domingo, 15 de agosto de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 35

O Concerto Eterno, Capítulo 35

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As Promessas a Israel

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Entrando na Terra Prometida

“E suportou os seus maus costumes no deserto por espaço de quase quarenta anos”(Atos 13:18). Nessas poucas palavras o Apóstolo Paulo, em seu discurso na sinagoga de Antioquia, tratou do que se deu nos quarenta anos de jornada dos israelitas no deserto; e para o propósito de nosso presente estudo podemos passar por tal episódio bem rapidamente. Seus costumes eram de tal forma que Deus literalmente os“suportou”. O registro fala de murmurações e rebelião. “Não creram em Deus nem confiaram na Sua salvação”. Sal. 78:22. “Quantas vezes O provocaram no deserto, e O entristeceram na solidão! Voltaram atrás, e tentaram a Deus; e limitaram o Santo de Israel. Não se lembraram de Sua mão, nem do dia em que os livrou do adversário; como operou os Seus sinais no Egito, e as Suas maravilhas no campo de Zoã”(Versos 40-43). Conquanto por quarenta anos eles vissem diariamente as obras de Deus, não aprenderam os Seus caminhos; tanto, diz o Senhor, “Por isto Me indignei contra essa geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não conheceram os Meus caminhos. Assim jurei na Minha ira, que não entrarão no Meu descanso” (Heb. 3:10, 11).

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Uma Herança de Fé

“E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade”[1]. O que isso nos ensina quanto à natureza da herança à qual [254] Deus estava conduzindo o Seu povo?—Simplesmente isto, que foi uma herança que podia ser possuída apenas por aqueles que tinham fé—, somente essa fé poderia ganhá-la. Possessões mundanas e temporais podem ser, e são, obtidas e mantidas pelos homens que descrêem, e que até desprezam e blasfemam contra Deus. De fato, homens descrentes possuem o máximo desses bens mundanos. Muitos, além de Davi, têm invejado a prosperidade dos ímpios; mas tais sentimentos de inveja somente surgem quando alguém olha às coisas que são temporais, em vez das que são eternas. “A prosperidade dos loucos os destruirá”[2]. Deus escolheu os pobres deste mundo, “ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu aos que O amam” (Tiago 2:5). Esse reino “não é deste mundo”(João 18:36), mas é “uma pátria melhor, isto é, a celestial” pela qual os patriarcas esperavam, Heb. 11:16. Foi para esta pátria que Deus prometeu conduzir o Seu povo quando o livrou da terra do Egito. Mas pode ser possuída somente por aqueles que são“ricos na fé”[3].

O tempo havia chegado em que Deus iria levar adiante os Seus propósitos junto a Seu povo. Aqueles que eram destituídos de fé e que haviam dito que os seus pequenos iriam morrer no deserto tinham perecido, e agora aquelas mesmas crianças, crescidas à condição adulta, e confiantes no Senhor, estavam para adentrar a terra prometida. Após a morte de Moisés, Deus disse a Josué: “Levanta-te pois, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, para a terra que Eu dou aos filhos de Israel. Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como Eu disse a Moisés” (Josué 1: 2, 3).

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Cruzando o Jordão

Mas o Jordão fluía entre eles e a terra à qual se dirigiam com todos os seus rebanhos e filhos pequenos. O rio estava em cheia, transbordando sobre as margens, e não havia pontes; mas o mesmo Deus, que trouxera o Seu povo através do Mar Vermelho, ainda os conduzia, e Ele era tão capaz quanto sempre de realizar maravilhas. Todo o povo tomou o seu lugar segundo as determinações do Senhor, os sacerdotes transportando[255] a arca cerca de mil passos à frente da multidão. Marcharam adiante rumo ao rio, cuja correnteza permanecia no seu caminho. Chegaram à própria beira da correnteza, contudo, as águas não recuaram um centímetro. Mas aquele povo havia aprendido a confiar no Senhor, e como Ele lhes dissera para marchar, não hesitaram por um momento. Para dentro da água avançaram embora soubessem que era tão profunda que possivelmente não poderia ser atravessada a pé, e a corrente suficientemente forte para arrastá-los rio abaixo. Eles nada tinham a fazer considerando as dificuldades; a parte deles era obedecer ao Senhor, e a dEle, abrir-lhes o caminho.

“E aconteceu que . . . quando os que levavam a arca chegaram ao Jordão, e os seus pés se molharam na beira das águas, ... pararam-se as águas que vinham de cima, e levantaram-se num montão, mui longe, da cidade de Adão, cidade que está ao lado de Zaretã; e as que desciam ao mar das Campinas, que é o Mar Salgado, foram de todo cortadas, então passou o povo em frente de Jericó. Porém os sacerdotes, que levavam a arca da aliança do Senhor pararam firmes, em seco, no meio do Jordão, e todo o Israel passou a seco, até que todo o povo acabou de passar o Jordão” (Josué 3: 14 – 17).

Que demonstração de fé e confiança em Deus! O leito do Jordão estava seco, é verdade, para o povo passar por ele, mas do lado direito havia uma parede de água, acumulando-se mais e mais alto sem nenhum apoio visível. Imaginem aquele acúmulo de água, aparentemente ameaçando desabar sobre o povo e poderão apreciar melhor a fé daqueles que tranquilamente passavam perante o mesmo. Por todo o tempo da passagem os sacerdotes permaneceram calmos e imóveis no meio do leito do rio, e o povo marchou sem sair da ordem. Não houve qualquer precipitação para passar logo antes que as águas desabassem sobre eles; “aquele que crer não se apresse” (Isa. 28:16).

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Livres Finalmente

“Naquele tempo disse o Senhor a Josué: Faze facas de pedra, e circuncida segunda vez aos filhos de Israel” (Josué 5:2). “Porque [256] quarenta anos andaram os filhos de Israel pelo deserto, até se acabar toda a nação, os homens de guerra que saíram do Egito, e não obedeceram à voz do Senhor; aos quais o Senhor tinha jurado que não lhes havia de deixar ver a terra que o Senhor jurara a seus pais dar-nos, terra que mana leite e mel. Porém em seu lugar pôs a seus filhos; a estes Josué circuncidou, porquanto estavam incircuncisos, porque os não circuncidaram no caminho. E aconteceu que acabando de circuncidar toda a nação, ficaram no seu lugar no arraial, até que sararam. Disse então o Senhor a Josué: Hoje retirei de sobre vós o opróbrio do Egito” (versos 6-9).

A fim de ver a plena força desta cerimônia nesta ocasião, devemos nos lembrar do significado da circuncisão, e também saber o que significa “o opróbrio do Egito”. A circuncisão significa justificação pela fé (Rom. 4:11)[4]; verdadeira circuncisão, cujo louvor não é dos homens, mas de Deus, é obediência à lei, mediante o Espírito (Rom. 2:25-29)[5]; é completa desconfiança de si mesmo, e confiança e regozijo em Jesus Cristo (Fil. 3:3)[6]. No episódio diante de nós vemos que o próprio Deus ordenou que o povo fosse circuncidado, uma prova positiva de que Ele próprio os aceitava como justos. Como se deu com Abraão, assim se dava com eles, a sua fé foi-lhes contada por justiça.

“A justiça exalta os povos; mas o pecado é a vergonha das nações” (Prov. 14:34). O pecado era o “opróbrio do Egito”, e isso é que foi removido de diante do povo de Israel, pois a verdadeira circuncisão do coração, que é somente tudo quanto Deus conta como circuncisão, representa o “despojo do corpo dos pecados da carne pela circuncisão de Cristo” (Col. 2:11, KJV). “Assim diz o Senhor Deus: No dia em que escolhi a Israel, levantei a Minha mão para a descendência da casa de Jacó, e Me dei a conhecer a eles na terra do Egito, quando levantei a Minha mão para eles, dizendo: Eu sou o Senhor vosso Deus... Então Eu disse: Cada um lance de si as abominações dos seus olhos, e não vos contamineis com os ídolos do Egito; eu sou o Senhor vosso Deus. Mas rebelaram-se contra Mim, e não Me quiseram ouvir; ninguém lançava de si as abominações dos seus olhos, nem deixava os ídolos do Egito” Eze. 20:5-8.

[257] Foi em razão de que não deixariam os deuses do Egito, que os homens que saíram daquele país com Moisés não entraram na terra prometida. Um povo não pode ser ao mesmo tempo livre e escravo. A escravidão do Egito—“o opróbrio do Egito”—não significava meramente o labor físico que o povo era forçado a enfrentar sem recompensa, mas era a abominável idolatria do Egito, em que haviam caído. Disso é que Deus libertaria o Seu povo, quando disse a Faraó: “Deixa o Meu povo ir, para que Me sirva”[7].

Essa liberdade, que o povo desfrutava, tinha finalmente sido obtida. O próprio Deus declarou que a escravidão, o pecado, o opróbrio do Egito, foi eliminado deles. Então podia ser cantado, “Abri as portas, para que entre nelas a nação justa, que observa a verdade” (Isa. 26:2).

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A Vitória da Fé

“Pela fé caíram os muros de Jericó, depois de rodeados por sete dias” (Heb. 11:30).

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (Heb. 11:1).

“Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus, para demolição de fortalezas” (2 Cor. 10:4).

Os filhos de Israel estavam na terra prometida, contudo, para todos os efeitos não estavam em posse dela mais do que estavam antes. Eles ainda habitavam em tendas, enquanto os habitantes da terra estavam entrincheirados em suas cidades, que eram“fortificadas até os céus”[8], tão fortes quanto o mero relatório sobre eles fez com que os filhos de Israel temessem e recuassem quarenta anos antes. Mas muros de pedra e multidões de homens armados nada significam quando a batalha é do Senhor.

“Ora, Jericó estava rigorosamente fechada por causa dos filhos de Israel; ninguém saía nem entrava” (Jos. 6:1). Jericó era a primeira cidade a ser tomada, e a estratégia estabelecida pelo Senhor visava a testar ao máximo a fé dos israelitas. Todo o povo devia marchar ao redor da cidade em perfeito silêncio, [258] com a exceção de que os sacerdotes que foram adiante com a arca deviam soar suas trombetas. “Josué tinha dado ordem ao povo, dizendo: Não gritareis, nem fareis ouvir a vossa voz, nem sairá palavra alguma da vossa boca, até o dia em que Eu vos diga: gritai! Então gritareis”(Jos. 6:10). Tão logo haviam eles completado esse circuito silencioso da cidade, deviam entrar no acampamento. A mesma coisa devia ser feita por seis dias sucessivos, e no sétimo dia o circuito devia ser feito sete vezes.

Imaginem a cena. Passo a passo, a multidão inteira seguia rodeando a cidade, e então seguia para o acampamento. Vez após vez repetiam isso, sem qualquer resultado aparente. Os muros permaneciam tão elevados e ameaçadores quanto antes; nenhuma pedra havia caído, nenhuma peça de alvenaria tinha se soltado. Contudo, nenhuma palavra de queixa era ouvida da parte do povo.

Podemos muito bem crer que, pelo primeiro ou segundo dia, a visão daquela grande hoste marchando silente ao redor da cidade encheu seus moradores de temor, especialmente ao terem anteriormente se aterrorizado com as notícias do que Deus havia feito por aquele povo. Mas ao ser repetida a marcha dia após dia, aparentemente sem qualquer propósito, seria muito natural que os sitiados criassem coragem e considerassem a coisa toda uma farsa. Muitos começaram a zombar e a provocar os israelitas por sua prática sem nexo. A história de guerras não apresentava precedente para tal modo de procedimento na captura de uma cidade, e teria sido contrário à natureza humana se alguns na cidade não ridicularizassem abertamente os marchadores lá fora.

Mas nenhuma palavra de resposta procedeu daquelas fileiras. Pacientemente os filhos de Israel suportaram todas as zombarias que lhes eram feitas. Nenhuma voz foi ouvida dizendo, “De que adianta isso tudo?” “Que tipo de general é esse Josué, afinal de contas?” “Será que ele supõe que por nossas caminhadas ritmadas podemos fazer os muros vibrar de modo a que venham desabar?” “Bem, estou cansado dessa bobagem, e permanecerei em minha tenda até podermos fazer algo que valha a pena”. Qualquer um que conheça algo da natureza humana sabe que essas e outras expressões semelhantes seriam abertamente pronunciadas sob tais circunstâncias pela maioria das pessoas; e seria admirável se não se pusessem [259] em aberta revolta contra aquele procedimento. Esse teria sido o caso com os filhos de Israel quarenta anos antes; e o fato de que paciente e silenciosamente marcharam assim ao redor da cidade treze vezes, aparentemente sem qualquer objetivo, é prova da fé mais notável que o mundo já conheceu. Pense numa nação inteira, em meio à qual não se achava um queixoso, ninguém a proferir uma palavra de reclamação quando submetido a inconveniências que não podiam compreender, e que eram aparentemente sem valor.

O sétimo dia estava quase terminado, e o décimo terceiro circuito de rodear a cidade estava completado. Tudo permanecia exatamente como no princípio de sua marcha. Agora ocorreria o último e culminante teste de fé. “E quando os sacerdotes pela sétima vez tocavam as trombetas, disse Josué ao povo: Gritai, porque o Senhor vos entregou a cidade” (Josué 6:16).

Por que deviam eles gritar?—Porque o Senhor lhes havia entregue a cidade; eles deviam gritar a vitória. Mas que evidência havia de que a vitória estava ganha? Eles não podiam ver nenhuma conquista. Mas fé é a “prova das coisas que se não vêem [9]. A vitória era deles porque o Senhor a havia concedido a eles e a sua fé a reivindicava com base em Sua palavra. Eles não hesitaram por um momento sequer; sua fé era perfeita, e diante da voz de comando um grito triunfante se fez ouvir da vasta assembléia. “Ouvindo o povo o sonido da trombeta, gritou o povo com grande brado, e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada um em frente de si, e tomaram a cidade” (Josué 6:20).

A promessa àquelas pessoas era a mesma que Deus agora nos estende; e tudo quanto foi registrado a respeito deles serve para o nosso ensino. “Pois não conquistaram a terra pela sua espada, nem o seu braço que os salvou” (Sal. 44:3), mas a destra de Deus os salvou. Mesmo assim Ele nos concederá para que sejamos livres “dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam”[10]; para que sendo livrados da mão de nossos inimigos possamos servi-Lo sem temor, em santidade e justiça todos os dias de nossa vida. Lucas 1:68-75. Essa libertação se dá mediante Cristo, que é agora, bem como nos dias de Josué, o “Capitão dos exércitos do Senhor”. Ele declara: “No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (João 16:33). “E estais perfeitos nEle, que é a cabeça [260] de todo principado e potestade” (Col. 2:10). Portanto, “esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1ª João 5:4).

-- The Present Truth, 31 de dezembro de 1896.

Notas desta edição:

[1] Hebreus 3:19;

[2] Provérbios 1:32, ARC;

[3] Tiago 2:5;

[4] Romanos 4:11. Abraão “recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que crêem, estando eles também na incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada;

[5] Romanos e: 25-29: “Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, porventura a incircuncisão não será reputada como circuncisão? E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te julgará porventura a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei? Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”;

[6] Filipenses 3: 3. “Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”;

[7] Êxodo 7;16; 8: 1, 20; 9:1, 13 e 10:3;

[8] Deuteronômio 1: 28;

[9] Hebreus 11:1;

[10] Lucas 1:71.

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