domingo, 8 de agosto de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 19

O Concerto Eterno, capítulo 19
145
Por Ellet J. Waggoner,


AS PROMESSAS PARA ISRAEL

Como o Coração de Faraó Foi Endurecido

Quando medidas suaves falharam em levar Faraó a reconhecer o poder de Deus, juí­zos foram enviados. Deus, que conhece o fim desde o princí­pio1, disse que o coração de Faraó seria endurecido, e até que Ele próprio o endureceria; e assim aconteceu. Contudo, não se deve supor que Deus Se propôs a, deliberadamente, endurecer o coração de Faraó contra a sua vontade, de modo que ele não poderia mudar de opinião se o desejasse. Deus envia forte engano para que os homens creiam a mentira, somente àqueles que rejeitaram a verdade, e que amam a mentira. Cada qual tem apenas aquilo que mais deseja. Se qualquer homem deseja fazer a vontade de Deus, conhecerá da doutrina2; mas para aquele que rejeita a verdade, nada lhe é deixado, senão trevas e engano.

É interessante notar que foi a manifestação da misericórdia de Deus que endureceu o coração de Faraó. O simples pedido do Senhor foi negado com zombaria. Então as pragas começaram a cair, contudo, não de imediato, mas com intervalo de tempo suficiente para permitir que Faraó refletisse. Embora o poder dos mágicos parecesse ser tão grande quanto o exercido por Moisés e Arão, Faraó não cedia. Então fez-se manifesto que havia um poder superior àquele dos mágicos. Eles trouxeram rãs da terra, mas não podiam livrar-se delas. “Chamou, pois, Faraó a Moisés e a Arão, e disse: Rogai ao Senhor que tire as rãs de mim e do meu povo; depois deixarei ir o povo, para que ofereça sacrifí­cios [146] ao Senhor”. Êxo. 8:8. Ele havia aprendido suficientemente sobre o Senhor para chamá-Lo por Seu nome.

“Então saí­ram Moisés e Arão da presença de Faraó; e Moisés clamou ao Senhor por causa das rãs que tinha trazido sobre Faraó. E o Senhor fez conforme a palavra de Moisés; e as rãs morreram nas casas, nos pátios, e nos campos. E ajuntaram-nas em montes, e a terra cheirou mal. Mas vendo Faraó que havia descanso, endureceu o seu coração, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito. Versos 12-15.

“Ainda que se mostre favor ao í­mpio, nem por isso aprende a justiça; até na terra da retidão ele pratica a iniqüidade, e não atenta para a majestade do Senhor”. Isa. 26:10. Foi o que se deu com Faraó. O juí­zo de Deus fez com que o seu soberbo propósito enfraquecesse, mas quando percebeu “que havia descanso, endureceu o seu coração”.

Daí­ veio um enxame de moscas, por ordem do Senhor, e Faraó declarou: “Eu vos deixarei ir, para que ofereçais sacrifí­cios ao Senhor vosso Deus no deserto; somente não ireis muito longe; e orai por mim. Respondeu Moisés: Eis que saio da tua presença e orarei ao Senhor, que estes enxames de moscas se apartem amanhã de Faraó, dos seus servos, e do seu povo; somente não torne mais Faraó a proceder dolosamente, não deixando ir o povo para oferecer sacrifí­cios ao Senhor. Então saiu Moisés da presença de Faraó, e orou ao Senhor. E fez o Senhor conforme a palavra de Moisés, e apartou os enxames de moscas de Faraó, dos seus servos, e do seu povo; não ficou uma sequer. Mas endureceu Faraó ainda esta vez seu coração, e não deixou ir o povo”. Êxo. 8:28-32.

E assim se passou ao longo das várias pragas. Não nos são indicadas todas as etapas em cada caso, mas vemos que foi a longanimidade e misericórdia de Deus que endureceram o coração do Faraó. A mesma pregação que confortava os corações de muitos nos dias de Jesus, fazia com que outros se tornassem ainda mais opostos a Ele. A ressurreição de Lázaro dentre os mortos determinou, no coração dos judeus descrentes, a decisão de matá-Lo. O dia do juí­zo revelará o fato de que cada um dos que rejeitaram o Senhor por endurecimento de seus corações, assim agiram em face da revelação de Sua misericórdia.

[147] O Propósito de Deus Para Com Faraó

“Então disse o Senhor a Moisés: Levanta-te pela manhã cedo, põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: Deixa ir o Meu povo, para que Me sirva; porque desta vez enviarei todas as a Minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus servos, e sobre o teu povo, para que saibas que não há outro como Eu em toda a terra. Agora, por pouco, tenho estendido Minha mão, e ferido a ti e ao teu povo com pestilência, e tu terias sido destruí­do da terra; mas, na verdade, para isso te hei mantido com vida, para te mostrar o Meu poder, e para que o Meu nome seja anunciado em toda a terra”. Êxo. 9:13-16, RV (Versão Revista).

A tradução ainda mais literal do texto hebraico, do Dr. Kalisch3, assim reza: “Pois agora Eu poderia ter estendido a Minha mão, e poderia ter-te ferido e teu povo com pestilência; e tu teria sido eliminado da Terra. Mas somente por esta razão Eu te deixei existir, a fim de mostrar-te o Meu poder, e que o Meu nome pode ser reconhecido por toda a Terra”. Uma detida comparação mostrará que esta idéia é expressa na Versão Revista, como citado acima, mas não tão claramente.

Não se trata, como muitas vezes levianamente se supõe, que Deus tenha trazido Faraó à existência para o expresso propósito de descarregar vingança sobre ele. Tal idéia é grandemente ofensiva ao caráter do Senhor. Mas a verdadeira idéia é que Deus poderia ter eliminado Faraó no primeiro momento, e assim liberto o Seu povo sem qualquer atraso. Isso, contudo, não estaria em harmonia com a invariável orientação do Senhor, que é conceder a cada homem ampla oportunidade de se arrepender. Deus havia por muito tempo suportado a teimosia de Faraó, e agora Se propunha a enviar juízos mais severos; todavia, Ele lhe faz advertências justas, de modo que até ele poderia volver-se de sua iniqüidade.

Deus conservou Faraó vivo, e retardou enviar os Seus juízos mais severos sobre ele, eliminando-o a fim de que pudesse demonstrar-lhe o Seu poder. Mas o poder de Deus estava sendo manifesto naquela ocasião para a salvação de Seu povo, e o poder de Deus para [148] a salvação é o Evangelho. Destarte, Deus mantinha Faraó vivo, a despeito de sua teimosia, para conceder-lhe ampla oportunidade de aprender o Evangelho. Esse Evangelho era tão poderoso para salvar a Faraó quanto era para salvar os israelitas.

A tradução revista foi usada porque é mais clara do que a versão comum, não porque a mesma verdade não esteja expressa em cada versão. Tomemos a tradução comum, “na verdade, para isso te hei mantido com vida, para te mostrar o Meu poder, e para que o Meu nome seja anunciado em toda a terra”, e admitamos que isso envolve o fazer Faraó alcançar o trono. Mesmo então está longe de revelar que Deus o suscitou para o propósito de mandar-lhe pragas e matá-lo. O texto diz que foi para o propósito de demonstrar o poder de Deus e fazer com que o Seu nome fosse conhecido por toda a Terra. Concluir que Deus pode revelar o Seu poder e tornar o Seu nome conhecido somente pela destruição de homens, é ofensivo a Ele e contrário ao Evangelho. “Sua misericórdia dura para sempre”4.

O propósito de Deus era de que o Seu nome fosse declarado por toda a Terra. Isto é o que foi feito, pois lemos que quarenta anos depois o povo de Canaã estava aterrorizado ante a aproximação dos israelitas, porque se lembraram do que Deus havia feito na libertação deles do Egito. Mas o propósito de Deus teria sido realizado da mesma forma se Faraó tivesse se submetido ao que desejava o Senhor. Suponhamos que Faraó tivesse reconhecido o Senhor, e tivesse aceito o Evangelho que lhe foi anunciado; qual teria sido o resultado? Ele teria feito como Moisés, e trocado o trono do Egito pelo opróbrio de Cristo e um lugar na eterna herança. Assim, ele teria sido um agente muito poderoso em declarar o nome do Senhor por toda a Terra. O próprio fato da aceitação do Evangelho por um poderoso rei teria tornado conhecido o poder do Senhor tão eficazmente quanto se deu com as pragas. E o próprio Faraó, de perseguidor do povo de Deus, a exemplo de Paulo, se tornaria um pregador da fé. É triste dizer que ele não conheceu o dia de sua visitação.

Observem particularmente o fato de que o propósito de Deus era que o Seu nome fosse declarado por toda a Terra. Esse acontecimento [149] não se daria num recanto. A libertação do Egito não era algo que preocupava somente umas poucas pessoas em uma parte do planeta. Era “para ser para todo o povo”5. De acordo com a promessa feita a Abraão, Deus estava libertando os filhos de Israel da escravidão; mas a libertação não era somente por causa deles. Através de sua libertação, o Seu nome e poder deviam ser feitos conhecidos até os confins da Terra. O tempo da promessa, sobre que Deus havia jurado a Abraão, estava se aproximando; mas sendo que essa promessa incluía a Terra inteira, fez-se necessário que o Evangelho fosse proclamado na maior extensão possí­vel. Os filhos de Israel eram os agentes escolhidos por Deus para realizar essa obra. Em torno deles, como o núcleo, o reino de Deus devia girar. O fato de que se demonstraram infiéis à sua missão apenas retardou, mas não mudou o plano de Deus. Conquanto eles falhassem em proclamar o nome do Senhor, e até apostatassem, Deus disse: “Tão certamente como Eu vivo, toda a terra se encherá como a glória do Senhor”6.

The Present Truth, 10 de setembro de 1896.

Notas desta edição:

1) Isaias 46:10;

2) João 7:17;

3) Marcus Moritz Kalisch, (1828-1885) extraordinário escolástico judeu, nascido em Treptow, Pomerania, e falecido em Derbyshire. “Comentário Histórico e Crítico do Velho Testamento, com Nova Tradução”. Edição em inglês: Longman Brown Green Longmans e Roberts, Londres, 1858. O Pentateuco foi apresentado em série. A primeira parte foi Êxodo, em 1855. Devido à excepcional erudição e originalidade de Kalisch, estes comentários são de permanente valor. Nenhum outro trabalho em inglês é tão cheio de citações antigas quanto este;

4) Salmos 106:1;

5) Lucas 2:10;

6) Números 14:21, KJV.