CARTA AOS ROMANOS
Por Ellet J. Waggoner
Um dos dois mensageiros de 1888
Tradução e Edição
César L. Pagani
Capítulo 4
Crendo na Maravilhosa
Promessa de Deus
O objetivo precípuo de
estudar pormenorizadamente qualquer livro da Bíblia é captar em seu conjunto a
idéia principal que contém. O segundo capítulo de Romanos e a primeira parte do
terceiro nos permitiram entender que todos os homens estão na mesma deplorável
condição. Contemplamos o aspecto luminoso na última parte do terceiro capítulo.
Aí se estabelece a gratuidade da graça de Deus em Cristo, como Salvador dos
pecadores. E agora, no quarto capítulo, encontramos o argumento central em
relação à justificação pela fé.
A Bênção de Abraão – Romanos 4:1-12
1 Que, pois, diremos ter
alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?
2 Porque, se Abraão foi
justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus.
3 Pois que diz a
Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça.
4 Ora, ao que trabalha,
o salário não é considerado como favor, e sim como dívida.
5 Mas, ao que não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída
como justiça.
6 E é assim também que
Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça,
independentemente de obras:
7 Bem aventurados
aqueles cujas iniqüidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos;
8 bem-aventurado o homem
a quem o Senhor jamais imputará pecado.
9 Vem, pois, esta
bem-aventurança exclusivamente sobre os circuncisos ou também sobre os incircuncisos?
Visto que dizemos: a fé foi imputada a Abraão para justiça.
10 Como, pois, lhe foi
atribuída? Estando ele já circuncidado ou ainda incircunciso? Não no regime da
circuncisão, e sim quando incircunciso.
11 E recebeu o sinal da
circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para
vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não circuncidados, a fim de que
lhes fosse imputada a justiça,
12 e pai da circuncisão, isto é, daqueles
que não são apenas circuncisos, mas também andam nas pisadas da fé que teve
Abraão, nosso pai, antes de ser circuncidado.
“Segundo a carne”: –Abraão não era o pai ou antecessor, segundo a carne, de todos
aqueles a quem Paulo dirigia sua epístola. O tema proposto é a justificação
pela fé. Agora se pode demonstrar que o próprio Abraão não recebeu a justiça
segundo a carne, senão somente pela fé. Daí tudo fica mais claro.
Ninguém se glorie – Se
no plano da salvação houvesse lugar para coisa tal como a justiça pelas obras,
então haveria terreno propício para a vanglória. Se alguém pudesse ser salvo
pelas obras, então poderiam assim ser salvos todos os homens; nesse caso, os
que fossem salvos poderiam orgulhar-se de sua superioridade sobre o restante
que se encontra em circunstâncias similares. Porém, temos visto que a vanglória
está excluída. “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os
sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus
escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para
reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de
Deus”. (I Coríntios 1:27-29)
Gloriar-se “em” ou gloriar-se “perante”: –Se Abraão houvesse sido
justificado pelas obras, teria motivos para gloriar-se, porém, o fato é que não
pôde jactar-se diante de Deus, como provam as palavras “Abraão creu em Deus e
isso foi-lhe imputado por justiça”. Para que o homem pudesse ser justificado
pelas obras, seria preciso demonstrar que não havia cometido nenhum mal. Nessa
condição não haveria necessidade de fé; as obras falariam por si mesmas. Porém
Abraão foi justificado pela fé e está claro que não foi por obra alguma. Aquele
que é justificado tão-somente pelas obras de Deus se gloriará unicamente nas
obras d’Ele. Isso é gloriar-se em Deus, o que é oposto a gloriar-se perante
Deus.
Paulo e Tiago: –É neste ponto que quase todos citam as palavras de Tiago: “Não
foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o
altar o próprio filho, Isaque?” (Tiago 2:21) Desgraçadamente, o texto é
costumeiramente empregado como se pudesse desvalorizar as palavras de Paulo.
Parece dar-se como definitivo que existe contradição entre Paulo e Tiago, e a
simpatia se inclina de forma natural para o que Tiago ensina. Alguns crêem que
Tiago escreveu com o propósito de corrigir “posições extremistas” de Paulo
sobre a justificação pela fé.
Faremos bem em descartar
todas essas idéias tolas e ímpias. Ninguém pode chegar a uma compreensão
proveitosa das Escrituras, a menos que se empenhe em seu estudo com a convicção
de que “toda Escritura é inspirada por Deus”. O Espírito Santo não inspira, em
nenhum caso, palavras que necessitem ser posteriormente corrigidas.
A fé que opera: –O problema de quem lê desse modo as palavras de Tiago é que
supõe que o apóstolo pretende dizer que Abraão foi justificado por suas
próprias obras de fé. “Vês como a fé operava juntamente com as suas obras?”
Esse é o selo perene da fé viva, tal como mostra o apóstolo, em perfeita
concordância com a declaração de Paulo. O último versículo do terceiro capítulo
de Romanos nos diz que mediante a fé estabelecemos a lei.
O mesmo termo
“justificação” mostra que essa fé cumpre os reclamos da lei. A fé faz do homem
um cumpridor da lei, já que esse é o significado da expressão “justificação
pela fé”. Assim, em sua epístola, Tiago nos informa que as obras de Abraão
demonstraram a perfeição de sua fé. “Pois que diz a Escritura? Abraão creu em
Deus, e isso lhe foi imputado para justiça”. (Romanos 4:3) O apóstolo Tiago
ensina, portanto, o mesmo tipo de justificação de Paulo. Caso contrário, um ou
outro, se não ambos, ficariam desacreditados como apóstolos. A única classe de
justificação que a Bíblia reconhece é a justificação pela fé que opera.
Dívida e favor: –“Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e
sim como dívida”. É importante ter-se presente o propósito do quanto aqui
escrito por Paulo. O tema é a maneira pela qual o homem é justificado Se alguém
pudesse operar sua própria justificação, a recompensa – a justiça – não seria
um dom ou favor, mas o pagamento de uma dívida. Isso supondo que pudesse
existir alguma justiça pelas obras. Em tal caso, o homem iria a Deus para
reclamar o que lhe é devido.
Porém, nenhum homem pode
impor a Deus essa obrigação. “Ou quem primeiro deu a Ele para que lhe venha a
ser restituído”. (Rom. 11:35). Se alguém pudesse fazer algo pelo Senhor, de
maneira que Ele Se obrigasse perante o homem, então todas as coisas não
procederiam d’Ele. Dito de outra maneira, a justificação pelas obras se opõe ao
fato de que Deus e o Criador de todas as coisas. E vice-versa, o reconhecimento
de Deus como Criador é a consideração de que somente d’Ele procede a justiça.
Justificando o ímpio: –Deus justifica o ímpio. Somente o ímpio está necessitado de
justificação. Porém, veja bem que Deus não justifica a impiedade. Isso seria
chamar bom ao que é mau e negar-Se a Si mesmo. Pelo contrário, o que Ele faz é
justificar ou tornar justo ao ímpio, que é precisamente o que esse necessita.
Deus justifica o pecador que crê, tornando-o um novo homem em Jesus Cristo; pode
fazer isso e continuar sendo justo. O homem não é justificado pelas obras,
porém o homem justo age, embora sempre o faça pela fé. “O justo viverá da fé”.
É a fé que o faz continuar vivendo em justiça. A realidade das obras da fé é mais
manifesta na última parte deste capítulo.
Descrição da bem-aventurança: –A bem-aventurança do
homem a quem Deus imputa justiça sem as obras, é a do perdão dos pecados e da
libertação do poder do pecado. Deus não imputará pecado a quem vive pela fé em
Cristo, de modo que as obras de Jesus sejam suas próprias. “Ora, como
recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai n’Ele... porquanto, n’Ele,
habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade... Também, n’Ele, estais
aperfeiçoados”. (Colossenses 2:6-10).
Bênçãos para o judeu e o gentio: –A bênção alcança por
igual à circuncisão e a incircuncisão. Encontramos aqui a repetição da verdade
estabelecida no terceiro capítulo, referente ao fato de que não há diferença no
que tange à justificação. Abraão é o pai da nação judaica segundo a carne,
porém a bênção que recebeu foi quando ainda era incircunciso como qualquer
outro gentio. Por isso, pode ser pai de ambos, judeus e gentios. Recebeu sua
bênção pela fé, de forma que “os que são da fé são benditos como o crente
Abraão”. (Gálatas 3:9).
Como recebemos a bênção?
–Já vimos anteriormente que a bênção veio a Abraão mediante Cristo. O apóstolo
Paulo nos diz que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se Ele
próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que
for pendurado em madeiro) para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim
de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido”. (Gálatas 3:13 e 14). Tudo
quando foi prometido a Abraão estava contido na bênção descrita por Davi. Deus
enviou Seu Filho para nos abençoar, fazendo com que nos convertamos de nossa
maldade (Atos 3:26). É a cruz de Cristo que transfere as bênçãos de Abraão para
nós. As bênçãos são, pois, espirituais. Nenhuma das bênçãos prometidas a Abraão
era meramente temporal. Isso da evidência de que a herança prometida a Abraão e
sua semente refere-se unicamente aos que são filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo.
A circuncisão nada é: –A vantagem dos que são da circuncisão é que a eles foram
confiados os oráculos de Deus; porém isso não lhes adveio mediante a
circuncisão. A circuncisão era somente um sinal, e não meritória em si mesma.
Foi dada a Abraão como uma prova da justiça pela fé que ele já possuía. E tampouco
pode significar coisa alguma para nenhum
outro. Se alguém dos que estavam circuncidados não possuía a justiça, então sua
circuncisão nada significava. “A circuncisão, em si, não é nada; a
incircuncisão também nada é, mas o que vale é guardar as ordenanças de Deus”.
(I Coríntios 7:19). Assim Abraão era o pai dos circuncidados sob condição de
que não tivessem apenas um mero sinal exterior, mas a justiça pela fé, que é
verdadeiramente necessária.
Tudo em Cristo – Referindo-se a Jesus, disse o apóstolo: “Porque
quantas são as promessas de Deus, tantas têm n’Ele o sim; porquanto também por
Ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio”. (II Coríntios 1:20)
Não há promessa divina a homem algum que não seja em Cristo”.
A Herança e os Herdeiros – Romanos 4:13-15.
“13 Não foi por
intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser
herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé. 14 Pois, se os da lei é que
são os herdeiros, anula-se a fé e cancela-se a promessa, 15 porque a lei
suscita a ira; mas onde não há lei, também não há transgressão”.
Onde está a promessa?: –Uma pergunta bastante natural ao lermos
o décimo terceiro versículo seria. Onde
vemos uma promessa de que Abraão e sua semente deveriam ser herdeiros do mundo?
Muitos crêem que o Antigo Testamento não contém tal promessa. Porém, não pode
existir qualquer dúvida quanto a isso, já que o apóstolo diz que ela existe. Se
não a achamos é por havermos lido demasiado superficialmente o Antigo
Testamento, ou com mentes condicionadas por opiniões preconcebidas. Se
prestarmos atenção nas relações estabelecidas por Paulo, não teremos
dificuldade em localizar a promessa.
Sobre que temas
relacionados está aqui falando o apóstolo? De uma herança mediante a justiça
pela fé, e também do fato de que a circuncisão foi dada a Abraão como sinal da
justiça que tinha pela fé; portanto, como sinal da herança que receberia
mediante ela.
Em que lugar do Antigo
Testamos encontramos o relato da introdução da circuncisão, e de uma promessa
dada em relação a ela? No capítulo 17 de Gênesis. Esse é um bom lugar para
buscar a promessa segundo a qual Abraão seria herdeiro do mundo. Leiamo-la:
“Estabelecerei a minha
aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações,
aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência. Dar-te-ei e à tua
descendência a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em
possessão perpétua, e serei o seu Deus. Disse mais Deus a Abraão: Guardarás a
minha aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações”.
Esta é a minha aliança,
que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será
circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de
aliança entre mim e vós”. (Gênesis 17:7-11).
Quem sabe você diga a si mesmo: “Sim, é claro que aí existe uma
promessa, porém o que estamos procurando é a promessa de que Abraão e sua
semente herdariam a Terra, e não encontro tal passagem. Todo o que vejo é uma
promessa de que herdariam a terra de Canaã”.
Porém, vamos por outro caminho e logo veremos que essa é realmente
a promessa de que Abraão e sua semente seriam herdeiros do mundo. Temos que
analisar os detalhes da promessa. E primeiramente devemos notar o fato de que a
herança prometida é eterna.
Abraão mesmo deveria recebê-la como uma possessão eterna. Porém, a
única forma em que ambos – Abraão e sua semente – poderiam ter a posse eterna
de uma herança é recebendo eles mesmo a vida eterna. Vemos, por conseguinte,
que nessa promessa feita a Abraão temos a segurança da vida eterna com a qual
fruiremos a possessão. Todavia, isso se faz mais evidente ao considerarmos que
a herança é de justiça. “Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua
descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a
justiça da fé”. (Rom. 4:13) Isso coincide precisamente com a promessa do
capítulo dezessete de Gênesis, uma vez que esse pacto foi selado mediante a
circuncisão (versículo 11 de Gênesis 17), e segundo Romanos 4:11, a circuncisão
era o selo da justificação pela fé.
Alguém pode dizer que isso não é algo evidente no Antigo
Testamento, de modo que não se pode supor que os judeus assim o entendessem.
Hoje dispomos do Novo Testamento, que lança mais luz sobre o fato. É certo que
no estudo do Antigo Testamento devemos muito ao Novo, porém, não há nesse
nenhuma revelação nova. Somente a partir do Antigo Testamento é possível
compreender que a herança prometida a Abraão e sua semente, o foi somente sob a
condição da justiça pela fé.
Essa é a conclusão lógica a partir do fato de que a herança
constituía uma posse eterna. Os judeus sabiam muito bem que a vida eterna
pertence somente aos justos. “O justo jamais será abalado, mas os perversos não
habitarão a Terra”. (Provérbios 10:30) “Porque os malfeitores serão
exterminados, mas os que esperam no Senhor possuirão a Terra”. (Salmo 37:9). “Aqueles a quem o Senhor
abençoa possuirão a terra; e serão exterminados aqueles a quem amaldiçoa”.
(verso 22)
O quinto mandamento diz: “Honra teu pai e tua mãe, para que se
prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”. A observância
dos mandamentos nunca significou uma diferença entre no prolongamento da vida
do homem neste mundo (Nota: Exceção feita ao incremento da longevidade por
parte de quem obedece às leis naturais sobre saúde). Contudo, a herança que
Deus prometeu a Abraão será eterna em função da justiça de seus possuidores.
A promessa e a ressurreição: –Se lermos atentamente, veremos outro
detalhe na promessa registrada em
Gênesis. A promessa foi feita a Abraão e à sua semente.
Estevão citou como fato bem conhecido que Abraão não recebeu sequer a porção de
terra prometida que lhe permitisse assentar um dos pés (Atos 7:5). Podemos
encontrar isso no Antigo Testamento, já que nos é dito ali que teve ele de
comprar o terreno dos cananeus, que haveriam de ser expulsos, segundo a
promessa de Deus – um lote de terra onde pudesse sepultar sua esposa. E quanto
a seus descendentes, sabemos que tiveram de morar em tendas, errantes de um
lugar a outro. O próprio Jacó morreu na terra do Egito. E ainda mais. Lemos as
palavras de Davi, cujo reino se encontrava na hora de maior prosperidade para
os filhos de Israel na terra de Canaã: “Ouve, Senhor, a minha oração, escuta-me
quando grito por socorro; não Te emudeças à vista de minhas lágrimas, porque
sou forasteiro à Tua presença, peregrino como todos os meus pais o foram”.
(Sal. 39:12). Na oração de consagração dos dons do templo, por ocasião da
coroação de Salomão, vemo-lo expressando-se em termos similares (I Crônicas
29:15).
Ademais, e mesmo mais
importante, temos as palavras de Deus a Abraão ao fazer-lhe a promessa. Depois
de haver assegurado que daria a terra de Canaã a ele e sua semente, o Senhor
lhe disse que sua semente haveria de ser, primeiramente, escrava em terra
estrangeira. “E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa
velhice.
Na quarta geração,
tornarão para aqui...” (Gênesis 15:15 e 16). Sabemos, pois, que foi dito
claramente a Abraão que ele morreria antes de receber qualquer herança na
Terra, e que se passariam pelo menos quatrocentos anos antes que sua semente
pudesse herdá-la.
Porém, Abraão morreu na fé e também sua semente. Diz Hebreus 11:13:
“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de
longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a
Terra”. Morreram na fé, posto que sabiam que Deus não pode mentir. Contudo,
visto que a promessa de Deus deve cumprir-se e que eles não receberam nesta
vida a herdade prometida, a conclusão inquestionável é que somente se pode
obter mediante a ressurreição dos mortos.
Essa era a esperança que susteve os israelitas fiéis. Abraão foi
fiel em oferecer
Isaque sobre o altar, devido à sua fé no poder de Deus de
ressuscitar mortos. Quando Paulo estava preso em razão da “esperança e a
ressurreição dos mortos”. (Atos 23:6), disse: “E, agora, estou sendo julgado
por causa da esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais, a qual
as nossas doze tribos, servindo a Deus fervorosamente de noite e de dia,
almejam alcançar...” E então, para mostrar a razoabilidade dessa esperança,
perguntou ao rei Agripa: “Por que se julga incrível entre vós que Deus
ressuscite os mortos?” (Atos 26:6-8).
A ressurreição de Jesus Cristo é o compromisso e a garantia da
ressurreição daqueles que crêem n’Ele. (Ver I Coríntios 15:13-20). Os apóstolos
anunciaram “em Jesus, a ressurreição dentre os mortos” (Atos 4:2). E um deles
disse, para nosso benefício: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança,
mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança
incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que
sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada
para revelar-se no último tempo.” (I Pedro 1:3-5)
Logo acrescenta que essa
fé se submete à prova, a fim de que “redunde em louvor, glória e honra na
revelação de Jesus Cristo”. E isso nos
leva à conclusão do assunto, de que a promessa feita a Abraão e à sua semente
de que seriam herdeiros do mundo, é a promessa da vinda de Cristo.
O apóstolo Pedro diz que
é necessário recordarmos as palavras dos santos profetas, porque “nos últimos
dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias
paixões e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais
dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação”. (II
Pedro 3:3 e 4) Isto é, não crêem na promessa
Porém, eles não
raciocinam corretamente, já que “... deliberadamente, se esquecem que, de longo
tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água e através da água pela
palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em
água. Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido
entesourados para fogo, estando reservados para o Dia do Juízo e destruição dos
homens ímpios”. (II Pedro 3:5-7).
Veja que a promessa não
somente tem algo a ver com os pais, mas que também afeta toda a Terra. Os
escarnecedores afirmam que desde que os pais dormiram, todas as coisas
continuam como eram desde o princípio da criação. Porém, o apóstolo replica que
ao pretenderem tal coisa, estão fechando os olhos ao fato de que a mesma
palavra que no princípio fez os céus e a Terra, destruiu também a Terra através
do dilúvio. De igual maneira, a Terra está agora preservada pela mesma palavra,
até o dia do juízo e da perdição dos ímpios, quando será destruída pelo fogo.
Todavia nós, “segundo a Sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos
quais habita justiça”. (II Pedro 3:13).
Segundo que promessa?: –A promessa feita aos pais, de que Abraão e
sua semente herdariam a Terra. De acordo com os cômputos humanos, já passou
muito tempo desde que a promessa foi feita, porém, “não retarda o Senhor a Sua
promessa...” Não se passou tanto tempo desde que Ele a fez, como se a houvesse
esquecido, já que para o Senhor “um dia é como mil anos, e mil anos, como um
dia”. A razão por que é esperada por tanto tempo é que Ele não quer que ninguém
se perca, mas que todos cheguem ao arrependimento.
Assim vemos que temos nessa promessa um interesse tão grande como o
que o próprio Abraão teria. Ela ainda está em vigência, aberta à aceitação de
todos. Abarca toda a vida eterna de justiça na Terra renovada, tal como era no
princípio. A esperança da promessa de Deus aos pais era a esperança da vinda do
Senhor para ressuscitar os mortos, concedendo assim a herança.
Cristo esteve aqui na Terra. Naquela ocasião Ele não tinha mais
herança do que Abraão possuiu. Não tinha nem mesmo onde recostar a cabeça. Deus
está agora enviando Seu Espírito Santo a fim de selar os crentes para a
herança, o mesmo que fez com Abraão. Quando todos os fiéis forem selados assim,
enviará Ele “o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário
que o Céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus
falou por boca dos Seus santos profetas desde a antiguidade”. (Atos 3:20 e 21).
Vimos o que Abraão descobriu e de que maneira o descobriu. Vimos
também o que Deus nos prometeu, como o fez a Abraão, se crermos em Sua Palavra. Deus
prometeu a todo aquele que n’Ele crê nada menos que libertação do mundo. Não se
trata de algo arbitrário. Não é que Deus nos disse que se crermos em certas
declarações e dogmas, Ele nos concederá em troca a herança eterna. Essa herança
é um legado de justiça, e posto que a fé significa receber a vida de Cristo no
coração, juntamente com Sua justiça, é evidente que não há outra maneira de
receber a herança. Isso se faz mais evidente ao prestarmos atenção a certa
expressão do verso 15, que antes não havíamos considerado: “a lei opera a ira”.
Aquele que crê poder obter a justiça a partir da lei está pondo sua
confiança naquilo que o destruirá. Deus prometeu uma terra em herança a todo
que a aceite em suas devidas condições, isto é, que aceita a justiça que vem
com ela, uma vez que dita justiça é precisamente a característica da terra.
“... Novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”. Porém, essa justiça
pode ser encontrada unicamente na vida de Deus manifestada em Cristo.
Aquele que pensa que pode, por si mesmo, obter justiça a partir da
lei, em realidade está tentando substituir a justiça de Deus pela sua própria.
Está tratando de conseguir a terra de forma fraudulenta. Portanto, quando
comparecer ante o tribunal do juízo para reclamar seus direitos de propriedade
sobre a terra, descobre que há uma acusação criminal contra ele e encontra
“ira” em lugar de bênção. “Onde não há lei, também não há transgressão”. Porém,
a lei está em todo lugar e também a transgressão. Todos pecaram; assim, a
herança não pode ser obtida pela lei.
A Grande Satisfação de
Crer na Promessa. Romanos 4:16-25.
16 Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a
graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente
ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque
Abraão é pai de todos nós,
17 como está escrito:
Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, o Deus
que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem.
18 Abraão, esperando
contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora
dito: Assim será a tua descendência.
19 E, sem enfraquecer na
fé, embora levasse em conta o seu próprio corpo amortecido, sendo já de cem
anos, e a idade avançada de Sara,
20 não duvidou, por
incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a
Deus,
21 estando plenamente
convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera.
22 Pelo que isso lhe foi
também imputado para justiça.
23 E não somente por
causa dele está escrito que lhe foi levado em conta,
24 mas também por nossa
causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos
naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor,
25 o qual foi entregue
por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa
justificação.
“Seja firme a promessa para
toda a descendência”: –Visto que a herança é mediante a justiça pela fé,
resulta igualmente segura para toda a semente e ao alcance de todos. A fé
concede a todos a mesma oportunidade, uma vez que ela é tão fácil para uma
pessoa como para outra qualquer. Deus repartiu a cada um “a medida de fé”, a
mesma medida para todos, já que a medida da graça é a medida da fé, “e a graça
foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo”. (Efésios
4:7). Cristo entregou-Se sem reservas a todo homem (Hebreus 2:9). Por que foi
dada a mesma medida de fé e de graça a todo homem, todos têm a mesma
oportunidade de entrar na herança.
Jesus é a garantia: –A fé garante a promessa a toda a semente porque tem a Cristo
como único centro, e Ele é a garantia das promessas de Deus (II Coríntios
1:20). Lemos ainda sobre o juramento feito por Deus através do qual Jesus foi
constituído Sumo Sacerdote. “Por isso mesmo, Jesus Se tem tornado fiador de
superior aliança”. (Hebreus 7:22). Jesus não Se deu somente a certa classe, mas
a todos sem distinção. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu
Filho Unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida
eterna”. (João 3:16). Lemos em Hebreus 2:9 que Jesus, pela graça de Deus,
experimentou a morte por todos. Nosso Senhor disse: “O que vem a Mim, de modo
nenhum o lançarei fora”. (João 6:37) Cristo habita no coração pela fé (Efésios
3:17). Já que Cristo é o fiador da promessa, ela é garantida a todo aquele que
crê.
O juramento de Deus: –Talvez lhe possa parecer algo atrevido dizer que o juramente
pelo qual Jesus foi constituído Sumo Sacerdote seja a garantia da promessa
feita a Abraão. Porém, um pouco de reflexão irá convencê-lo de que não pode ser
de outra maneira. No sexto capítulo de Hebreus, versos 17 a 20, lemos: “Por isso,
Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a
imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante
duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento
tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança
proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do
véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”.
Tudo foi feito por nós –
Por que Deus confirmou a promessa a Abraão mediante juramento? Para que
tenhamos grande animação e coragem. Não foi por causa de Abraão, visto que ele
creu plenamente sem necessidade de juramente. Sua fé mostrou-se perfeita antes
que se fizesse o juramento. Foi por nós.
Quando esse juramento
nos transmite “forte alento”? Quando corremos e nos refugiamos em Cristo como
sacerdote no Lugar Santíssimo. Ministro como Sumo Sacerdote além do véu, e é o
juramento de Deus que nos anima a crer que Seu sacerdócio nos salvará. De forma que nosso consolo vem do sacerdócio
de Cristo e, portanto, do juramento que O constituiu sacerdote.
O juramento de Deus a
Abraão foi idêntico àquele que constituiu Cristo como Sumo Sacerdote. Isso mostra
plenamente que a promessa de Deus a Abraão é tão abarcante quanto o evangelho
de Cristo. E é assim que nosso texto diz com referência à justiça que foi
imputada a Abraão: “E não somente por causa dele está escrito que lhe foi
levado em conta, mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos
será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os
mortos a Jesus, nosso Senhor...”
O poder da Palavra de Deus: –Deus “chama as coisas que não são como se
fossem”. Algumas vezes o homem faz isso mesmo, e então perdemos rapidamente a
confiança nele. Quando o homem chama as coisas que não são como se fossem, há
uma só palavra para definir o que faz – mentira. Porém Deus chama as coisas que
não são como se fosse, e isso é verdade. Onde está a diferença? Simplesmente
nisto: a palavra do homem não tem o poder de trazer à existência algo que não
havia antes. Pode o homem insistir que seja assim, mas isso não converte o
irreal em real. Porém,
quando Deus nomeia algo, isso está na própria palavra pronunciada. Ele fala e o
fato ocorre. Por esse poder divino Abraão foi feito o pai de muitas nações;
nosso pai, se crermos que Jesus morreu e ressuscitou.
Dando vida aos mortos: –É graças ao poder da palavra de Deus, que
chama as coisas que não são como se fossem, trazendo-as à existência, que os
mortos são ressuscitados. Sua palavra os faz viver. Foi a fé de Abraão na
ressurreição dos mortos que o fez pai de muitas nações. O juramento de Deus a
Abraão teve lugar por ocasião do oferecimento de Isaque (Gênesis 22:15-18).
“Pela fé, Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para
sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem
se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que
Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde também,
figuradamente, o recobrou”. (Hebreus 11:17-19).
A justiça e a ressurreição de Jesus: –A justiça imputada a
Abraão também será concedida a nós outros, se crermos n’Aquele que ressuscitou
nosso Senhor dentre os mortos. Disso se deduz que essa justiça foi imputada a
Abraão em razão de sua fé na ressurreição dos mortos, que vem somente por meio
de Cristo (Atos 4:2). Essa foi a pregação dos apóstolos: as promessas feitas
aos pais. O poder pelo qual o homem se torna justo é o da ressurreição (Ver
Filipenses 3:9-11). Esse poder da ressurreição, que opera justiça no homem é a
segurança da ressurreição final para a imortalidade, no dia final, no momento
em que ele entra em sua herança.
Sua fé não fraquejou: –“E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio
corpo amortecido, sendo já de cem anos, e a idade avançada de Sara”. Vale dizer
que, depois que Deus lhe fizera a promessa, a plena consciência de sua
debilidade e de todas as dificuldades e impossibilidades aparentes não
conseguiram debilitar sua fé. Para Deus não há nada impossível; nada é difícil
para Ele. Se alguma vez você se sentiu inclinado a duvidar da possibilidade de
sua própria salvação, pare e considere que Deus fez o mundo através de Sua
palavra e que Ele ressuscita os mortos, e tudo isso pelo mesmo poder que
salvará você, se assim o desejar. Duvidar do poder de Deus para livrar-nos de
toda maldade é descrer que Ele criou todas as coisas por Sua palavra, e que é
capaz de ressuscitar os mortos.