domingo, 1 de outubro de 2017

Carta aos Romanos, Ellet J. Waggoner, Capítulo 9



CARTA AOS ROMANOS

Por Ellet J. Waggoner
Um dos dois mensageiros de 1888
Tradução e Edição
César L. Pagani


Capítulo 9


Quem São os Verdadeiros Israelitas?
O amor de Paulo por seus irmãos – Romanos 9:1-18.
1 Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência:
2 tenho grande tristeza e incessante dor no coração;
3 porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas, segundo a carne.
4 São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas;
5 deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!
6 E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas;
7 nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.
8 Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa.
9 Porque a palavra da promessa é esta: Por esse tempo, virei, e Sara terá um filho.
10 E não ela somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai.
11 E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por Aquele que chama),
12 já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço.
13 Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.
14 Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum!
15 Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem Me aprouver ter misericórdia e compadecer-Me-ei de quem Me aprouver ter compaixão.
16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a Sua misericórdia.
17 Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o Meu poder e para que o Meu nome seja anunciado por toda a terra.
18 Logo, tem Ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.
  Esse é um trecho extenso das Escrituras, porém, se o abordarmos com diligência a fim de compreendermos o que ele tem exatamente a dizer, não será tão difícil interpretá-lo como se poderia supor.
  Judeus e gentios: –Mesmo Paulo, que era “o apóstolo dos gentios”, não se esquecia de seus “parentes segundo a carne”. Aonde ia, pregava primeiramente aos judeus. Ele disse aos anciões de Éfeso: “Jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”. (Atos 20:20) A solicitude de Paulo por todas as classes sociais, inclusive aquelas que estavam distantes, mostra mais do que qualquer outra coisa, sua semelhança com Jesus Cristo.
  A vantagem de Israel: –“Qual é, pois, a vantagem do judeu?... Muita, sob todos os aspectos”. (Romanos 3:1 e 2) Lemos no texto um magnífico rol de bênçãos pertencentes a Israel: a adoção, a glória, os concertos, a entrega da lei e o serviço de Deus, bem como as promessas. Ser tido como infiel em meio a tais privilégios deve ser algo realmente terrível. 
  “A salvação vem dos judeus”. – Jesus proferiu essas palavras à samaritana, junto ao poço de Jacó (João 4:22). “Também deles descende o Cristo, segundo a carne”. A Bíblia foi escrita por judeus e uma jovem judia foi a mãe de nosso Senhor. Cristo era judeu, da tribo de Judá. Quando lemos que somos “salvos por Sua vida” entendemos que é por Sua vida como judeu. Não há nenhum dom nem bênção divina que não fossem “primeiramente ao judeu”, por cujo conhecimento não podemos ficar em dívida com os hebreus.
  Nada dos gentios: –Disse o apóstolo Paulo acerca “dos gentios na carne”, que estavam “separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo”. (Efésios 2:11 e 12). Os pactos, as promessas, até o próprio Cristo, pertencem aos judeus e não aos gentios. Portanto, todo aquele que se salva deve sê-lo como judeu. “Deus, primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o Seu nome”. (Atos 15:14).
  Excluídos de Cristo – “Separados”, “estranhos”, “sem Cristo” (Efésios 2:12). Trata-se da mais deplorável condição que possamos imaginar. Estar sem Cristo é estar sem esperança e sem Deus no mundo. 
  Sendo certo que todas as promessas de Deus são feitas em Cristo (II Coríntios 1:20), os que d’Ele estão separados não têm parte nelas. Podemos garantir que o Israel segundo a carne, como nação terrena, não tem nem teve jamais qualquer prerrogativa perante Deus, que o situasse acima de outras nações. Deus não fez jamais nenhuma promessa especial a Israel segundo a carne, que não estendera a qualquer outro povo.
  No desejo expresso por Paulo, podemos ver quão completamente entregue estava ele ao Senhor, e até que ponto partilhava de Seu Espírito. Cristo entregou-Se pelo homem, consentindo mesmo em separar-Se de Deus, a fim de poder alcançar e salvar os perdidos. Não há outro nome debaixo do céu, dado aos homens, pelo qual podemos ser salvos. Por isso mesmo, tudo aquilo que Paulo sofrera não poderia salvar seus irmãos, como ele mesmo bem o sabia.
  Isso mostra claramente quão desesperador era o caso dos judeus, e quão grande a solicitude de Paulo por eles. Embora nenhum sacrifício humano tenha qualquer valor, é-nos concedido o privilégio de partilhar os sofrimentos de Cristo por outros. Falando de si mesmo, Paulo disse: “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja”. (Colossenses 1:24)
  Circuncisão tornada em incircuncisão: –Já vimos que “se és, porém, transgressor da lei, a tua circuncisão já se tornou incircuncisão”. (Romanos 2:25). Paulo disse isso em referência aos judeus, a quem acusou de transgredir a lei (Romanos 2:17-24). No verso 31 do capítulo nono, lemos que Israel não atingiu a lei de justiça. A razão é que não aceitou a Cristo, o único mediante quem é possível obter a justiça da lei.
  Vemos assim, uma vez mais, que os “parentes [israelitas] [de Paulo] segundo a carne” não eram israelitas em realidade, mas gentios, sem Cristo, “sem esperança e sem Deus no mundo”.
  Nenhuma falha na promessa: –Aquela era uma situação muito triste. Todas as promessas pertencem a Israel e não há nada da parte de Deus para alguma outra nação; mas o povo conhecido como Israel está separado de Cristo. Porém, a palavra de Deus não falhou, “porque nem todos os que são de Israel são israelitas”. A incredulidade de alguns não pode anular a fidelidade de Deus (Romanos 3:3). Mesmo que se perdessem todos os descendentes literais de Jacó, isso não anularia as promessas de Deus a Israel, porque os verdadeiros israelitas são unicamente os que crêem nas promessas.
  A semente de Abraão: –“Em Isaque será chamada a tua descendência”. Isaque era o filho da promessa; por isso mesmo, todos os que crêem nas promessas de Deus são a semente de Abraão. João Batista disse aos judeus que se sentiam seguros em razão de sua ascendência: “Não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão”. (Mateus 3:9) Isso Deus pode fazer com a mesma facilidade com que, no princípio, criou o homem a partir do pó da terra.
  A carne e a promessa –“Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa”. Só esse texto deveria bastar para silenciar as especulações referentes a um suposto retorno dos judeus a Jerusalém, a fim de possibilitar o cumprimento das promessas de Deus. Com maior razão ainda deveriam pôr fim às suposições de que nações como a Inglaterra ou os Estados Unidos constituam o verdadeiro Israel e sejam herdeiras das promessas de Deus.
  Deus conhece o futuro – Antes que nascessem Jacó e Esaú, e antes que houvessem podido fazer o bem ou o mal, foi dito a seu respeito: “O maior servirá ao menor”. Deus conhece o fim desde o princípio e pode antecipar o que fará cada um. A eleição foi segundo Aquele “que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a Sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos”. (II Timóteo 1:9).
  “Amei a Jacó e aborreci a Esaú”. – Esse texto foi escrito muito tempo após a morte de Jacó e de Esaú. “Não foi Esaú irmão de Jacó? —disse o Senhor; todavia, amei a Jacó, porém aborreci a Esaú; e fiz dos seus montes uma assolação e dei a sua herança aos chacais do deserto”. (Malaquias 1:2 e 3) De acordo com o verso 4, seriam os edomitas chamados de povo contra quem o Senhor está irado para sempre. Por quê?
“Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Edom e por quatro, não sustarei o castigo, porque perseguiu o seu irmão à espada e baniu toda a misericórdia; e a sua ira não cessou de despedaçar, e reteve a sua indignação para sempre”. (Amós 1:11)  Jacó, ao contrário, embora não fosse menor que Esaú por natureza, creu nas promessas de Deus e mediante elas tornou-se participante da natureza divina e, desse modo, herdeiro de Deus e co-herdeiro de Jesus Cristo.
Deus não faz injustiça: –Observe com atenção os versículos 14 a 17 e veja a evidência de que não há arbitrariedade na eleição divina. Tudo é misericórdia. “Pois Ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem Me aprouver ter misericórdia e compadecer-Me-ei de quem Me aprouver ter compaixão”. “Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o Meu poder e para que o Meu nome seja anunciado por toda a terra”.
Pouco importa que isso se refira ao fato de Faraó haver sido levado ao trono, ou de ter sido ele preservado para essa ocasião. Uma coisa é certa: isso não nos ensina, como se costuma supor, que Deus guindou Faraó ao trono com o propósito de descarregar Sua vingança nele. É incrível que professos cristãos tenham desonrado a Deus com uma acusação como essa.
O propósito de Deus ao suscitar Faraó ou mantê-lo no trono era demonstrar Seu poder a ele e nele, e que o nome do Senhor fosse manifesto em toda a terra. Esse desígnio cumpriu-se na destruição de Faraó devido à sua obstinada resistência. Porém se cumpriria igualmente, e com melhor resultado para Faraó, se ele houvesse dado ouvidos à palavra de Deus. O rei do Egito viu o poder de Deus, porém recusou-se a crer. Se o fizesse teria sido salvo, porque o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.
Faraó tinha vontade obstinada. Sua característica principal era a resolução de propósito, a persistência, que se havia degenerado em obstinação. Porém, quem pode imaginar o poder para o bem que Faraó poderia ter desenvolvido, se houvesse se submetido de boa vontade ao Senhor? Isso teria sido um grande sacrifício, segundo o conceito que o homem tem de sacrifício, porém, não maior que o de Moisés. Esse recusou o trono egípcio e uniu sua sorte a do povo de Deus.
Ao monarca foi oferecida uma maravilhosa e honorável posição, contudo esse não reconheceu o dia de sua visitação. Isso implicava em humilhação e ele se recusou. Em conseqüência, perdeu tudo, enquanto Moisés, que escolheu antes ser afligido com o povo de Deus e ter parte no vitupério de Cristo, tem um nome e um lugar que durará por toda a eternidade. As misericórdias de Deus, quando rejeitadas, convertem-se em maldições. “Os caminhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. (Oséias 14:9).
Vimos que embora Deus tenha escolhido pessoas especialmente chamadas, as quais posteriormente vieram a ter grande destaque aos olhos divinos, a escolha não foi discricionária. Jacó foi escolhido antes de nascer, porém, não mais do que os outros. Deus nos abençoou com as bênçãos espirituais em Cristo, “assim como nos escolheu n’Ele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele; e em amor nos predestinou para Ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de Sua vontade, para louvor da glória de Sua graça, que Ele nos concedeu gratuitamente no Amado”. (Efésios 1:4-6).
“Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a Sua misericórdia.” Como prova disso, o apóstolo mencionou Faraó, que foi escolhido em Cristo tanto quanto Jacó e nós mesmos. Foi eleito para louvor da glória da graça de Deus, a fim de revelar as excelências do Senhor, porém, resistiu-Lhe de forma contumaz. Deus será louvado até mesmo pela ira do homem, quando esse se nega a louvá-Lo espontaneamente. Foi assim que o nome e o poder de Deus se fizeram conhecidos mediante a contumácia de Faraó.
Quão melhor teria sido se o orgulhoso rei se submetesse ao desígnio divino, em lugar de ver cumprido o propósito do Senhor de outra maneira. Entretanto, a lição que temos de aprender é que todo homem, em toda nação, foi eleito; e sua escolha consiste em ser adotado como filho. Nessa eleição, os judeus não têm nenhuma vantagem sobre os demais, mas estão em igualdade como bem demonstra o restante do capítulo.
“Aceitos no Amado”: – Romanos 9:19-33.
19 Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à Sua vontade?
20 Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus? Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?
21 Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?
22 Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a Sua ira e dar a conhecer o Seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição,
23 a fim de que também desse a conhecer as riquezas da Sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão,
24 os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?
25 Assim como também diz em Oséias: Chamarei povo Meu ao que não era Meu povo; e amada, à que não era amada;
26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois Meu povo, ali mesmo serão chamados filhos do Deus vivo.
27 Mas, relativamente a Israel, dele clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo.
28 Porque o Senhor cumprirá a Sua palavra sobre a terra, cabalmente e em breve;
29 como Isaías já disse: Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado descendência, ter-nos-íamos tornado como Sodoma e semelhantes a Gomorra.
30 Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a justificação, vieram a alcançá-la, todavia, a que decorre da fé;
31 e Israel, que buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa lei.
32 Por quê? Porque não decorreu da fé, e sim como que das obras. Tropeçaram na pedra de tropeço,
33 como está escrito: Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, e aquele que nela crê não será confundido.
Retrucando a Deus: –Esse é um fato comum e por causa disso muitos perderam a noção de sua própria maldade. Aquele que pergunta indignado: “Por que Deus faz isto ou aquilo?”; o que diz “Não vejo justiça em parte alguma”, como se ele fosse especial e pessoalmente agravado, faz com que seja impossível para si mesmo sequer compreender o que Deus permitiu que o mortal entendesse. É absurdo e maléfico culpar a Deus, porque nós não somos iguais a Ele em sabedoria. A única forma pela qual podemos chegar a um mínimo conhecimento do Altíssimo, é aceitar de uma vez por todas que Ele é justo e misericordioso, e que tudo quanto faz é visando ao bem de Suas criaturas. A reverência, e não o questionamento infame, tem valor diante de Deus. “Aquietai-vos e sabei que Eu Sou Deus; Sou exaltado entre as nações, Sou exaltado na Terra”. (Sal. 46:10)
O oleiro e seus vasos – Aquele que se julga competente para criticar a Deus, pensa encontrar nos versos 21 a 24 um motivo de acusação contra Ele. Diz ele: “Esse texto mostra que Deus deu vida a alguns homens para serem salvos e a outros para serem destruídos”.
Mas não é nada disso! Há uma imensa diferença entre o que diz realmente o texto e o que esse homem imaginou. O oleiro tem poder sobre o barro, com mais razão o Criador sobre Suas criaturas, segundo o direito natural e inquestionável. Considere este exemplo: o oleiro tem domínio para fazer do barro um vaso para honra e outro para desonra. Certo. Porém, quem conhece em todo o mundo um só oleiro que se dedique a fazer vasos simplesmente para destruí-los? Ele produz vasos de diversos tipos segundo o propósito para cada um deles, porém, sempre para um determinado uso e não para a destruição. Assim, Deus jamais criou a quem quer que seja com o objetivo de destruí-lo.
A paciência de Deus: –O fato de Deus não pretender a destruição de ninguém é demonstrado em Sua luta para que ninguém sofra a destruição que suas próprias obras más lhe trazem em justiça. Ele “suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição”. Esses se tornaram credores da destruição por sua própria rebeldia e impenitência, entesourando para si mesmos ira para o dia da vingança. (Romanos 2:5). Observe  que Deus suportou com muita misericórdia esses “vasos de ira”. “... E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor...” (II Pedro 3:15) “Ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento”. (verso 9). Por ter Deus suportado com grande paciência os vasos de ira, fica demonstrado que, mesmo depois de terem esses tomado o curso que os leva à destruição, Ele procurou salvá-los, concedendo-lhes todas as oportunidades para isso.
“Os quais também chamou”: –A paciência de Deus tem ainda o propósito em tornar conhecidas as riquezas de Sua glória nos “vasos de misericórdia que Ele preparou para Sua glória”. Quem são esses vasos? Nós, a quem também chamou. Quem são os que Ele chamou? Pessoas procedentes de alguma nação em especial? “Não só dos judeus, mas também dos gentios”. Todo este capítulo é uma vindicação da eleição do homem por parte de Deus, mesmo antes de seu nascimento, tal como ilustra o caso de Jacó. É demonstrado que a eleição de Jacó não significou que Deus tivesse reservado privilégios especiais para o povo judeu, mas que Ele outorga Seus favores com imparcialidade, tanto a judeus como a gentios, contanto que O aceitem.  
Povo de Deus: –Volta-se a insistir nos versos 25 e 26: “Disse o Senhor a Oséias [cap. 1:9 e 10]: Põe-lhe o nome de Não-Meu-Povo, porque vós não sois Meu povo, nem Eu serei vosso Deus. Todavia, o número dos filhos de Israel será como a areia do mar, que se não pode medir, nem contar; e acontecerá que, no lugar onde se lhes dizia: Vós não sois Meu povo, se lhes dirá: Vós sois filhos do Deus vivo”. Deus visitou os gentios para despertar dentre eles um povo para o Seu nome. O apóstolo Paulo descreveu essa visita nestes termos: “Ora, Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, concedendo o Espírito Santo a eles, como também a nós nos concedera. E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o coração... Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram”. (Atos 15:8-11) “Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que O invocam”. (Romanos 10:12).
O remanescente: –“Mas, relativamente a Israel, dele clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”. “Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”. (Romanos 11:5) Pouco importa quantos há cuja genealogia remonte até Jacó, segundo a carne, somente serão salvos os que se entregam voluntariamente à graça de Deus. Certamente não há motivo para gloriar-se, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.
Os gentios, a cabeça: –Os judeus professavam guardar a lei, porém, a realidade era outra. Os gentios não estavam familiarizados com a lei, contudo, cumpriam seus reclamos. Se você agora rememorar Romanos 2:25 a 29, verá que a verdadeira circuncisão consiste  (e sempre foi assim) em guardar a lei. Por isso, uma vez que os gentios guardaram a lei pela fé, e os judeus, por sua falta de fé, deixaram de observá-la, conclui-se que uns e outros inverteram suas respectivas posições. Os gentios se tornaram “verdadeiros judeus” e os judeus por natureza, transformaram-se em pagãos.   
Não atingir o alvo: –Os judeus se esforçaram por observar a lei da justiça, porém não da maneira certa. “Por quê? Porque não decorreu da fé, e sim como que das obras”. Com poder essas palavras estabelecem aquela que é a idéia principal em toda a epístola, isto é, que a fé não exime a ninguém da transgressão, e que somente por ela é possível obedecer à lei.
Os judeus não são culpados por desejarem atender à lei da justiça, mas por não quererem obedecê-la da forma devida. Não é pelas obras, mas pela fé, que é possível praticar o quanto a lei exige. Isso equivale a dizer que não é possível fazer boas obras a partir das más obras. O bem não pode originar-se do mal. Tampouco existe qualquer redução no que respeita às boas obras. Elas são aquilo que o mundo necessita, acima de tudo. São o resultado da observância da lei pela fé. Porém, é totalmente impossível que as boas obras surjam sem fé, já que “tudo o que não provém de fé é pecado”. (Romanos 14:23).
A pedra de tropeço: –Nunca deixe de relacionar a última parte deste capítulo com a primeira. Lembre-se de que, no princípio,  é apresentado o Israel segundo a carne, como separado de Cristo. A eles pertencia,  entre outras coisas, a entrega da lei, no entanto, fracassaram miseravelmente em relação a ela. Por quê?  Porque “tropeçaram na pedra de tropeço”. Que pedra é essa? Cristo. Estavam na mesma condição em que muitos se encontram hoje. Negavam-se a crer que as promessas de Deus a Israel eram total e unicamente em Cristo. Pensavam o mesmo que muitos professos cristãos modernos, isto é, que Deus os honrava por causa deles mesmos, à parte de Cristo. Cristo é a pedra de tropeço ou escândalo na qual tropeçam todos os que entendem as promessas feitas a Israel como ligadas exclusivamente a certa nação, com exclusão das demais.
Um fundamento estável: –Paradoxal, porém correto, é que essa mesma pedra de tropeço é a pedra angular e o sólido fundamento. Aquilo que faz cair a uns é o que eleva e edifica a outros. “Os caminhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. (Oséias 14:9) Cristo é uma rocha de escândalo para os que não crêem, contudo, um alicerce seguro para os que têm fé. Ele é o “Santo de Israel”, o “Deus de Israel”, “Pastor de Israel”,  redil e porta, tudo ao mesmo tempo. Sem Ele a nação de Israel não poderia existir.
Os que pretendem reclamar uma herança em Israel por causa do seu nascimento, e não por causa de Cristo, serão finalmente decepcionados, porquanto todo aquele que não entra pela porta será desmascarado como “ladrão e salteador”. No entanto, quem n’Ele crer nunca será envergonhado (I Pedro 2:6), porque sua fé demonstrará que ele é semente de Abraão e herdeiro conforme a promessa.