terça-feira, 1 de agosto de 2017

O CALVÁRIO NO SINAI - Capítulo 5, por Paulo E. Penno Jr., M. Div. Andrews University



O  CALVÁRIO  NO  SINAI


A  LEI  E  OS  CONCERTOS  NA  HISTÓRIA  ADVENTISTA  DO    DIA

Por Paulo E. Penno Jr.

M. Div.
Andrews University


[pág. 17] Capítulo 5, Waggoner falando sobre Gálatas

               
As lições da Escola Sabatina do 2º triestre de 1886 foram publicadas na revista O Instrutor da Juventude. De abril a julho de 1886, o tema foi sobre a lei. Estas lições foram escritas por E. J. Waggoner. O Pastor Butler escreveu a E. G. White sobre elas:
      “... O pastor Underwood e outros me contaram sobre o efeito dos artigos da revista Signs of the Times (Sinais dos Tempos) e as lições da Escola Sabatina, em várias localidades, e a Lei em Gálatas. As posições tomadas estão causando grande debate, e despertando um espírito de discussão e controvérsia e criando problemas.”1         
“Estas lições da Escola Sabatina foram montadas num formato de perguntas e respostas com um texto bíblico fornecendo a resposta. Wagoner perguntou

1. Do que Cristo nos redimiu? Gal. 3:13, primeira parte.
2. O que é guardar os mandamentos? 1ª João 5: 3.
3. Se guardar os mandamentos é amor, pode ser também a maldição de que Paulo fala?
4. A quem pertence a maldição da lei? Gal. 3:10 ...2
Através desta linha de questionamento, Waggoner identificou a lei em Gálatas 3 como os Dez Mandamentos. Em vista de que estas lições foram estudadas por toda a igreja, atingiram um público mais amplo do que os leitores da revista Signs of the Times (Sinais dos Tempos). Assim, isso provocou muita discussão e colocou o pastor Butler numa posição em que sentia que tinha que fazer alguma coisa.     Se alguma coisa fixou controvérsia com a nomeação de Waggone, foi uma série de nove artigos sobre a lei em Gálatas 3 que ele escreveu para a revista Signs of the Times (Sinais dos Tempos).3 Esta foi a primeira exposição abrangente que publicou sobre esse capítulo. Ele acreditava que a lei em Gálatas 3 era a lei moral. [pág.18] "Provavelmente não há nenhuma parte da Escritura que mais comumente se  supõe “dar ajuda e conforto” aos inimigos da lei de Deus, do que o terceiro capítulo de Gálatas".4 Mas ele assegurou aos seus leitores que se atentassem ao que diz, descobririam que era um forte baluarte em defesa da lei de Deus.
Abraão foi o pai de todos os fiéis crentes em Cristo. O apóstolo Paulo escreveu:
“Sabei, pois, que os que são de fé são os filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura, previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são de fé são benditos com o crente Abraão.”5
Em suas próprias palavras Waggoner explicou estes versos:
      Tendo mostrado que mesmo Abraão não foi justificado diante de Deus por suas próprias obras, Paulo mostra que a promessa não era para ninguém senão os filhos de Abraão; e como os filhos de Abraão são os únicos que têm a mesma fé que ele tinha, somente aqueles que são de fé podem receber a promessa.6
Então Waggoner cita Gálatas 3:10 que os pastores Butler, Canright e Smith aplicaram à lei cerimonial: "Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição, porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei para fazê-las". Ele colocou o dedo no apoio bíblico para identificar a lei aqui neste versículo. Waggoner explicou: "Estas palavras são citadas de Deuteronômio 27:26, e Jeremias 11:2-4, que em ambos os lugares têm referência inconfundível aos dez mandamentos".7
O apóstolo Paulo explicou a maldição da lei: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-Se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que a benção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito" (Gálatas 3:13, 14). A maldição da lei era sobre o pecado e a desobediência resultando na morte. Cristo foi feito uma maldição por nós para que, por meio da fé, recebêssemos a bênção de Abraão.
[pág.19] Waggoner estava plenamente consciente da posição controversa que estava tomando sobre a lei em Gálatas 3. Ele observou: "Já que alguns ... supuseram que o terceiro capítulo de Gálatas se refere principalmente à lei cerimonial, pode não ser errado mostrar brevemente por que é impossível que a lei cerimonial seja o sujeito da narrativa nesse capítulo".8
Primeiro, as ordenanças nunca condenaram ninguém. Elas ensinaram o evangelho na "Era Judaica". Segundo, nem nós, nem os gentios gálatas, poderíamos dizer que foram redimidos da lei cerimonial. Mas nós, gentios, estamos sob a condenação da lei moral e encerrados por ela. Ela expôs toda a humanidade como pecadores.9
O apóstolo Paulo explicou a relação entre a lei e a promessa: "Mas digo isto: Que tendo sido o concerto anteriormente confirmada por Deus em Cristo, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não o invalida, de forma a abolir a promessa" (Gálatas 3:17).
Waggoner apontou que a lei "era a base" ou "fundamento da promessa" ou "um dos termos do concerto". Sobre este ponto ele estava de acordo com outros escritores adventistas. Um pouco mais adiante disse: "Como os mandamentos eram a condição do concerto abraâmico, assim eles são parte do que é conhecido como ‘o segundo concerto’, que é em todos os aspectos o mesmo feito com Abraão. Veja Jer. 31:33, e Hebreus 8:10."10
A partir desses comentários podemos ver que Waggoner não entendeu o novo concerto como começando com o primeiro advento de Cristo. O novo concerto foi ratificado pelo sangue de Cristo. Mas "o concerto foi confirmado em Cristo a Abraão ... em antecipação" (*Gál. 3: 17, 6).
"Os mandamentos eram a condição do concerto abraâmico ... Cristo ensinou ... a obediência à lei ... Mateus 5: 17-19; 19:17 e Lucas 16:17.11
A exposição posterior de Waggoner tratava de Gálatas 3:15: "... Se a aliança de um homem for confirmada, ninguém a anula nem a acrescenta." Waggoner explicou: "É admitido, mesmo pelos antinomianos, que a lei de Deus estava em plena força até a morte de Cristo, e, portanto, Gálatas 3:15 deve convencê-los de que está em plena força agora".12 Assim, Waggoner não era um dispensacionalista do concerto nem um antinomista, embora concordasse com os antinomianos que a lei em Gálatas 3 era os Dez [pág.20] Mandamentos. Os antinomianos tentaram acabar com a lei porque eram dispensacionalistas do concerto.
Onde Waggoner realmente se distinguiu de seus contemporâneos adventistas estava em ver o concerto feito por Deus com Abraão como "em todos os aspectos" o novo concerto. O velho concerto, por outro lado, foi feito pela promessa de Israel a Deus como uma nação no Sinai. Pegando a fraseologia de Gálatas 3:17 Waggoner perguntou:
Qual foi o concerto que "foi confirmado perante de Deus em Cristo"? ...(*referindo-se aqui a Gál. 3:17)
         A promessa era que Abraão deveria ser "herdeiro do mundo" (Romanos 4:11), e que em sua descendência todas as nações seriam abençoadas. A condição era que ele deveria andar diante de Deus e ser perfeito, Gên. 17:1-8. Mas esse não foi um concerto tal como foi feito com os israelitas em Horebe. Esse não continha nenhuma referência a Cristo, e nenhuma provisão para o perdão dos pecados; o feito com Abraão foi confirmado "em Cristo" (Gálatas 3:17) e estabelecido, não na condição de que ele deveria ser justo por seus próprios esforços sem ajuda, mas sob a condição de ter a justiça da fé. Comparar Rom. 4:11 com 3:22-25. Isto naturalmente envolveu o perdão de seus pecados; e assim vemos que o concerto com Abraão (que é o referido neste capítulo) foi exatamente o mesmo que "o segundo concerto", feito conosco. O concero feito em Horebe, e chamado "o primeiro concerto", embora fosse posterior àquele feito com Abraão, era, como aprendemos antes, apenas com o propósito de mostrar ao povo a necessidade da ajuda prometida no abraâmico ou segundo concerto.13
Para Waggoner a condição do novo concerto dado a Abraão era a lei de Deus. A condição foi cumprida por Cristo que deu "a promessa do Espírito pela fé" (Gálatas 3:14). Havia apenas uma condição para a salvação. Waggoner disse: "A fé de Cristo é a única condição da salvação".14
Por que então a lei? Waggoner contemporizou a pergunta (*distraiu os oponentes com a pergunta). "Se somos salvos pela graça, que necessidade temos nós da lei?"15 O apóstolo Paulo respondeu: "Foi ordenada (*adicionada) por causa das transgressões, até [pág.21] que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um Medianeiro" (Gálatas 3:19).
Já havia registro de George Butler tratando com Ellen White sobre a lei "adicionada". Ele escrevera à Sra. White:
"Seria uma pílula muito amarga para muitos de nossos principais irmãos ser compelidos a ver a ideia ensinada em geral, de que a lei adicionada por causa da transgressão foi a própria lei moral".16
Ele acreditava que toda a igreja se venderia ao antinomianismo se a interpretação da lei cerimonial de Gálatas 3:19 fosse renunciada
A ideia de que a lei fosse "adicionada" soou como se acabasse de existir no Monte Sinai. Nenhum Adventista do Sétimo Dia respeitador da lei ouviria tal coisa. Eles acreditavam que a lei era co-existente com Deus. Não era de admirar, então, que Butler e outros considerassem a lei "adicionada" como o típico sistema de reparação (*a lei cerimonial) dada a Moisés.
Mas Waggoner apontou que as palavras "falada" ou "enfatizada" eram mais precisas do que a constante da Versão King James "acrescentada" (Gálatas 3:19). "Foi falada por causa da transgressão." Wagoner afirmou: "... a lei já existia e era conhecida pelo homem, embora apenas pela tradição, mas agora o Senhor a acrescentou em forma escrita".17
Uma passagem paralela à qual Waggoner se referiu foi Romanos 5:20: "Veio, porém a lei para que a ofensa abundasse". Waggoner explicou: "O 'entrar' da lei estava no Sinai. Por que ela entrou? — Para que a ofensa (pecado) que anteriormente existia podesse abundar."18 Este foi o primeiro uso que Lutero fez da lei. A lei foi registrada no Sinai para que reconhecessem sua total pecaminosidade. "...Era necessário que os homens vissem a verdadeira natureza do pecado, a fim de que pudessem buscar a graça que está em Cristo, a qual somente pode tirar o pecado".19
D. M. Canright representou os irmãos do Leste quando escreveu sobre a "lei adicionada".
...A segunda lei foi acrescentada para apontar para a semente prometida até que Ele viesse. ... Por que essa lei foi dada? . ... "Foi acrescentada por causa das transgressões, até que a semente venha". Então não era a lei moral; pois isso não [pág.22] aponta para Cristo, nem diz nada sobre a vinda da semente, enquanto a lei dos sacrifícios, dos tipos e das sombras, relaciona-se inteiramente com a semente prometida.20
Assim, Canright viu a lei em Gálatas 3 como a lei cerimonial. Além disso, ele interpretou a vinda da semente como sendo o primeiro advento de Cristo antecipado pelos sacrifícios e tipos. Ao fazer isso, negava a função da lei moral ao nos apontar para Cristo como o único meio de resolver o problema do pecado.
No entanto, Waggoner manteve em vista o alcance total da promessa de Deus a Abraão. A cruz era de importância estratégica na ratificação do concerto, mas seu cumprimento final não seria completo "... até que viesse a posteridade [a semente,  KJV]  a quem a promessa tinha sido feita ..." (Gálatas 3: 19).           
O que é a vinda da semente? Certamente, não em última análise, o primeiro advento de Cristo, Waggoner respondeu. Deus prometeu a Abraão: "E a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos" (Gênesis 22:17). Os inimigos de Cristo e Satanás não seriam removidos até a segunda vinda (Apocalipse 19: 11-21).21
O Apóstolo Paulo prosseguiu: "Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar" (Gálatas 3:23). Waggoner observou: "A ideia de escravidão está em toda parte ligada ao pecado. É um mestre cruel".22 A lei "mata" o seu violador. Ele foi mantido "em separado" (*protegido). A única maneira de escapar era "a fé" de Jesus que trouxe doce libertação da morte certa. Waggoner viu o movimento desta passagem em Gálatas 3 como descritivo da ação da lei sobre o coração do pecador individual. Ele não via esta passagem através do paradigma de um velho concerto tipológico sucedido pelo novo concerto dispensacionalístico; por mais bíblico que possa ser (ver, por exemplo, 2ª Coríntios 3; Hebreus 9: 1).
Waggoner assegurou que a lei não se referia às cerimônias porque nunca precederam a fé em Cristo. O pecador cria em Cristo primeiro como seu Salvador do pecado, e então pela fé em seu Substituto trazia o sacrifício prescrito. A lei cerimonial nunca deteve o pecador, mas era possível ser detido pela lei moral antes de levar o pecador à fé de Cristo.23
[pág.23] Em seguida, Waggoner deu atenção ao verso. "Portanto, a lei foi o nosso aio para nos levar a Cristo, para que fôssemos justificados pela fé" (Gálatas 3:24). Ele explicou: A lei serviu como um oficial correcional na prisão. Trancava seu violador. Além disso, a lei, sob a convicção do Espírito Santo, literalmente levava o pecador a Cristo. A lei cercava o pecador através da culpa pessoal. Não forneceu nenhum recurso para a liberdade. O pecador só aprendeu de Cristo, que era a encarnação perfeita da lei, como andar em retidão e consequente liberdade.
O apóstolo Paulo falou da vinda da "fé". “Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio” (Gálatas 3:25). Em Cristo jazia a lei perfeita da liberdade. O pecador perdoado andava livre nEle. Portanto, o crente não estava mais sob a lei, mas sob a graça. Ele caminhava em perfeita harmonia com a lei por causa de Cristo. Quando o pecador perdoado e purificado caminhava em harmonia com a lei por meio de Cristo, ele "não estava mais sob o aio". A lei não tinha nada contra quem estava em harmonia com ela.
Referindo-se à frase a "lei foi o nosso aio", Waggoner comentou:
O tempo passado só pode ser usado aqui por aqueles que vieram a Cristo e foram justificados pela fé, como Paulo mostra no versículo seguinte. Uma vez que a lei era o nosso aio para nos levar a Cristo, ainda deve ser o aio (tutor) para aqueles que não estão em Cristo, e deve manter essa função até que todo aquele que aceitar Cristo seja trazido a Ele. Portanto, o tempo de graça permanece. Mas a lei levítica perdeu a vigência há centenas de anos; portanto, não pode ser a lei aqui referida.24
Na visão de Waggoner, Gálatas 3:24 não era um texto dispensacionalista tipológico. Não diz que a lei foi abolida na cruz. O que Gálatas 3:24 diz foi que, para o cristão, a função da lei como um oficial correcional terminou quando ele foi libertado por Cristo, o Salvador do pecado. Assim, o "aio" tinha um papel na vida de cada pecador, independentemente de viver na antiga dispensação ou na nova dispensação.

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Notas Finais:


1) G. I. Butler, carta a Ellen G. White, de 23 de agosto de 1886, Mount Vernon, Ohio. Ênfase dele;
2) E. J. Waggoner, “Lição 13 da Escola Sabatina. Redimido da Maldição da Lei," Revista The Youth’s Instructor  (O Instrutor da Juventude) de 30 de junho de 1886, pág. 103;
3. Esta série decorreu de 8 de julho a 2 de setembro de 1886;         
4. E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 1” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 1.) Signs of the Times de 8 de julho de 1886, pág. 406;
5. Gálatas 3:7-9;
6) E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 1” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 1) Signs of the Times de 8 de julho de 1886, pág. 406;
7) Ibidem;
8. E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 9” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 9.) Signs of the Times  de 2 de setembro de 1886), pág. 534;
9) Ibidem;
10)  E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 2” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 2.) Signs of the Times de 15 de julho de 1886, pág. 423;
11) Ibidem;
12) Ibidem;
13) Ibidem;
14) E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 3” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 3.) Signs of the Times de 22 de julho de 1886, pág. 438;
15) Ibidem;
16) G. I. Butler, carta a Ellen G. White, de 20 de junho de 1886, Madison, Wisconsin;
17) Ibidem;
18) Ibidem;
19) Ibidem;
20) D. M. Canright, The Two Laws (As Duas Leis) Review and Herald, Battle Creek, Michigan: 1886, págs. 9, 10. Ênfase dele;
21) E. G. Waggoner, “Comments on Galatians 3. nº 4” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 4.) Signs of the Times  de julho de  29, 1886, pág. 454;
22. E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 8” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 8.) Signs of the Times  de 26 de agosto de 1886, pág. 518;
23) E. J. Wagoner, “Comments on Galatians 3. nº 9” (Comentário nº 3 sobre Gálatas 9.) Signs of the Times  de 2 de setembro de 1886, p. 534;
24) Ibidem.


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