O CALVÁRIO NO SINAI
A LEI
E OS CONCERTOS
NA HISTÓRIA ADVENTISTA
DO 7º DIA
Por Paulo E. Penno Jr.
M. Div.
Andrews University
[pág. 3]
Capítulo 1
Os Concertos no Pensamento Adventista inicial
Os Concertos no Pensamento Adventista inicial
Muitos
dos pioneiros adventistas do sétimo dia do século XIX eram dispensacionalistas
do concerto tipológico,1 isto é,
criam que o novo concerto seguia sequencialmente o velho concerto após a cruz.
Além disso, os pioneiros tinham uma posição de duas leis. Os Dez Mandamentos
eram distintos das típicas leis cerimoniais. Por isso as leis cerimoniais que
foram ordenadas sob o velho concerto foram abolidas na cruz, enquanto os Dez
Mandamentos eram eternos.
Os
protestantes evangélicos (*dispencionalistas) se
opuseram à posição adventista do sétimo dia sobre a perpetuidade dos Dez
Mandamentos com uma teoria de uma só lei.2 Os
evangélicos alegaram que tanto as leis morais quanto as cerimoniais do Antigo
Testamento eram de origem mosaica. Eles sustentavam que a lei mosaica foi
abolida com o velho concerto na cruz.
Os
evangélicos também mantiveram um dispensacionalismo do concerto. Esse foi o
ponto de convergência entre os adventistas do sétimo dia e os evangélicos.
Neste ponto de convergência adventistas do sétimo dia inadvertidamente se
sugeitaram a uma questão crucial para os seus adversários.
Uriah
Smith escrevendo em 1877 expressou este dispensacionalismo do concerto no
contexto do ensino do santuário:
O
santuário do velho concerto deve manter a mesma relação com o santuário do novo
concerto, quanto o velho concerto com respeito ao novo ... Todos concordam que
eles se posicionam como tipo e antitipo. O primeiro era o tipo e a sombra; o
novo é o antitipo e substância. O santuário daquela dispensação era o tipo; O
santuário do novo concerto é o antitipo.3
A compreensão de Uriah Smith do
santuário terrestre típico era de que se associava ao velho concerto, enquando
o santuário celestial antitípico se
associava ao novo concerto. Isso o levou [pág.
4] a concluir que havia um antigo concerto sequencial: o
dispensacionalismo tipológico do novo concerto. O entendimento tipológico das
Escrituras pelos pioneiros os levou a concluir que o velho concerto era um tipo
do novo concerto.
E.
J. Waggoner observou esta tipologia bíblica do sistema cerimonial no Velho
Testamento. Ele viu que apontava para Cristo como um tipo do antitipo.4 Mas ele também observou uma dimensão experiencial em
que certos textos bíblicos distinguem entre o velho e novo concertos. Este
aspecto do ensino bíblico tinha sido negligenciado pelos pioneiros.
A
compreensão tipológica das Escrituras pelos pioneiros levou-os a concluir que o
velho concerto era o tipo do novo concerto antitípico. A lei cerimonial dos
tipos na dispensação do Velho Testamento sendo cumprida por Cristo, o antitipo,
na dispensação do Novo Testamento, levou muitos dos pioneiros a concluir que o
antigo concerto típico durante a dispensação do Velho Testamento foi cumprido
pelo novo antítipo do concerto da dispensação do Novo Testamento.
A
Bíblia foi dividida em VelhoTestamento e no Novo Testamento. A relação
tipológica entre os sacrifícios e cerimônias da antiga dispensação, apontava
para o sacrifício maior de Cristo apresentado na nova dispensação. Ellen White
escreveu: "O Cristo tipificado na dispensação anterior é o Cristo revelado
na dispensação do evangelho".5 Cristo
uniu os dois testamentos. A promessa do Velho Testamento foi complementada pelo
cumprimento do Novo Testamento. "Na vida e morte de Cristo, uma luz ilumina
o passado, dando significado a toda a economia judaica, e fazendo da antiga e
nova dispensações um todo completo".6
Estas
duas economias se comparam a Adão e Eva que foram "feitos à imagem de Deus". Só Adão não era a imagem de
Deus. Eva sozinha não era a imagem de Deus. Adão e Eva juntos eram a imagem
completa de Deus. O santuário do Velho Testamento, seus sacrifícios, o
sacerdócio levítico e sua multidão de cerimônias tornaram-se obsoletas como
formas obrigatórias de adoração pelo cumprimento do Novo Testamento em Cristo.
No entanto, eles permaneceram uma luz do passado que foi tornada mais clara
pela "vida e morte de Cristo". Estas duas economias da antiga e nova
dispensações [pág. 5] eram
sequenciais — a nova seguindo a antiga. Ambos foram uma revelação de Deus a
respeito do evangelho.
Entretanto,
houve outra compreensão igualmente bíblica do velho concerto e das novas
dispensações do concerto. O velho e o novo concertos entendidos como uma
experiência do coração era uma nuance que tinha sido negligenciada pelos
primeiros pioneiros. Essas duas experiências do concerto eram duas dispensações paralelas que se
haviam manifestado simultaneamente no Velho Testamento e no Novo Testamento. O
velho concerto e o novo concerto eram duas experiências separadas que, por
assim dizer, corriam em duas faixas paralelas desde Caim e Abel até a marca da
besta e o selo de Deus, como mencionado no livro de Apocalipse.
Sem
dúvida, o foco dos pioneiros nas duas economias do Velho e do Novo Testamentos
fez com que perdessem a dimensão bíblica do velho concerto e do novo concerto
como duas experiências distintas do coração. O propósito desta exposição é
demonstrar a partir da história adventista do sétimo dia como isso ocorreu.
Além
disso, podemos ver que foi o propósito de Deus corrigir esse malentendido e
chamar a atenção da igreja à luz sobre o velho concerto e o novo concerto como
duas experiências diferentes do coração. Isso era essencial na medida em que o
concerto eterno é a mensagem dos três anjos. A mensagem dos três anjos é a
razão para a existência da Igreja Adventista do Sétimo Dia e sua missão.
Este
dispensacionalismo tipológico do santuário do Velho Testamento e o antítipo do
santuário celestial do Novo Testamento, juntamente com a teoria de duas leis, a
lei cerimonial e a lei dos Dez Mandamentos, tornou-se a compreensão pioneira
Adventista da Escritura com referência à dispensação do velho concerto antes da
cruz e da dispensação do novo concerto após a cruz.
A
história da interpretação da lei em Gálatas 3 pelos pioneiros é essencial para
compreender a crise que confrontou a igreja na assembleia de Minneapolis de
1888. Antes de 1857, alguns pioneiros adventistas como J. N. Andrews entenderam
a lei em Gálatas 3:24 como sendo os Dez Mandamentos.7 J. H. Waggoner (*pai de E. J. Waggoner) [pág. 6] manteve isso em seu livro A Lei de Deus.8 Stephen
Pierce sustentou que a lei em Gálatas era "o sistema jurídico".9 Ao
discutir o "aio” de Gálatas 3:24 Pierce explicou —
“...não
temos evidência que só a Lei Moral era o nosso aio para nos levar a Cristo. É
verdade que é por esta Lei que temos o conhecimento do pecado; Mas como isso
nos leva a Cristo somos incapazes de dizer. Foi pelo ministério desta Lei, ou
pelos tipos e sombras cujo corpo é de Cristo, que os homens sob essa
dispensação foram levados a Cristo, como é pelo ministério do evangelho, ou
seus ensinamentos que os homens são levados a Cristo sob esta dispensação.10
Uma
coisa é clara: Pierce entendeu que o "aio" de Gálatas 3:24
significava a lei dos tipos e sombras da velha dispensação que levava os homens
a Cristo. Ele incluía a lei moral em todo esse sistema de lei, mas não podia
dizer como a lei moral levava os homens a Cristo na velha dispensação. A
ministração de todo o sistema de lei sob a antiga dispensação não era mais
necessária com "a ministração do evangelho" ou seus ensinamentos para
conduzir os homens a Cristo sob a nova dispensação. Pierce interpretou Gálatas
3:24 tipologicamente ao invés de uma descrição da experiência do coração. De
fato, havia mais verdade a ser aprendida com Gálatas 3.
Como
Uriah Smith mais tarde recordou esta discussão de três dias em Battle Creek,
ele escreveu para W. A. McCutchen:
O irmão. J. H. Waggoner tomou
a posição (ou tinha tomado em seu livro) que a lei em Gálatas era a
lei moral. O irmão Pierce argumentou que era o sistema jurídico,
"incluindo a lei cerimonial". Eu era então muito jovem na verdade, e
como essas reuniões eram novas para mim, eu, incluindo o irmão e a irmã White
ficamos convencidos de que o irmão Pierce tinha a visão certa, e J. H. Waggoner
estava errado. A irmã White pouco depois disto teve uma visão em que esta
questão da lei foi mostrada a ela, e ela imediatamente escreveu J. H. Waggoner
que sua posição sobre a lei estava errada, e o irmão Pierce estava certo. O
Irmão Tiago White então tirou o livro do irmão Waggoner [pág.7] de circulação, pois
todos nós então consideramos o assunto resolvido.11
Mais tarde, em 1887, Ellen White ficou frustrada ao tentar recordar o que lhe fora mostrado. Ela não conseguia se lembrar do que havia sido revelado em visão a respeito do livro de J. H. Waggoner sobre a lei:
“Estou
perturbada; não consigo me lembrar o que me foi mostrado em referência às duas
leis. Eu não consigo me lembrar que o aviso e advertência mencionados tinham
sido aqueles dados ao irmão J. H. Waggoner. Pode ser que fosse um cuidado para
não tornar suas idéias proeminentes naquele tempo, pois havia um grande perigo
de desunião.”12
Ellen
White iniciou uma pesquisa para este manuscrito, mas nunca foi encontrado.
Havia várias ideias diferentes sobre a lei em Gálatas 3 entre os adventistas na
década de 1850, e estabelecer uma ideia como principal tenderia à desunião.13
A
referida visão de Ellen White sobre a lei em Gálatas, por volta de 1857,
durante as discussões com J. H. Waggoner e Stephen Pierce, tornou-se a base
para Uriah Smith e George I. Butler concluírem mais tarde, antes da assembleia
de Minneapolis em 1888, que Gálatas 3 tratava exclusivamente da lei cerimonial.
Qual era a relação entre a cruz e e o velho e o novo concertos na teologia adventista do tempo dos pioneiros? Era melhor representada pela ilustração da cruz como a grande divisão entre a antiga dispensação e a nova dispensação, entre o velho e o novo concertos. Portanto, havia um dispensacionalismo tipológico adventista que via os concertos como condicionados principalmente por limites de tempo. As duas dispensações do velho e do novo concertos como duas experiências distintas do coração ainda não haviam sido descobertas pelos pioneiros adventistas.
Qual era a relação entre a cruz e e o velho e o novo concertos na teologia adventista do tempo dos pioneiros? Era melhor representada pela ilustração da cruz como a grande divisão entre a antiga dispensação e a nova dispensação, entre o velho e o novo concertos. Portanto, havia um dispensacionalismo tipológico adventista que via os concertos como condicionados principalmente por limites de tempo. As duas dispensações do velho e do novo concertos como duas experiências distintas do coração ainda não haviam sido descobertas pelos pioneiros adventistas.
Alberto
Timm reconheceu essa característica da teologia adventista do concerto
adventista. Ele
escreveu:
Os
concertos na Bíblia foram considerados como a base do relacionamento salvífico
de Deus com Seu povo. A transição entre o velho e o novo concertos era vista
como marcada pela [pág.8]
morte do Filho de Deus como "o Mediador" (Heb. 9: 15-17), que O
instalou como "o mensageiro" (Mal. 3: 1) e "o mediador"
(Heb. 8: 6) do novo concerto.14
A
observação de Timm estava certa.
Esse
foi o ponto em que a teologia dos concertos na teologia adventista teve uma
aparente convergência com os dispensacionalistas evangélicos que aboliram a lei
moral com a morte de Cristo. Para os evangélicos, os dois concertos eram vistos
como sequenciais e vinculados ao tempo. Por
exemplo, um contemporâneo Batista, Robert Howell (1801-1868), escreveu:
“... Eu vou
oferecer apenas uma outra exposição dos "dois concertos", e que
também servirá para mostrar a ab-rogação da lei, e o caráter independente e
eficaz do evangelho. ...“Assim, vimos que o antigo concerto, ou lei, foi
cumprido e substituído pelo novo concerto, ou evangelho de nosso Senhor Jesus
Cristo.”15
Aqui
Howell usa o modelo dispensacionalista dos dois concertos para abolir a lei com
o velho concerto e trazer o evangelho de Jesus Cristo como o novo concerto.
Este
modelo tipológico adventista do velho concerto, sucedido pelo novo concerto,
criou um problema para interpretar Gálatas 3, que tratava da experiência de
coração do concerto eterno. Com o modelo tipológico dos dois concertos tendo
natureza sequencial, se o "aio" era a lei moral, então os adventistas
teriam de concordar com os antinomianos de que a lei moral foi abolida na cruz.
No entanto, se o "aio" ou "lei ordenada” (*ou “lei acrescentada")
representava a lei cerimonial instituída com o velho concerto, então foi
abolida na cruz. Esta última visão era a interpretação preferida da lei em
Gálatas 3 por alguns adventistas. Na década de 1850 havia uma diversidade de
pontos de vista sobre este assunto dentro do pensamento adventista.
_____________________________
Notas Finais:
1) Esta frase não é usada em um sentido
pejorativo. Ela expressa um aspect da verdade bíblica dos dois concertos;
2) Uriah Smith
descreveu a teoria da lei única. "Enquanto a outra visão, que havia apenas
uma lei anterior à morte de Cristo, que nessa ocasião fora abolida, tornando
necessária uma nova ratificação para qualquer lei que temos desde então, é
contrária aos princípios mais simples do governo de Deus, põe em confronto a
Bíblia contra a Bíblia e é completamente execrável nas conclusões a que ela conduz." Uriah Smith, "As
Duas Leis (Continuação)," Advent
Review e Sabbath Herald de 16 de janeiro de 1883, pág. 40;
3) Uriah Smith, The Sanctuary and the
Twenty-three Handred Days of Daniel VIII, 14 (O Santuário e os 2300 Dias de
Daniel 8:14) (Battle Creek, Michigan: Steam Press of Seventh-day Adventist
Publishing Association, 1877 (Steam Press da Associação de Publicação
Adventista do Sétimo dia, 1877), pág. 181. Ênfase se do autor;
4) O antitipo de cada porção da lei cerimonial pode ser traçado na obra de
Cristo, mas não assim com a lei moral." E. J.
Waggoner, "O sábado do decálogo", The
Signs of the Times de 13 de agosto de 1885, pág. 489;
5) Ellen G. White, “The Two Dispensations,” (As Duas Disensações The Review and
Herald de 2 de March de 1886, paragrafo 3;
6) Idem, parágrafo 4;
7) Se a lei tivesse sido abolida na morte de Cristo, ela não poderia ter
sido aio muitos anos depois para levar os gálatas a Cristo." J. N.
Andrews, "Discussão com o Irmão Carver", Review And Herald de 16 de setembro de 1851, pág. 29. Além disso,
"o ‘aio’ coloca diante dele as justas exigências da lei de Deus, e, como
ele não consegue guardá-la, com
severidade implacável obriga-o a exclamar: ‘Miserável
homem que eu sou’! (*Rom. 7:24) ... Ele agora está convencido de que não
pode ser justificado pelas obras da lei, e, no seu desespero, ele voa para
Jesus Cristo." J. N. Andrews," “The Perpetuity of the Law of God” (A
Perpetuidade da Lei de Deus") Review
And Herald, janeiro de 1851, pág. 34. (*Nota: “aio”, em Gál. 3:24 e 25,
Almeida Fiel é o: “pedagogo,” na Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas;
“tutor,” na Nova Versão Internacional. Era um
escravo que tinha por missão acompanhar o menino à escola. O menino sujeito à
custódia do aio, mesmo tendo uma posição superior, por ser filho do Senhor,
está de fato privado de liberdade, como se estivesse na prisão);
8) J.
H. Waggoner, (*pai de E. J. Waggoner) The Law of God: An Examination of the
Testimony of Both Testaments (A lei de Deus: um Exame do
Testemunho de ambos os Testamentos), Rochester, N.
Y.: Escritório da revista Advent Review,
1854), pág. 81;
9) O Pr. Stephen Pierce, Resposta à
pergunta do irmão Merriam a respeito da lei em Gálatas 3,” Review and Herald
de 8 de outubro de 1857, pág. 180;
10) Idem, pág. 181;
11) Uriah Smith, carta a
W. A. McCutchen, 8 de agosto de 1901, Manuscripts and Memories of
Minneapolis (Manuscritos e
Memórias de Minneapolis) Pacific
Press Publishing Association, (Associação de Publicação do Pacífico) Boise,
Idaho: 1988), pág. 305;
12) E. G. White, Carta a G. I. Butler e U. Smith,
de 5 de abril de 1887, Basileia, Suiça. The Ellen G. White 1888 Materials (The Ellen G. White Estate:
Washington, D. C.: 1987), pág. 32;
13) Tim Crosby, “Using
the Law to No Profit,” (Usando a Lei Sem proveito) Review and Herald 163, 20 (May 15,
1986), pág. 525;
14) Alberto Ronald Timm, “The Sanctuary and the Three Angels’ Messages,” (O Santuário e as
Três Mensagens Angélicas, 1844-1863: Integrating Factors in the Development of
Seventh-day Adventist Doctrines” (Fatores Integrantes no Desenvolvimento das
Doutrinas da Igreja Adventista do Sétimo Dia) pág. 407. Enfase acrescida;
15) Robert Boyte C. Howell, The
Covenants (Os Concertos) Sociedade Publicadora Batista do Sul: Charleston:
1855, págs. 104, 105.
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