terça-feira, 1 de agosto de 2017

O CALVÁRIO NO SINAI - Capítulo 1, Por Paulo E. Penno Jr., M. Div. Andrews University



O  CALVÁRIO  NO  SINAI


A  LEI  E  OS  CONCERTOS  NA  HISTÓRIA  ADVENTISTA  DO    DIA

Por Paulo E. Penno Jr.

M. Div.
Andrews University


[pág. 3]  Capítulo 1       
Os Concertos no Pensamento Adventista inicial

Muitos dos pioneiros adventistas do sétimo dia do século XIX eram dispensacionalistas do concerto tipológico,1 isto é, criam que o novo concerto seguia sequencialmente o velho concerto após a cruz. Além disso, os pioneiros tinham uma posição de duas leis. Os Dez Mandamentos eram distintos das típicas leis cerimoniais. Por isso as leis cerimoniais que foram ordenadas sob o velho concerto foram abolidas na cruz, enquanto os Dez Mandamentos eram eternos.
Os protestantes evangélicos (*dispencionalistas) se opuseram à posição adventista do sétimo dia sobre a perpetuidade dos Dez Mandamentos com uma teoria de uma só lei.2 Os evangélicos alegaram que tanto as leis morais quanto as cerimoniais do Antigo Testamento eram de origem mosaica. Eles sustentavam que a lei mosaica foi abolida com o velho concerto na cruz.
Os evangélicos também mantiveram um dispensacionalismo do concerto. Esse foi o ponto de convergência entre os adventistas do sétimo dia e os evangélicos. Neste ponto de convergência adventistas do sétimo dia inadvertidamente se sugeitaram a uma questão crucial para os seus adversários.
Uriah Smith escrevendo em 1877 expressou este dispensacionalismo do concerto no contexto do ensino do santuário:
O santuário do velho concerto deve manter a mesma relação com o santuário do novo concerto, quanto o velho concerto com respeito ao novo ... Todos concordam que eles se posicionam como tipo e antitipo. O primeiro era o tipo e a sombra; o novo é o antitipo e substância. O santuário daquela dispensação era o tipo; O santuário do novo concerto é o antitipo.3
                A compreensão de Uriah Smith do santuário terrestre típico era de que se associava ao velho concerto, enquando o santuário celestial antitípico se  associava ao novo concerto. Isso o levou [pág. 4] a concluir que havia um antigo concerto sequencial: o dispensacionalismo tipológico do novo concerto. O entendimento tipológico das Escrituras pelos pioneiros os levou a concluir que o velho concerto era um tipo do novo concerto.
E. J. Waggoner observou esta tipologia bíblica do sistema cerimonial no Velho Testamento. Ele viu que apontava para Cristo como um tipo do antitipo.4 Mas ele também observou uma dimensão experiencial em que certos textos bíblicos distinguem entre o velho e novo concertos. Este aspecto do ensino bíblico tinha sido negligenciado pelos pioneiros.
A compreensão tipológica das Escrituras pelos pioneiros levou-os a concluir que o velho concerto era o tipo do novo concerto antitípico. A lei cerimonial dos tipos na dispensação do Velho Testamento sendo cumprida por Cristo, o antitipo, na dispensação do Novo Testamento, levou muitos dos pioneiros a concluir que o antigo concerto típico durante a dispensação do Velho Testamento foi cumprido pelo novo antítipo do concerto da dispensação do Novo Testamento.
A Bíblia foi dividida em VelhoTestamento e no Novo Testamento. A relação tipológica entre os sacrifícios e cerimônias da antiga dispensação, apontava para o sacrifício maior de Cristo apresentado na nova dispensação. Ellen White escreveu: "O Cristo tipificado na dispensação anterior é o Cristo revelado na dispensação do evangelho".5 Cristo uniu os dois testamentos. A promessa do Velho Testamento foi complementada pelo cumprimento do Novo Testamento. "Na vida e morte de Cristo, uma luz ilumina o passado, dando significado a toda a economia judaica, e fazendo da antiga e nova dispensações um todo completo".6 
Estas duas economias se comparam a Adão e Eva que foram "feitos à imagem de Deus". Só Adão não era a imagem de Deus. Eva sozinha não era a imagem de Deus. Adão e Eva juntos eram a imagem completa de Deus. O santuário do Velho Testamento, seus sacrifícios, o sacerdócio levítico e sua multidão de cerimônias tornaram-se obsoletas como formas obrigatórias de adoração pelo cumprimento do Novo Testamento em Cristo. No entanto, eles permaneceram uma luz do passado que foi tornada mais clara pela "vida e morte de Cristo". Estas duas economias da antiga e nova dispensações [pág. 5] eram sequenciais — a nova seguindo a antiga. Ambos foram uma revelação de Deus a respeito do evangelho.
Entretanto, houve outra compreensão igualmente bíblica do velho concerto e das novas dispensações do concerto. O velho e o novo concertos entendidos como uma experiência do coração era uma nuance que tinha sido negligenciada pelos primeiros pioneiros. Essas duas experiências do concerto  eram duas dispensações paralelas que se haviam manifestado simultaneamente no Velho Testamento e no Novo Testamento. O velho concerto e o novo concerto eram duas experiências separadas que, por assim dizer, corriam em duas faixas paralelas desde Caim e Abel até a marca da besta e o selo de Deus, como mencionado no livro de Apocalipse.
Sem dúvida, o foco dos pioneiros nas duas economias do Velho e do Novo Testamentos fez com que perdessem a dimensão bíblica do velho concerto e do novo concerto como duas experiências distintas do coração. O propósito desta exposição é demonstrar a partir da história adventista do sétimo dia como isso ocorreu.
Além disso, podemos ver que foi o propósito de Deus corrigir esse malentendido e chamar a atenção da igreja à luz sobre o velho concerto e o novo concerto como duas experiências diferentes do coração. Isso era essencial na medida em que o concerto eterno é a mensagem dos três anjos. A mensagem dos três anjos é a razão para a existência da Igreja Adventista do Sétimo Dia e sua missão.
Este dispensacionalismo tipológico do santuário do Velho Testamento e o antítipo do santuário celestial do Novo Testamento, juntamente com a teoria de duas leis, a lei cerimonial e a lei dos Dez Mandamentos, tornou-se a compreensão pioneira Adventista da Escritura com referência à dispensação do velho concerto antes da cruz e da dispensação do novo concerto após a cruz.
A história da interpretação da lei em Gálatas 3 pelos pioneiros é essencial para compreender a crise que confrontou a igreja na assembleia de Minneapolis de 1888. Antes de 1857, alguns pioneiros adventistas como J. N. Andrews entenderam a lei em Gálatas 3:24 como sendo os Dez Mandamentos.7 J. H. Waggoner (*pai de E. J. Waggoner) [pág. 6] manteve isso em seu livro A Lei de Deus.8 Stephen Pierce sustentou que a lei em Gálatas era "o sistema jurídico".9 Ao discutir o "aio” de Gálatas 3:24 Pierce explicou —
 ...não temos evidência que só a Lei Moral era o nosso aio para nos levar a Cristo. É verdade que é por esta Lei que temos o conhecimento do pecado; Mas como isso nos leva a Cristo somos incapazes de dizer. Foi pelo ministério desta Lei, ou pelos tipos e sombras cujo corpo é de Cristo, que os homens sob essa dispensação foram levados a Cristo, como é pelo ministério do evangelho, ou seus ensinamentos que os homens são levados a Cristo sob esta dispensação.10
Uma coisa é clara: Pierce entendeu que o "aio" de Gálatas 3:24 significava a lei dos tipos e sombras da velha dispensação que levava os homens a Cristo. Ele incluía a lei moral em todo esse sistema de lei, mas não podia dizer como a lei moral levava os homens a Cristo na velha dispensação. A ministração de todo o sistema de lei sob a antiga dispensação não era mais necessária com "a ministração do evangelho" ou seus ensinamentos para conduzir os homens a Cristo sob a nova dispensação. Pierce interpretou Gálatas 3:24 tipologicamente ao invés de uma descrição da experiência do coração. De fato, havia mais verdade a ser aprendida com Gálatas 3.
Como Uriah Smith mais tarde recordou esta discussão de três dias em Battle Creek, ele escreveu para W. A. ​​McCutchen:
O irmão. J. H. Waggoner tomou a posição (ou tinha tomado em seu livro) que a lei em Gálatas era a lei moral. O irmão Pierce argumentou que era o sistema jurídico, "incluindo a lei cerimonial". Eu era então muito jovem na verdade, e como essas reuniões eram novas para mim, eu, incluindo o irmão e a irmã White ficamos convencidos de que o irmão Pierce tinha a visão certa, e J. H. Waggoner estava errado. A irmã White pouco depois disto teve uma visão em que esta questão da lei foi mostrada a ela, e ela imediatamente escreveu J. H. Waggoner que sua posição sobre a lei estava errada, e o irmão Pierce estava certo. O Irmão Tiago White então tirou o livro do irmão Waggoner [pág.7] de circulação, pois todos nós então consideramos o assunto resolvido.11

               
Mais tarde, em 1887, Ellen White ficou frustrada ao tentar recordar o que lhe fora mostrado. Ela não conseguia se lembrar do que havia sido revelado em visão a respeito do livro de J. H. Waggoner sobre a lei:
Estou perturbada; não consigo me lembrar o que me foi mostrado em referência às duas leis. Eu não consigo me lembrar que o aviso e advertência mencionados tinham sido aqueles dados ao irmão J. H. Waggoner. Pode ser que fosse um cuidado para não tornar suas idéias proeminentes naquele tempo, pois havia um grande perigo de desunião.”12
                Ellen White iniciou uma pesquisa para este manuscrito, mas nunca foi encontrado. Havia várias ideias diferentes sobre a lei em Gálatas 3 entre os adventistas na década de 1850, e estabelecer uma ideia como principal tenderia à desunião.13
A referida visão de Ellen White sobre a lei em Gálatas, por volta de 1857, durante as discussões com J. H. Waggoner e Stephen Pierce, tornou-se a base para Uriah Smith e George I. Butler concluírem mais tarde, antes da assembleia de Minneapolis em 1888, que Gálatas 3 tratava exclusivamente da lei cerimonial.
               
Qual era a relação entre a cruz e e o velho e o novo concertos na teologia adventista do tempo dos pioneiros? Era melhor representada pela ilustração da cruz como a grande divisão entre a antiga dispensação e a nova dispensação, entre o velho e o novo concertos. Portanto, havia um dispensacionalismo tipológico adventista que via os concertos como condicionados principalmente por limites de tempo. As duas dispensações do velho e do novo concertos como duas experiências distintas do coração ainda não haviam sido descobertas pelos pioneiros adventistas.
Alberto Timm reconheceu essa característica da teologia adventista do concerto adventista. Ele escreveu:
Os concertos na Bíblia foram considerados como a base do relacionamento salvífico de Deus com Seu povo. A transição entre o velho e o novo concertos era vista como marcada pela [pág.8] morte do Filho de Deus como "o Mediador" (Heb. 9: 15-17), que O instalou como "o mensageiro" (Mal. 3: 1) e "o mediador" (Heb. 8: 6) do novo concerto.14
A observação de Timm estava certa.
Esse foi o ponto em que a teologia dos concertos na teologia adventista teve uma aparente convergência com os dispensacionalistas evangélicos que aboliram a lei moral com a morte de Cristo. Para os evangélicos, os dois concertos eram vistos como sequenciais e vinculados ao tempo. Por exemplo, um contemporâneo Batista, Robert Howell (1801-1868), escreveu:
 “... Eu vou oferecer apenas uma outra exposição dos "dois concertos", e que também servirá para mostrar a ab-rogação da lei, e o caráter independente e eficaz do evangelho. ...“Assim, vimos que o antigo concerto, ou lei, foi cumprido e substituído pelo novo concerto, ou evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.”15
                Aqui Howell usa o modelo dispensacionalista dos dois concertos para abolir a lei com o velho concerto e trazer o evangelho de Jesus Cristo como o novo concerto.
Este modelo tipológico adventista do velho concerto, sucedido pelo novo concerto, criou um problema para interpretar Gálatas 3, que tratava da experiência de coração do concerto eterno. Com o modelo tipológico dos dois concertos tendo natureza sequencial, se o "aio" era a lei moral, então os adventistas teriam de concordar com os antinomianos de que a lei moral foi abolida na cruz. No entanto, se o "aio" ou "lei ordenada” (*ou “lei acrescentada") representava a lei cerimonial instituída com o velho concerto, então foi abolida na cruz. Esta última visão era a interpretação preferida da lei em Gálatas 3 por alguns adventistas. Na década de 1850 havia uma diversidade de pontos de vista sobre este assunto dentro do pensamento adventista.

_____________________________

Notas Finais:



1) Esta frase não é usada em um sentido pejorativo. Ela expressa um aspect da verdade bíblica dos dois concertos;
2) Uriah Smith descreveu a teoria da lei única. "Enquanto a outra visão, que havia apenas uma lei anterior à morte de Cristo, que nessa ocasião fora abolida, tornando necessária uma nova ratificação para qualquer lei que temos desde então, é contrária aos princípios mais simples do governo de Deus, põe em confronto a Bíblia contra a Bíblia e é completamente execrável nas conclusões a que ela conduz." Uriah Smith, "As Duas Leis (Continuação)," Advent Review e Sabbath Herald de 16 de janeiro de 1883, pág. 40;
3) Uriah Smith, The Sanctuary and the Twenty-three Handred Days of Daniel VIII, 14 (O Santuário e os 2300 Dias de Daniel 8:14) (Battle Creek, Michigan: Steam Press of Seventh-day Adventist Publishing Association, 1877 (Steam Press da Associação de Publicação Adventista do Sétimo dia, 1877), pág. 181. Ênfase se do autor;
4) O antitipo de cada porção da lei cerimonial pode ser traçado na obra de Cristo, mas não assim com a lei moral." E. J. Waggoner, "O sábado do decálogo", The Signs of the Times de 13 de agosto de 1885, pág. 489;
5) Ellen G. White, “The Two Dispensations,” (As Duas Disensações The Review and Herald de 2 de March de 1886, paragrafo 3;
6) Idem, parágrafo 4;
7) Se a lei tivesse sido abolida na morte de Cristo, ela não poderia ter sido aio muitos anos depois para levar os gálatas a Cristo." J. N. Andrews, "Discussão com o Irmão Carver", Review And Herald de 16 de setembro de 1851, pág. 29. Além disso, "o ‘aio’ coloca diante dele as justas exigências da lei de Deus, e, como ele não consegue guardá-la,  com severidade implacável obriga-o a exclamar: ‘Miserável homem que eu sou’! (*Rom. 7:24) ... Ele agora está convencido de que não pode ser justificado pelas obras da lei, e, no seu desespero, ele voa para Jesus Cristo." J. N. Andrews," “The Perpetuity of the Law of God”  (A Perpetuidade da Lei de Deus") Review And Herald, janeiro de 1851, pág. 34. (*Nota: “aio”, em Gál. 3:24 e 25, Almeida Fiel é o: “pedagogo,” na Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas; “tutor,” na Nova Versão Internacional. Era um escravo que tinha por missão acompanhar o menino à escola. O menino sujeito à custódia do aio, mesmo tendo uma posição superior, por ser filho do Senhor, está de fato privado de liberdade, como se estivesse na prisão);
8) J. H. Waggoner, (*pai de E. J. Waggoner) The Law of God: An Examination of the Testimony of Both Testaments  (A lei de Deus: um Exame do Testemunho de ambos os Testamentos), Rochester, N. Y.: Escritório da revista Advent Review, 1854), pág. 81;
9) O Pr. Stephen Pierce, Resposta à pergunta do irmão Merriam a respeito da lei em Gálatas 3,” Review and Herald de 8 de outubro de 1857, pág. 180;
10) Idem, pág. 181;
11) Uriah Smith, carta a W. A. McCutchen, 8 de agosto de 1901, Manuscripts and Memories of Minneapolis (Manuscritos e Memórias de Minneapolis) Pacific Press Publishing Association, (Associação de Publicação do Pacífico) Boise, Idaho: 1988), pág. 305;
12) E. G. White, Carta a G. I. Butler e U. Smith, de 5 de abril de 1887, Basileia, Suiça. The Ellen G. White 1888 Materials (The Ellen G. White Estate: Washington, D. C.: 1987), pág. 32;
13) Tim Crosby, “Using the Law to No Profit,” (Usando a Lei Sem proveito)  Review and Herald 163, 20 (May 15, 1986), pág. 525;
14) Alberto Ronald Timm, “The Sanctuary and the Three Angels’ Messages,” (O Santuário e as Três Mensagens Angélicas, 1844-1863: Integrating Factors in the Development of Seventh-day Adventist Doctrines” (Fatores Integrantes no Desenvolvimento das Doutrinas da Igreja Adventista do Sétimo Dia) pág. 407. Enfase acrescida;
15) Robert Boyte C. Howell, The Covenants (Os Concertos) Sociedade Publicadora Batista do Sul: Charleston: 1855, págs. 104, 105.

_______________________________________