domingo, 22 de agosto de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 37

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As Promessas Para Israel

Israel, Um Povo Missionário.

Quando Deus enviou Moisés para tirar Israel do Egito, Sua mensagem a Faraó foi, “Israel é Meu filho, Meu primogênito; e Eu te tenho dito: Deixa ir o Meu filho, para que Me sirva” (Êxo. 4: 22, 23); e Ele os tirou de lá e deu-lhes as terras dos ímpios, “para que guardassem os Seus preceitos, e observassem as Suas leis” (Sal. 105:44, 45. A grande vantagem dos judeus sobre os outros povos era que “a eles foram confiados os oráculos de Deus” 1 (Rom. 3:1, 2, KJV). Na verdade, eles não receberam aqueles “oráculos vivos” em todo o seu poder vital para que assim tivessem uma vantagem infinitamente maior; mas essa não era falta de Deus, e agora não estamos considerando o que Israel realmente tinha e era, mas o que poderia ter possuído, e o que devia ter sido.

Duas coisas sempre foram verdadeiras, quais sejam, que “nenhum de nós vive para si” (*Rom. 14:7), e que “Deus não faz acepção de pessoas” (*Atos 10:34); e essas duas verdades combinadas formam uma terceira, qual seja, que quando quer que Deus concede qualquer dom ou vantagem para alguém é com o fito de que possa usar tal pessoa para o benefício de outras. Deus não concede bênçãos sobre uma pessoa ou um povo que não deseje que todos as tenham. Quando Ele prometeu uma bênção a Abraão, foi a fim de que ele pudesse ser uma bênção, de que, nele, todos os povos da Terra pudessem ser abençoados. Foi na linha da promessa a Abraão que Deus libertou a Israel. Portanto, ao dar-lhes a vantagem de possuir Sua lei, foi (270) para que tornasse conhecida aos outros povos essa inestimável vantagem, de modo que outros povos também pudessem compartilhá-la.

O propósito de Deus era de que o Seu nome fosse tornado conhecido em toda a Terra, Êxo. 9:14. Seu desejo de que todos os povos O conhecesse era tão grande quanto o de que os filhos de Israel O conhecessem. Conhecer o Deus verdadeiro é vida eterna, João 17:3); portanto ao revelar-Se a Israel, Deus lhes estava mostrando o caminho da vida eterna, ou o Evangelho, a fim de que pudessem proclamar o mesmo Evangelho a outros. A razão por que Ele Se fez conhecer a Israel primeiro foi porque estavam, por assim dizer, mais próximos e disponíveis a Ele do que outros povos. A lembrança dos tratos de Deus para com Abraão, Isaque, Jacó e José e a fé deles era preservada entre os judeus, assim tornando-os mais acessíveis. Deus os escolheu, não porque os amasse mais do que os demais, mas porque amava todos os homens e desejava fazer-Se conhecer a eles mediante os agentes que Lhe estavam mais próximos em disponibilidade. A noção de que Deus sempre foi exclusivo, e que sempre limitou Suas misericórdias e verdade a um povo especial, é extremamente desrespeitosa a Seu caráter. Ele nunca deixou os pagãos sem testemunho de Si, e onde quer que pudesse encontrar um homem ou povo que consentisse em ser usado, Ele imediatamente o alistava a Seu serviço, para promover uma revelação mais completa dEle.

Efeito da Proclamação do Evangelho no Egito

O Evangelho é o poder de Deus para a salvação, e uma vez que o poder grandioso de Deus foi revelado na salvação de Israel do Egito, é evidente que o Evangelho foi proclamado naquela ocasião, como nunca antes havia sido. O efeito dessa proclamação é mostrado pelas palavras de uma mulher pagã, a prostituta Raabe. Quando os dois espias foram à sua casa em Jericó, ela os escondeu e lhes disse:—

“Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor de vós caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desfalecidos diante de vós. Porque temos ouvido como o Senhor secou as águas do Mar Vermelho para vós, quando viestes do Egito, e o que (271) fizestes aos dois reis dos amorreus, a Siom e a Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes totalmente. E tão logo ouvimos estas coisas, derreteu-se o nosso coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por vossa causa; porque o Senhor vosso Deus é Deus em cima no céu e embaixo na terra” (Josué 2:9-11, KJV). Daí ela implorou a promessa de libertação e a obteve.

“Pela fé Raabe, a meretriz, não pereceu com os desobedientes, acolhendo em paz os espias” (Heb. 11:31). O que se deu com ela poderia ter sido a sorte de todos os demais residentes de Jericó, no caso de que exercessem a mesma fé como ela. Tinham ouvido as mesmas coisas que ela, e sabiam como fato comprovado, tal como ela, que “o Senhor vosso Deus é Deus em cima no céu e em baixo na terra”2. Mas conhecimento não é fé. Os demônios sabem que há um Deus, mas não possuem fé. Raabe estava disposta a submeter-se às exigências de Deus e viver como integrante de Seu povo, enquanto seus concidadãos não estavam. No seu caso vemos a evidência de que Deus salva as pessoas, não porque sejam boas, mas porque estão dispostas a serem tornadas boas. Jesus é enviado para nos abençoar, desviando-nos de nossas iniquidades. Aquela pobre mulher pagã de vida irregular, que podia proferir uma mentira do modo mais natural, sem qualquer consciência de culpa, tinha uma mui débil ideia da diferença entre o certo e o errado; contudo, Deus reconheceu-a como integrante de Seu povo porque não se desviou da luz, mas caminhou nela ao esta alcançá-la. Ela creu para a salvação de sua alma. Sua fé soergueu-a de seu meio-ambiente pecaminoso e a estabeleceu no caminho do conhecimento; e nenhuma evidência mais forte pode ser encontrada de que Cristo não Se envergonha em reconhecer até mesmo pagãos como Seus irmãos do que o fato de Ele não se envergonhar em ter um deles, uma prostituta, registrada no rol de Seus ancestrais segundo a carne.

A Solicitude de Deus por Todos os Homens

Mas a questão especial nesta referência a Raabe é que Deus não Se limitava ao povo hebreu. Onde quer que houvesse um (272) habitante de Canaã, disposto a reconhecê-Lo, nesse momento ele seria alistado entre o povo de Deus. Essa lição não é meramente teórica, mas o ponto a destacar é que a promessa a Abraão incluía todo o mundo, não meramente a descendência de Jacó. Este é fato consolador e inspirador que nos mostra quão longânimo é o Senhor, “não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se” (2ª Ped. 3:9). Mostra-nos quão rapidamente Deus Se vale da mais leve inclinação em procurá-Lo, e usa isso como um meio para atrair a alma errante para mais perto. Ele suavemente sopra sobre a mais débil brasa para que seja possível transformar-se numa forte chama. Seu ouvido está continuamente voltado à Terra, alerta para captar o mais débil sussurro de modo que o mais fraco clamor, sim, o primeiro impulso para chamar, desde o mais profundo abismo, seja instantaneamente ouvido e respondido.

Sacerdotes de Deus

Que o desígnio de Deus para Israel era de que proclamassem o Evangelho a todo o mundo, é visto no fato de que se permanecessem no Seu concerto, seriam um reino de sacerdotes. Todos deviam ser sacerdotes de Deus. Agora, a obra de um sacerdote é assim definida em Malaquias 3:5-7, onde Deus diz de Levi: --

“Meu concerto com ele foi de vida e de paz; e Eu lhas dei para que Me temesse; e ele Me temeu, e assombrou-se por causa do Meu nome. A lei da verdade esteve na sua boca, e a iniquidade não se achou nos seus lábios; ele andou Comigo em paz e em retidão, e da iniquidade converteu a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens buscar a lei, porque ele é o mensageiro do Senhor dos exércitos” (Mal. 2:5-7).

Desviar os homens da iniquidade é a obra de Cristo mediante a Sua ressurreição; portanto a obra do verdadeiro sacerdote é simplesmente pregar o Evangelho—proclamar a lei viva no Salvador vivo que é perfeito, convertendo a alma. Mas uma vez que todos os filhos de Israel deviam ser sacerdotes, e, portanto, bem familiarizados com a lei, é evidente (273) que deviam ser sacerdotes em favor de outros. Se tivessem aceito a proposta de Deus, e se contentado em permanecer em Seu concerto, em lugar de insistir num de sua própria criação, não teria havido necessidade de qualquer sacerdócio para fazer a lei de verdade e paz conhecida deles; todos teriam conhecido a verdade, e, consequentemente, seriam todos livres; mas o ofício de um sacerdote é ensinar a lei, e, portanto, é confirmado que o propósito divino, em trazer Israel para fora do Egito, foi enviá-los por todo o mundo pregando o Evangelho.

Que tarefa fácil e rápida isso lhes teria sido, respaldada pelo poder de Deus. A fama do que Deus havia feito no Egito lhes havia precedido, e ao prosseguirem com o mesmo poder, poderiam pregar o Evangelho em sua plenitude a pessoas já preparadas para aceitá-lo ou rejeitá-lo. Deixando suas esposas e filhos menores a salvo na terra de Canaã, e indo de dois em dois, como Jesus posteriormente enviou os Seus discípulos, em pouco tempo teriam levado o Evangelho às partes mais remotas da Terra. Supondo-se que inimigos tentassem opor-se a seu progresso, um poderia pôr a correr um milhar, e dois poriam em fuga dez milhares. Isto é, o poder da presença de Deus com qualquer dois deles os poriam aos olhos de seus inimigos iguais a dez mil homens, e nenhum ousaria atacá-los. Assim haveriam de ir adiante com sua designada obra de pregar o Evangelho, sem temor de serem molestados. O terror que a sua presença inspiraria nos opositores mostra o poder que a mensagem que proclamavam teria sobre corações abertos e prontos a receber a verdade.

Ao avançarem assim revestidos com o pleno poder de Deus, o terreno não precisaria ser percorrido uma segunda vez. Todos quantos ouvissem imediatamente tomariam posição, seja contra ou a favor da verdade; e essa decisão haveria de ser final, uma vez que quando alguém rejeita o Evangelho quando proclamado em sua inteireza, ou seja, com o absoluto poder de Deus, nada mais há que possa ser feito por ele, pois não há maior poder do que o de Deus. Assim, poucos anos, ou possivelmente meses, após a travessia do Jordão, seriam suficientes para a pregação do Evangelho do reino em todo o mundo como testemunho a todas as nações.

(274) Evidência da Imparcialidade de Deus

Mas Israel não cumpriu a sua elevada vocação. A descrença e confiança própria privaram-nos do prestígio com que entraram na terra prometida. Não permitiram que a sua luz brilhasse, e assim com o tempo a perderam. Contentaram-se em colonizar Canaã, em vez de possuírem a Terra toda. Presumiram que a luz que Deus lhes havia dado devia-se ao fato de que Ele os amava mais do que o fazia a outros, e assim tornaram-se arrogantes e desprezaram os demais povos. Não obstante, Deus não deixou de indicar-lhes de que deviam ser a luz do mundo. A história dos judeus, em vez de revelar que Deus Se limitou a eles, mostra que estava continuamente tentando usá-los para tornar o Seu nome conhecido a outros. Vejam o relato de Naamã, o sírio, que foi enviado ao rei de Israel para ser curado de sua lepra. Vejam o caso da viúva de Sarepta, a quem Elias foi enviado. A rainha de Sabá veio de longe para ouvir a sabedoria de Salomão. Jonas foi enviado, muito contra a sua vontade, para advertir os ninivitas, que se arrependerem ante a sua pregação. Leia as profecias de Isaías, Jeremias e Ezequiel, e perceberão quão frequentemente apelo é feito às várias nações. Todas essas coisas mostram que Deus não era então, mais do que agora, o Deus dos judeus somente, mas também dos gentios. Ao final, quando Israel tinha totalmente recusado cumprir a missão à qual Deus os havia chamado, Ele os enviou em cativeiro para que assim os pagãos pudessem receber algum conhecimento Dele, que não compartilharam voluntariamente. Ali algumas poucas almas fiéis foram o meio de levar a verdade claramente perante o ímpio rei Nabucodonosor, que no devido tempo humildemente reconheceu a Deus, e publicou sua confissão de fé para toda a Terra. O rei Ciro também, e outros reis persas, em proclamações reais tornaram conhecido o nome do único e verdadeiro Deus por todo o mundo.

Reunindo Num Rebanho

Assim vemos que nada havia que Deus mais desejasse do que a salvação dos pagãos ao redor dos hebreus, e não só daqueles (275) mais próximos, como também dos mais distantes, pois as promessas não eram feitas somente aos hebreus e seus filhos, mas a todos os que estivessem “distantes”. Ver Atos 2:39; Isa. 57:19. Que Deus não faz diferença entre judeus e gentios é visto no fato de que Abraão, o cabeça da raça hebraica, era, ele próprio, um gentio, e recebeu a garantia de aceitação por Deus enquanto ainda incircunciso, “a fim de que fosse pai de todos os que crêem, embora não fossem circuncidados; a fim de que a justiça fosse imputada e eles também” (Rom. 4:11, 12, KJV). Deus sempre esteve tão pronto a aceitar pessoas dentre os pagãos, como quando chamou Abraão dentre eles. Quando Cristo veio, Ele declarou que tinha sido enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel, e mesmo enquanto dizia isso, mostrava quem eram as ovelhas perdidas da casa de Israel, ao conceder cura a uma mulher pagã crente. Mat. 15.

O que Cristo fez pela mulher cananéia, estava igualmente pronto e ansioso para fazer por todo habitante crente de Canaã e do mundo inteiro, nos dias de Josué. Todos quantos não se apegassem teimosamente a seus ídolos deviam ser reunidos ao rebanho de Israel, até que houvesse somente um rebanho sob Um Pastor. Havia salvação para todos quantos a aceitassem, mas, mas tinham que tornar-se israelitas de fato.

Israel Devia Ser Separada

Foi por essa razão que os israelitas foram proibidos de estabelecer qualquer acordo com os habitantes da terra. Uma aliança implica em semelhança, igualdade e união de dois poderes semelhantes. Mas Israel, quando autêntico a seu chamado, nada tinha em comum com os habitantes da terra. Devia ser um povo separado, e isso unicamente por causa da presença santificadora do Senhor. Quando Deus disse a Moisés, “Irá a Minha presença contigo, para ti fazer descansar”, Moisés respondeu: “Se Tu mesmo não fores conosco, não nos faças subir daqui. Como, pois, se saberá agora que tenho achado graça aos Teus olhos, eu e o Teu povo? Acaso não é por andares Tu conosco, de modo a sermos separados, (276) eu e o Teu povo, de todos os povos que há sobre a face da terra”. Êxo. 33:14-16. Fazer uma aliança com as nações ao seu redor seria estar unido a eles, e isso significava separação da presença de Deus. A presença de Deus era algo que faria e manteria o povo de Israel separado das nações, e Sua presença não podia ter qualquer outro efeito além disso. A presença de Deus fará a mesma coisa nestes dias, pois Ele não muda. Portanto, se alguém disser que não é necessário que o povo de Deus seja separado das nações, estará realmente dizendo que não é necessário que contem com a presença de Deus.

O mesmo princípio estava envolvido quando o povo desejou um rei. Leiam o relato em 1ª Samuel 8. o povo disse a Samuel, “Constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós para que nos julgue, como o têm todas as nações” (vs.5). Este fato desagradou a Samuel e, sem dúvida, feriu os seus sentimentos, mas o povo insistia, “constitui-nos um rei para nos julgar”. Então o Senhor disse a Samuel, “Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti que têm rejeitado, porém a Mim, para que Eu não reine sobre eles. Conforme todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até o dia de hoje, a mim Me deixaram e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti” (vs. 7 e 8). Então Samuel, sob as ordens do Senhor, apresentou perante o povo alguns dos males que resultariam de terem um rei; mas eles recusaram ser persuadidos declarando: “Não, mas haverá sobre nós um rei, e nós também seremos como todas as outras nações” (vs. 19 e 20).

Na Bíblia as “nações” são pagãs. A palavra hebraica que é muitas vezes vertida por “nações” é idêntica à palavra da qual deriva o termo “pagãos”. Talvez Sal. 96:5 torne a questão tão clara quanto possa ser para o leitor do texto em português: “Porque todos os deuses dos povos são ídolos; mas o Senhor fez os céus”. Aqui é por demais evidente que as “nações” são pagãs. No Sal. 2:1, onde lemos, “Por que se amotinam os gentios e os povos imaginam coisas vãs?” A Almeida Contemporânea colocou “Por que conspiram as nações e os povos imaginam coisas vãs?” Tal ideia como de uma “nação cristã” é uma total contradição, como seria “cristão pagão” ou um “cristão pecador”. Uma “nação” no emprego divino do termo, quando falando das nações terrenas, é um conjunto (277) de pagãos. Assim, o que os hebreus realmente disseram foi isto: “Teremos um rei sobre nós para que também sejamos semelhantes aos pagãos”. Isso era o que desejavam porque todos os outros povos reconheciam outros deuses diversos de Jeová, e todos os povos sobre a Terra, com exceção de Israel, tinham reis sobre eles. A Bíblia em dinamarquês assim reza claramente em 1ª Sam. 8:20: “Seremos também como todos os pagãos”.

O plano de Deus para Israel era de que não fosse uma nação. Estamos acostumados a ver o que era, como se fosse o que devia ter sido, esquecendo-nos de que desde o primeiro até o último em Israel recusou, em maior ou menor extensão, caminhar no conselho de Deus. Vemos o povo hebreu com juízes, e oficiais, e toda a parafernália de governo civil; mas devemos nos lembrar que o concerto de Deus provia algo bem diferente, que, em razão da descrença, nunca perceberam plenamente.

Israel, a Igreja de Cristo

A palavra “igreja” é de uso muito comum, contudo talvez, comparativamente, poucos daqueles que a empregam percebem que deriva de um termo grego que significa “chamado para fora”, e isso se aplica a Israel mais do que a qualquer outro povo. Eles constituíam a Igreja de Deus; haviam sido chamados para fora do Egito. No Velho Testamento eram referidos como “a congregação”, ou seja, aqueles que se reuniam ou se agrupavam, pois formavam o rebanho do Senhor, do qual Ele era o Pastor. Deus é conhecido como o “Pastor de Israel”. Sal. 80:1. Ver também Sal. 23:1. Assim, a Igreja nos últimos dias é chamada de rebanho de Deus. Atos 20:28. Estêvão, na sua fala perante o Sinédrio, falou de Israel como “congregação no deserto” (Atos 7:38).

Há somente uma igreja, pois a igreja é o corpo de Cristo, Efé. 1:19-23, e há somente um corpo, Efé. 4:4. A única igreja é composta daqueles que ouvem e seguem a voz de Cristo, pois Cristo diz: “As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz”, “e Me seguem” (João 10:27). Essa igreja no deserto é, pois, idêntica à verdadeira igreja de Cristo em todas as épocas. Isso é mais claramente demonstrado em Heb. 3:2-6. Ao lerem a passagem lembrem-se que “a casa de Deus” é “a igreja do (278) Deus vivo” (1ª Tim. 3:15). Agora, o texto diz que Cristo foi fiel na casa de Deus, tal como Moisés o foi. Moisés foi fiel na casa de Deus como um servo, e Cristo como um Filho sobre a mesma casa, “a qual casa somos nós, se tão-somente conservarmos firmes a confiança e a glória da esperança até o fim” (Heb. 3:6). Jesus foi chamado para fora do Egito, como está escrito, “Do Egito chamei o Meu Filho” (Mat. 2:15). Ele era o Cabeça e Líder da hoste que saiu com Moisés, 1ª Cor. 10:1-10. Cristo e Moisés, portanto, estão no mesmo companheirismo e comunhão, e quem quer que seja participante de Cristo, deve reconhecer a Moisés como um irmão no Senhor.

Esses fatos são de grande importância, uma vez que ao aprendermos sobre o plano de Deus para Israel, apreendemos o verdadeiro modelo para a igreja de Deus em todas as eras, mesmo até o fim. Podemos não citar indiscriminadamente o que Israel fez, como autoridade pelo que devemos fazer, uma vez que muitas vezes se rebelaram contra Deus e sua história é mais um registro de apostasia do que de fé; mas podemos e devemos estudar as promessas e reprovações de Deus a eles, pois o que Ele tinha para eles também tem para nós.

A Igreja Sendo o Reino

O povo de Israel constituía um reino desde o início dos séculos antes de Saul ter sido constituído sobre o mesmo; pois a igreja de Deus é o Seu reino, e Seus súditos são todos os Seus filhos. A “família de Deus” (Efé. 2:19) é a “comunidade de Israel” (Vs. 12). Cristo, com o Pai, assenta-Se sobre o “trono da graça”, e a verdadeira igreja O reconhece, e a Ele somente, como Senhor. O apóstolo João, escrevendo à Igreja, assina como “vosso irmão, e companheiro na tribulação, no reino e na paciência de Jesus Cristo” (Apoc. 1:9, KJV). Cristo declarou-Se um Rei, o próprio Rei dos judeus, Mat. 27:11, e recebeu homenagem como “Rei de Israel,” João 1:49. Mas conquanto reivindicando ser rei, Jesus declarou: “O Meu reino não é deste mundo; se o Meu reino fosse deste mundo, pelejariam os Meus servos, para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o Meu reino não é daqui” (João 18:36). Tal como o reino de Cristo (279) não é deste mundo, assim, Sua igreja, Seu corpo, o povo ao qual Ele tem escolhido e chamado do mundo, não deve tomar parte do mundo, conquanto nele esteja. Não deve estabelecer qualquer tipo de aliança com o mundo, para qualquer propósito que seja. Seu único papel no mundo é ser luz do mundo, o sal pelo qual tanto do mundo quanto seja possível venha a ser preservado. Não deve ser parte do mundo como a luz não é parte das trevas sobre que brilha. “Que comunhão tem a luz com as trevas?” 2ª Cor. 6:14. Há duas classes distintas sobre a Terra—a Igreja e o mundo; mas quando a Igreja faz uma aliança com o mundo, seja formalmente, ou adotando os métodos ou princípios do mundo, então há realmente apenas uma classe—o mundo. Pela graça de Deus, contudo, sempre houve uns poucos fiéis, mesmo no tempo da maior apostasia.

Não Uma Teocracia

É muito comum falar de Israel como uma teocracia. Isso é de fato o que Deus tencionava que fosse, e o que deveria ter sido, mas que no mais verdadeiro sentido nunca foi. E menos do que tudo foi Israel uma teocracia quando o povo exigiu um rei terreno, “E nós também seremos como todas as outras nações” (1º Samuel 8:20), pois em assim fazendo eles rejeitaram a Deus como o seu Rei. É estranho que as pessoas se refiram ao que Israel fez em direta oposição aos desejos de Deus, como uma base para ação semelhante da parte da Igreja agora, e a sua rejeição de Deus como evidência de que foram dirigidos pelo Seu poder.

A palavra “teocracia” é combinação de dois termos gregos, e significa literalmente “o governo de Deus”. Uma verdadeira teocracia, portanto, é um corpo em que Deus é o único e absoluto governante. Tal governo tem sido raramente visto sobre a Terra, e nunca em grande extensão. Uma verdadeira teocracia existiu quando Adão foi primeiro formado e colocado no Éden, quando “viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gên. 1:31). Deus formou Adão do pó da terra, e o colocou sobre as obras de Suas mãos. Ele foi tornado governante “sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre o (280) gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gên. 1:26). Portanto, ele tinha todo poder que lhe fora dado. Mas na sua melhor condição, quando coroado com glória e honra, Adão era apenas pó, não tendo maior poder em si mesmo do que o pó sobre o qual caminhava. Portanto, o magnífico poder que nele se manifestava não lhe pertencia em absoluto, mas era o poder de Deus operando nele. Deus era o absoluto Governante, porém era de Seu agrado, no que tange a este planeta, revelar o Seu poder mediante o homem. Durante a lealdade de Adão a Deus houve, portanto, uma perfeita teocracia sobre a Terra.

Tal teocracia nunca existiu desde então, pois a queda do homem foi o reconhecimento de Satanás como o deus deste mundo. Entretanto, individualmente existiu em sua perfeição em Cristo, o segundo Adão, em cujo coração estava a lei de Deus, e em Quem habita corporalmente toda a plenitude da Divindade3. Quando Cristo tiver renovado a Terra e restaurado todas as coisas como no princípio, e houver somente um rebanho e um Pastor4, um rei em toda a terra, essa será uma perfeita teocracia. A vontade de Deus será feita em toda a Terra como é agora no céu. Mas agora é o tempo da preparação. Cristo está agora reunindo um povo no qual o Seu caráter será reproduzido, em cujos corações Ele habitará pela fé, de modo que cada um deles, à semelhança de Si mesmo, possa ser “cheio com toda a plenitude de Deus” (Efé. 3:17-19). Esses reunidos constituem a igreja de Cristo, que, como um todo, é “a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos” (Efé. 1:22, 23). Assim, conquanto a verdadeira teocracia esteja, antes de tudo, no coração de indivíduos que, dia a dia, sinceramente, dizem a seu Pai celestial, “Teu é o reino”, a multidão dos que crêem — a Igreja — quando perfeitamente unida com a mesma mente pelo Espírito Santo, constitui a única verdadeira teocracia que já existiu nesta Terra. Quando a Igreja é apóstata, busca alianças com o mundo, por assumir poder real, a fim de exibir uma forma teocrática de governo, mas é somente uma forma falsa, sem poder divino, enquanto os verdadeiros seguidores de Deus, poucos em número, e espalhados pelo mundo, e desconhecidos das nações, fornecem um exemplo de uma real teocracia.

Mediante o profeta que abriu a boca para amaldiçoar, mas que em vez disso proferiu bênçãos, Deus disse a Seu povo de Israel, “este povo (281) habitará só, e entre as nações não será contado” (Núm. 23:9). O povo de Deus está no mundo, mas não é parte dele, pois o seu propósito é revelar a excelência dAquele que os chamou das trevas. Isso, porém, só podem cumprir segundo Deus seja reconhecido como supremo. A igreja é o reino no qual Deus reina sozinho, e todo o seu poder é o poder dEle, sua única lei é a lei de Deus de amor. É a voz de Deus somente que ouve e segue, e é a voz de Deus somente que fala por seu intermédio.

Não Um Modelo Terreno

Nada entre os reinos ou associações terrenos, seja do tipo que for, pode servir como modelo para a verdadeira teocracia, a igreja e reino de Deus; nem podem os atos de organizações humanas ser tomados como precedentes. É singular em todo particular, não dependendo de nenhuma das coisas sobre as quais os governos humanos dependem para a manutenção de unidade, e, contudo, tão maravilhosa em exibição de ordem e harmonia e poder, que maravilha a todos.

Mas conquanto o verdadeiro povo de Deus deva habitar sozinho, sem ser contado entre as nações, e consequentemente não tendo parte na direção ou administração de governos civis, de modo algum é indiferente ao bem estar da humanidade. Tal como a sua divina Cabeça, sua missão é fazer o bem. Tal como Adão foi o filho de Deus (Luc. 3:38), a família humana como um todo, conquanto caída, constitui Seus filhos — filhos pródigos —e, portanto, os verdadeiros filhos de Deus considerarão todos os homens como seus irmãos, por cujo bem-estar e salvação devem trabalhar. Sua obra é revelar Deus ao mundo como um Pai amorável e bondoso, e isso só podem fazer por permitir que o Seu amor resplandeça de suas vidas.

O reino de Cristo sobre a Terra tem como única missão mostrar por semelhança prática a Cristo, sua aliança com Ele, e proclamá-Lo como o legítimo Senhor de todos, assim revelando Suas excelências, para induzir tantos quanto possível a O aceitarem como Rei, de modo que possam estar preparados para recebê-Lo como Rei, a fim de que possam estar preparados para recebê-Lo quando vier sobre o trono de Sua glória, Mat. 25:31. Cristo, o Rei, não veio ao mundo para nenhum outro (282) propósito senão “a fim de dar testemunho da verdade” (João 18:37), e assim os Seus súditos leais não têm outro objetivo na vida, e o poder pelo qual testemunham é o do Espírito Santo permanecendo neles, e neles habitando, Atos 1:8, e não por misturar-se em lutas políticas ou sociais. Por um pouco, depois da ascensão de Cristo ao céu, a igreja estava contente com este poder, e maravilhoso progresso foi feito na obra de pregação do Evangelho do reino; mas logo que a igreja começou a adotar métodos mundanos, e seus membros a interessar-se pelos assuntos de Estado, em vez do reino de Cristo, e o poder foi perdido. Mas seja lembrado que naqueles dias da lealdade da igreja, o mesmo poder que fora dado a Israel estava presente para o mesmo propósito centenas de anos antes; e recordemos mais que o povo mediante o qual o poder de Deus fora assim manifestado em ambos os casos era o mesmo, “porque a salvação vem dos judeus” (João 4:22).

“O caminho de Deus é perfeito,”5 e sabemos que “tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe deve tirar; e isso faz Deus para que haja temor diante dEle” (Ecl. 3:14). Portanto, embora Israel, nos dias dos juízes e dos profetas, revelou-se infiel a seu depósito, e a Igreja dos dias dos apóstolos em grande medida negligenciou os seus privilégios e deveres, deve chegar o tempo em que a Igreja — o Israel de Deus — deverá sair do mundo e ser separada, e assim, livre de todo embaraço mundano, e dependendo somente de Cristo, resplandecerá como a manhã, “formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército com bandeiras”6.

-- The Present Truth, 14 de janeiro de 1897.

Notas desta edição

1) Aos judeus “foram confiados os oráculos de Deus” (Rom. 3:1, 2, KJV). Oráculo era a resposta de uma divindade àqueles que a consultavam. A Almeida Fiel diz, “as palavras de Deus lhes foram confiadas”.

2) Josué 2:11;

3) Colossenses 2:9;

4) João 10: 16;

5) Salmos 18:30, e 2º Samuel 22:31

6) Cantares, 6:10