com o objetivo de sufocá-lo. Deus retém os ventos… e ordena que levemos a
mensagem. Retém-nos por tanto tempo quanto seja necessário; e quando começarem
a soprar e sentirmos os primeiros tornados da perseguição, farão exatamente
aquilo que o Senhor lhes ordenou...
“Pagai a todos o que
lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem
respeito, respeito; a quem honra, honra. A ninguém fiqueis devendo coisa
alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo
tem cumprido a lei”. (Romanos 13:7 e 8) Se você faz isso, está vivendo em paz com todos os homens,
tanto quanto esteja ao seu alcance. Se você ama seu semelhante como a si mesmo
está cumprindo toda a lei, já que para poder amar ao próximo a pessoa tem de
amar a Deus, porque não há amor senão o que procede dEle.
Se eu amo a meu próximo
como a mim mesmo, é simplesmente porque o amor de Deus habita em meu coração. É
porque Ele fez morada em meu coração e não há ninguém neste mundo que possa
removê-lo de lá.
Essa é a razão pela qual
o apóstolo se refere à segunda tábua da lei, porque se cumprirmos nossa
obrigação para com nosso semelhante, isso implica que amamos a Deus.
Ouvimos, às vezes, que a
primeira tábua da lei diz respeito a nossas obrigações para com Deus e
constitui a religião, enquanto que a segunda define nossos deveres para com o
próximo e constitui a moralidade. Mas a segunda tábua da lei contém deveres
para com Deus tanto quanto a primeira. Davi, depois de ter transgredido os
mandamentos da segunda tábua, confessou-se dizendo: "Pequei contra Ti,
contra Ti somente, e fiz o que é mal perante os Teus olhos...” (Salmo 51:4)
Deus deveria ser o primeiro e o último a cada momento…
Todas
essas lições que aprendemos haverão de nos preparar para o tempo de angústia.