domingo, 1 de agosto de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 16.

O Concerto Eterno, capítulo 16.
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As Promessas para Israel

“O Opróbrio de Cristo”

“Pela fé Moisés, sendo já homem, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que ter por um pouco de tempo o gozo do pecado, tendo por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito” (Heb. 11:24-26).

Aqui, muito positivamente, nos é dito que os tesouros do Egito eram o preço do pecado; que a recusa dos tesouros do Egito era a recusa de viver em pecado; que lançar a sorte ao lado dos israelitas seria sofrer o opróbrio de Cristo. Isso demonstra que Cristo era o verdadeiro Líder daquele povo, e que o que lhes havia sido prometido, e para o objetivo de o compartilharem, é que foram livrados do Egito, deles sendo somente mediante Ele, e isso também, mediante o desprezo de Cristo. Agora, o vitupério, ou, opróbrio de Cristo, é a cruz. Assim mais uma vez somos trazidos face a face com o fato de que a semente de Abraão—o verdadeiro Israel—são aqueles que são de Cristo mediante fé em Seu sangue.

Muito poucos param para pensar no que Moisés teve que deixar para trás por causa de Cristo. Ele era o filho adotivo da filha de Faraó, herdeiro do trono do Egito. Todos os tesouros do Egito estavam, portanto, sob o seu comando. Ele “foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios, e era poderoso em palavras e obras” (Atos 7:22). Um príncipe coroado, um erudito, um general e um orador, com toda perspectiva lisonjeira aberta perante ele, — mas renunciou (131) a tudo para lançar a sua sorte com uma classe desprezada de pessoas, por causa de Cristo.

Ele “recusou ser chamado filho da filha de Faraó”. Isso deixa implícito que ele foi instado a reter a sua posição. Foi em face de oposição que ele desistiu de suas perspectivas mundanas, e preferiu sofrer aflição com o povo de Deus. Nossa imaginação não pode superestimar o desprezo com que sua ação fora considerada, nem os gracejos de zombaria que lhe foram atribuídos, entre os quais, o de “tolo”, deve ter sido o mais suave. Quando pessoas nos dias de hoje são chamadas a aceitar uma verdade impopular, às expensas de sua posição, será bom que se lembrem do caso de Moisés.

O que o levou a fazer o “sacrifício”? Ele “tinha em vista a recompensa”.1 Não se tratou meramente de que ele sacrificou a presente posição na esperança de algo melhor no futuro. Não; ele obteve mais do que o equivalente ao seguir adiante. Considerou o opróbrio de Cristo, do qual tinha uma parcela cheia, como riqueza maior do que os tesouros do Egito. Isso mostra que conhecia ao Senhor. Ele entendeu o sacrifício de Cristo pelo homem, e simplesmente preferiu participar dele. Não poderia ter feito isto se não tivesse conhecido muito da alegria do Senhor. Isso somente poderia fortalecê-lo em tal situação. Provavelmente nenhum outro homem sacrificou tão grandes perspectivas mundanas pela causa de Cristo, e, portanto, podemos estar seguros de que Moisés teve tal conhecimento de Cristo e de Sua obra como poucos outros homens jamais tiveram. O passo que deu é evidência de que já conhecia muito do Senhor; a participação no opróbrio e sofrimentos de Cristo deve ter formado um elo de simpatia entre os dois.

Quando Moisés recusou ser chamado filho da filha de Faraó, ele o fez por causa de Cristo e do Evangelho. Mas o seu caso, à semelhança do de Jacó, bem como de muitos outros, mostra que os mais sinceros crentes muitas vezes têm muito a aprender. Deus chama homens para a Sua obra, não porque sejam perfeitos, mas a fim de que Ele lhes possa dar o treinamento necessário para isso. A princípio Moisés teve que aprender o que milhares de professos cristãos ainda não aprenderam nesta idade2. Ele teve que aprender que “a ira do homem não opera a justiça de Deus”. (Tiago 1:20).

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Ele teve que aprender que a causa de Deus nunca é levada avante pelos métodos humanos; que “as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus, para demolição de fortalezas; destruindo os conselhos, e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo” (II Cor. 10: 4 -5).

“E, quando ele completou quarenta anos, veio-lhe ao coração ir visitar seus irmãos, os filhos de Israel. E, vendo um deles sofrer injustamente, o defendeu, e vingou o ofendido, matando o egípcio. E ele cuidava que seus irmãos entenderiam que por mão dele Deus lhes havia de dar a liberdade; mas eles não entenderam. No dia seguinte apareceu-lhes quando brigavam, e quis levá-los à paz, dizendo: Homens, sois irmãos; por que vos agravais um ao outro? Mas o que fazia injustiça ao seu próximo o repeliu, dizendo: Quem te constituiu senhor e juiz sobre nós? Acaso queres tu matar-me como ontem mataste o egípcio? A esta palavra fugiu Moisés, e esteve como estrangeiro na terra de Madiã, onde gerou dois filhos” (Atos 7:23-29).

É verdade que o Senhor determinou que o povo de Israel fosse livrado pela mão de Moisés. Ele próprio sabia disso e imaginou que os seus irmãos haveriam de entender o assunto. Mas eles não compreenderam. Sua tentativa de livrá-los foi um triste fracasso, e a razão para a falha estava nele, tanto quanto neles. Não entenderam que Deus iria libertá-los pela Sua mão; ele entendera esse fato, porém não havia ainda aprendido o método. Supunha que a libertação deveria ser efetuada pela força; que sob o seu comando os filhos de Israel deveriam erguer-se e derrotar os seus opressores. Este, porém, não era o método divino. A libertação que Deus havia planejado para o Seu povo era de molde a não poder ser obtida por esforços humanos.

Por essa falha de Moisés aprendemos muito da natureza da obra que Deus Se propôs a cumprir pelos israelitas, e sobre a herança para a qual estava a ponto de conduzi-los. Se tivesse sido uma libertação da mera escravidão física que Ele lhes determinara, e se eles devessem ser conduzidos somente para uma herança terrena, temporal, (133) então poderia possivelmente ser realizada na maneira como Moisés a iniciou. Os israelitas eram numerosos, e sob o comando de Moisés poderiam ter vencido. Esta é a maneira pela qual posses terrenas são conseguidas. A história apresenta muitas ocasiões em que um pequeno povo desvencilhou-se do jugo de um poder maior. Mas Deus havia prometido a Abraão e a sua semente uma herança celestial, e não uma terrena, e, portanto, ela só poderia ser obtida mediante meios celestiais.

Dificuldades Trabalhistas e Seu Remédio

Na atualidade encontramos muitas das mesmas condições que prevaleciam no caso dos filhos de Israel. Certamente um sistema de trabalho duro existia naquele tempo, como também se tem visto desde então. Longas horas, trabalho duro, e pouco ou nenhum pagamento. O capital nunca oprimiu o trabalho mais do que naquele tempo, e o pensamento natural então, como agora, era o de que a única maneira de assegurar seus direitos era enfrentar força com força. Mas os métodos humanos não são como os divinos; e os modos divinos são os únicos corretos. Ninguém pode negar que os pobres são grosseiramente abusados e pisoteados; mas muito poucos desses se dispõem a aceitar o método divino de libertação. Ninguém pode descrever a opressão dos pobres pelos ricos melhor do que feito na Bíblia, pois Deus é o amigo dos pobres.

O Senhor Se preocupa com os pobres e aflitos. Ele Se identificou tão intimamente com eles que quem quer que dê algo a um pobre é considerado como emprestando ao Senhor. Jesus Cristo esteve nesta mundo como um homem pobre, de modo que “o que oprime ao pobre insulta ao seu Criador” (Prov. 14:31). “O Senhor ouve os necessitados” (Sal. 69:33). “Pois o necessitado não será esquecido para sempre, nem a esperança dos pobres será frustrada” (Sal. 9:18). “O Senhor sustentará a causa do oprimido, e o direito do necessitado” (Sal. 140:12). “Por causa da opressão dos pobres, e do gemido dos necessitados, levantar-Me-ei agora, diz o Senhor; porei em segurança quem por ela suspira” (Sal. 12:5). “Ó Senhor, quem é como Tu, que livras o pobre daquele que é mais forte do que ele? sim, o pobre e o necessitado, daquele que (134) o rouba” (Sal. 35:10). Com o onipotente Deus tão interessado em sua causa, que lástima que os pobres sejam tão mal aconselhados, e isso, também, tão freqüentemente, por professos ministros do Evangelho, na busca de reparar os seus próprios erros.

O Senhor declara: “Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, por vossas misérias que vos hão de vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama, e os clamores dos que ceifaram têm chegado aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações, como num dia da matança. Condenastes e matastes o justo; e ele não vos resistiu” (Tia. 5:1-6).

Esta é uma terrível reprovação contra os opressores dos pobres e daqueles que os tenham defraudado de seus devidos salários. É também uma promessa de julgamento certo contra eles. O Senhor ouve o clamor dos pobres, e Ele não Se esquece. Cada ato de opressão Ele considera como dirigido contra Ele próprio. Mas quando os pobres pretendem resolver as questões por suas próprias mãos, enfrentando monopólio com monopólio e força com força, colocam-se no mesmo nível dos opressores, e assim privam-se das boas providências de Deus a seu favor.

Aos ricos opressores Deus diz: “Tendes condenado e matado o justo, e ele não vos resistiu”. O mandamento: “Eu vos digo, não resistais ao mal”3 significa exatamente isso, e nada mais; e não é questão desatualizada. Aplica-se tanto a hoje quanto ao tempo de Cristo. O mundo não mudou em seu caráter; a cobiça dos homens é a mesma agora como então; e Deus é o mesmo. Os que acatam essa ordem Deus chama de “justo”. Os justos não revidam quando são injustamente condenados e defraudados, e mesmo mortos.

“Mas como pode jamais haver remédio para essas injustiças, se os pobres sofrem mesmo até a morte?” Ouçam mais o que o Senhor diz aos próprios pobres. Ele não Se envergonha de chamá-los de irmãos, e diz: “Portanto, irmãos, sede pacientes até a vinda do Senhor (135) Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba as primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes; fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima” (Tia. 5:7 - 8).

A vinda do Senhor é o tempo em que toda opressão cessará. O problema é que as pessoas, como Esaú, não têm fé nem paciência para esperar. Assim, uma lição é extraída do fazendeiro. Ele semeia a sua semente, e não se torna impaciente por não recolher a ceifa no mesmo dia. Ele tem longa paciência em esperar pelos frutos da Terra. “A ceifa é o fim do mundo” (Mat. 13:39). Então aqueles que confiaram a sua causa ao Senhor receberão ampla recompensa por sua confiança e paciência. Então será proclamada liberdade por toda a Terra, e a todos os seus habitantes.

O que torna conhecida essa libertação, e que mesmo agora concede a alegria dela, conquanto penosas provas oprimam, é o Evangelho de Jesus Cristo. Esse é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crer. Os mundanos e, triste como seja dizer, muitos que se apresentam como ministros do Evangelho, fazem pouco caso da pregação do Evangelho como remédio para os problemas trabalhistas da atualidade. Porém as questões trabalhistas de hoje não são maiores do que as dos dias de Moisés; e a proclamação do Evangelho foi o único meio que Deus então aprovou e empregou para sua melhoria. Quando Cristo veio, a mais forte prova da divindade de Sua missão foi que o Evangelho foi pregado aos pobres. Mat. 11:5. Ele conhecia as necessidades dos pobres como ninguém jamais o havia feito, e Seu remédio foi o Evangelho. Há possibilidades no Evangelho sobre que raramente se tem ainda sonhado. Somente o correto entendimento da herança que o Evangelho promete pode tornar o homem paciente sob a opressão terrena.

The Present Truth, 20 de agosto de 1896.

Notas desta edição:

1) Hebreus 11:26, ú. p. O SDABC (Comentário Bíblico), vol. 7, pág. 476 diz: “tinha em vista’ = seus olhos estavam fixos sobre as promessas e privilégios do relacionamento do concerto. . . . Moisés voluntariamente trocou a impressiva, mas espalhafatosa glória e poder do presente, pelos menos óbvios, mesmo invisíveis, promessas e privilégios do concerto”, . . . “A mais remota recompensa, uma que poderia ser vista somente com os olhos da fé, apelou mais fortemente a Moisés do que a mais imediata recompensa material que acompanhava o trono do Egito.” Grifamos;

2) A que idade Waggoner se refere aqui? “Considerando as circunstâncias da fuga de Moisés do Egito para Madiã, com a idade de 40 anos, alguns têm entendido que a partida referida em Hebreus 11:27 trata-se do Êxodo, à idade de 80 anos. . . . Da narrativa de Êxodo 2:11-15, e do que o Senhor lhe noticiou aos 80 anos em Madiã, Ex. 4:19, parece que temor por sua segurança pessoal teve grande parte na decisão de fugir do Egito aos 40 anos de idade. Entretanto, primordialmente em sua mente, estava a sorte do seu povo e o destino profetizado para eles pela promessa a Abrahão. Ao assassinar o feitor egípcio “ele cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar a liberdade pela sua mão; mas eles não entenderam” (Atos 7:25). De fato, foi esta abortiva tentativa para iniciar uma série de eventos, que ele esperava levaria à libertação deles, que fez sua fuga necessária. . . . Mesmo antes do incidente com o capataz egípcio, requereu grande fé crer que as promessas do concerto se cumpririam ante a circunstância de 400 anos de escravidão do seu povo. Agora que um erro de julgamento o banira do Egito completamente, Moisés deve ter precisado muito maior fé para acreditar no seu cumprimento. Como poderia um solitário exilado em Madiã, cuja morte tinha sido decretada por um edito imperial, esperar libertar escravos de um monarca que procurava tirar-lhe a vida? Nada poderia parecer mais impossível! Aqui estava uma inigualável oportunidade para o exercício da fé!”, SDABC, vol. 7, págs. 476 e 477. Os grifos são dos editores desta edição;

3) Mateus 5:39. “Não resistais ao homem mau” (adjetivo), Almeida contemporânea. “Não resistais ao mal” (substantivo), Almeida fiel. “Esta última parece ser a forma indicada. Ela inclui o mal feito a uma pessoa e o mal feito por uma pessoa. O cristão não retribuirá violência com violência. Ele “vence o mal com o bem”, Romanos 12:21, e “amontoa brasas” sobre a cabeça do inimigo que lhe prejudica”, Prov. 25: 21 e 22”, SDABC, vol. 5, pág. 339. (“Amontoar brasas” aí é pagar o mal com o bem, deixando o inimigo desconcertado e envergonhado)

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