domingo, 1 de agosto de 2010

O Concerto Eterno, Capítulo 6.

O Concerto Eterno, capítulo 6.

59

O Chamado de Abraão

A Carne Contra o Espírito

“Ora, Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos. Tinha ela uma serva egípcia, que se chamava Agar. Disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de ter filhos; toma, pois, a minha serva; porventura terei filhos por meio dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai”. Gên. 16:1, 2.

Esse foi o grande erro da vida de Abraão; mas ele aprendeu uma lição de seu erro, e ficou registrado para ensinar essa lição a todos. Presumimos que o leitor esteja familiarizado com a seqüência,como o Senhor disse a Abraão que Ismael, o filho de Hagar, não seria o herdeiro que Ele havia prometido, mas que Sara, sua esposa, deveria conceder-lhe um filho, e como, após Isaque ter nascido, Hagar e Ismael foram mandados embora. Assim podemos prosseguir imediatamente para as importantes lições, sugeridas por essa ocorrência.

Em primeiro lugar temos que aprender a loucura da tentativa humana de cumprir as promessas de Deus. Abraão teve a divina promessa de produzir uma incontável semente. Quando a promessa foi feita, parecia além de toda possibilidade humana que Abraão tivesse um filho de parte de sua esposa, mas ele aceitou a palavra do Senhor, e sua fé foi-lhe contada por justiça. Isso, por si só, evidencia que a semente não era coisa ordinária, mas que devia ser uma semente de fé.

Mas sua esposa não possuía a fé que ele tinha. Contudo, ela imaginava que tinha fé, e mesmo Abraão sem dúvida imaginava que, ao (60) executar a sua recomendação, ele estava agindo em harmonia com a palavra do Senhor. O problema é que ele deu ouvidos à voz da esposa, em vez de escutar o Senhor. Eles raciocinaram que Deus havia lhes prometido uma grande família, mas sendo impossível que tivessem filhos, parecia por demais evidente que Ele intencionava que se valessem de algum outro meio para o cumprimento disso. É assim que a razão humana age com as promessas de Deus.

Contudo, quão pouca visão estava envolvida nesse episódio todo. Deus havia feito a promessa; portanto, Ele somente poderia dar-lhe cumprimento. Se um homem faz uma promessa, a coisa prometida pode ser realizada por outro, todavia, nesse caso, quem fez a promessa falha em levar a cabo a sua palavra. Assim, embora aquilo que o Senhor havia prometido pudesse ter sido obtido pelo artifício adotado, o resultado seria eliminar o Senhor do cumprimento de Sua palavra. Eles, portanto, estavam operando contra Deus. Mas Suas promessas não podem ser realizadas pelo homem. Em Cristo somente é que podem ser efetuadas. É-nos suficientemente simples ver isso no caso diante de nós; não obstante, com quanta freqüência, em nossa própria experiência, em vez de esperarmos que o Senhor realize aquilo que prometeu, cansamo-nos de esperar e tentamos fazê-lo em Seu lugar, e assim falhamos.

Espiritual e Literal

Anos depois a promessa foi cumprida segundo os propósitos divinos, mas isso não se deu até que Abraão e a esposa cressem plenamente no Senhor. “Pela fé, até a própria Sara recebeu a virtude de conceber um filho, mesmo fora da idade, porquanto teve por fiel Aquele que lho havia prometido”. Heb. 11:11. Isaque foi o fruto da fé. “Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa”. Gál. 4:22, 23.

Muitas pessoas parecem se esquecer desse fato. Esquecem-se de que Abraão teve dois filhos, um de uma escrava, e outro de uma mulher livre; um nascido segundo a carne, e outro nascido segundo o Espírito. Daí (61) é que se tem a confusão a respeito da semente “literal” e “espiritual” de Abraão. As pessoas falam como se a palavra “espiritual” se opusesse a “literal”. Mas não é assim. “Espiritual” opõe-se somente a “carnal”.

Isaque nasceu segundo o Espírito, contudo ele era um filho, era tão real e literal quanto Ismael. Destarte, a verdadeira semente de Abraão são somente aqueles que são espirituais, mas isso não os torna, em qualquer medida, menos reais. Deus é Espírito, contudo Ele é um Deus real. Cristo teve um corpo espiritual após Sua ressurreição, todavia Ele era um ser real, literal, e poderia ser tocado do mesmo modo que outros corpos. De igual modo os corpos dos santos, após a ressurreição, serão espirituais, contudo eles serão reais. As coisas espirituais não são imaginárias. Na verdade, o que é espiritual é mais real do que aquilo que é carnal, porque somente o que é espiritual permanecerá para sempre.

Desse episódio, pois, aprendemos, de forma bastante conclusiva, que a semente que Deus prometeu a Abraão, deveria ser como a areia do mar e as estrelas do céu em número, e que devia herdar a terra, é somente uma semente espiritual. Isto é, trata-se de uma semente que procede da intervenção do Espírito de Deus. O nascimento de Isaque, à semelhança do nascimento do Senhor Jesus, foi miraculoso. Foi sobrenatural. Ambos foram trazidos à existência por meio do Espírito. Em ambos temos uma ilustração do poder pelo qual nos tornamos filhos de Deus, e assim, herdeiros da promessa.

A semente de Abraão segundo a carne são os ismaelitas. Ele foi um homem selvagem, ou, como diz a Revised Version, “um asno selvagem entre os homens”. Gên. 16:12. Ademais, ele era filho de uma escrava, e, daí, não um filho nascido livre. Agora, o Senhor já havia definido, no caso de Eliézer, servo de Abraão, que a semente de Abraão devia ser livre. Portanto, se Abraão tivesse somente pensado nas palavras do Senhor, em vez de dar ouvidos à voz da esposa, poderia ter sido poupado de muita confusão.

Vale a pena demorar-se sobre essa fase do tema, pois, se for devidamente compreendida, nos poupará de muita confusão quanto à verdadeira semente de Abraão e o verdadeiro Israel. Relatemos as questões básicas uma vez mais.

(62) Ismael foi nascido segundo a carne, e não poderia ter sido a semente. Portanto, aqueles que são somente da carne não podem ser os filhos de Abraão, e herdeiros conforme a promessa.

Isaque foi nascido segundo o Espírito, e era a verdadeira semente. “Em Isaque será chamada a tua semente”1. Por conseqüência, todos os filhos de Abraão são os que foram nascidos do Espírito. “Nós, irmãos, somos filhos da promessa, como Isaque”. Gál. 4:28.

Isaque foi nascido livre; e ninguém, a não ser os que são nascidos livres são filhos de Abraão. “Pelo que, irmãos, não somos filhos da escrava, mas da livre”. Gál. 4:31. O que é essa liberdade, o Senhor mostrou em Sua fala aos judeus, registrada no oitavo capítulo de João. “Dizia, pois, Jesus aos judeus que nele creram: Se vós permanecerdes na Minha palavra, verdadeiramente sois Meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém; como dizes tu: Sereis livres? Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. Ora, o escravo não fica para sempre na casa; o filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” vs. 31-36, RV. Posteriormente Ele lhes disse que se fossem realmente filhos de Abraão, praticariam as obras de Abraão. Vs. 39.

Aqui novamente vemos o que aprendemos com a promessa no décimo quinto capítulo de Gênesis, que a prometida semente deveria ser uma semente justa, uma vez que foi prometida apenas mediante Cristo, e estava assegurada a Abraão somente por sua fé.

A síntese da questão toda é que na promessa a Abraão está o Evangelho, e somente o Evangelho; e qualquer tentativa de fazer as promessas aplicarem-se a qualquer outro além dos que são de Cristo, mediante o Espírito, é uma tentativa de anular as promessas do Evangelho de Deus. “E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa”. Gál. 3:29. “Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é Dele”. Rom. 8:9. Assim, se qualquer homem não tem o Espírito de Cristo, o Espírito pelo qual Isaque nasceu, este não é um filho de Abraão, e não tem como reivindicar qualquer parte da promessa.

The Present Truth, 11 de junho de 1896.

Nota desta edição:

1) Gênesis 21:12;